‘Déia e Dete’, curta de animação da Zona da Mata, estreia na Mostra de Cinema de Tiradentes
Com direção de Bruna Schelb Corrêa e Francis Frank, a obra olha para relações familiares e tradições mineiras em filme sobre a infância
O curta de animação “Déia e Dete”, dirigido por Bruna Schelb Corrêa e Francis Frank, estreia na Mostra de Cinema de Tiradentes, que começa já nesta sexta-feira (24). Inspirado em uma história familiar, a obra busca voltar o olhar para as relações familiares e tradições mineiras, mas de um jeito leve – e voltado para as crianças. Tudo acontece quando duas meninas, de sete e oito anos, vão passar as férias na chácara dos avós e escutam que existe na família uma antiga tradição de enterrar umbigos. Diante da descoberta, decidem procurá-los pelo chão da chácara, e começam uma trajetória em que refletem o significado de casa e vão encarando expressões ao pé da letra. Essa é uma obra feita em coprodução pela Filmes do Mato e pelo Inhamis Estúdio. A exibição acontece no sábado (1º), às 10h30, no Cine-Tenda, como parte da Mostrinha.
Com cores alegres e vibrantes, a história do curta surgiu, para Bruna, a partir de histórias que ouvia na própria infância. “Minha mãe me contou que o meu umbigo foi enterrado embaixo de uma roseira. Isso me deixava consternada quando eu era criança, queria entender aquilo.” Desde que essa indagação ficou na sua cabeça, foi percebendo que aquilo era uma tradição mais mineira que brasileira: quando contava para quem era do estado, ninguém estranhava, mas bastava atravessar a fronteira e já deixava de ser algo tão comum. E a mineiridade, principalmente vinda do interior, é algo que já era foco de seus filmes. Mas também era uma forma de homenagear sua avó, que morreu em 2018. As personagens crianças são feitas inspiradas nela e em sua tia-avó, e toda a família participa da produção. “Queria imaginar como era a infância dela. Acho que as infâncias são muito parecidas, apesar dos anos irem se passando e o mundo mudando.”
A ideia de transformar a história em uma animação veio depois. “Esse filme, primeiro escrevi para live-action, mas como tínhamos muito elementos que eram praticamente impossíveis de fazer sem um orçamento muito grande, a animação acabou sendo uma saída para executarmos a visão do roteiro. Por exemplo, como faria uma cegonha cuspindo uma criança? Então foi muito divertido também esse processo, de fazer coisas impossíveis com a animação.” Para chegar no resultado final, ela explica que contou com uma equipe de ilustradores experientes e qualificados da região, com Yoná Carneiro fazendo a direção de arte e o design de personagem. Além disso, a produção é dela e de Luis Bocchino, além de ter Fernanda Roque na produção de animação e Amanda Pomar, Daniel Marques e Lucas Borges na equipe.
Vinda de Cataguases para Juiz de Fora, para estudar Cinema na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Bruna fez o seu primeiro filme dentro da universidade, no período de greve estudantil. E seguiu pensando e fazendo cinema por lá, no mestrado e doutorado. Por essa trajetória, também carregou a preocupação em contar histórias que exprimiam a mineiridade, como a que está na essência de “Déia e Dete”, por meio de vários elementos. “Vejo muitos filmes que se passam em metrópoles, e na minha filmografia quero ver na boca dos meus personagens as coisas que eu ouço por aqui, e transformar isso também em pontos narrativos”, diz.
Processo de produção
A trajetória de um filme é longa, e nesse caso não é diferente: o roteiro foi feito há cerca de sete anos, e só muito depois foi elaborado da forma que ficou hoje. Mas, de cara, já se torna um marco na carreira de Bruna, por ser a primeira vez que ela faz um filme para criança e usando a animação dessa forma. “Foi uma experiência totalmente nova”, conta. E poder estar presente em Tiradentes, em um dos principais festivais do país, também vira um passo importante para que a obra de 8 minutos chegue até mais gente. “Eu devo muito a todos os eventos da Universo Produção. De alguma maneira e de maneiras variadas, eles estão sempre acreditando em mim, sempre acreditando nas narrativas que quero trazer e me colocando em contato com outras pessoas. (…) A gente faz filmes para as pessoas assistirem.”
Além de “Déia e Dete”, a produtora Filmes do Mato também vai levar “As coisas” para Tiradentes, para participar do evento CineMundi. Esse é um projeto de longa ainda em desenvolvimento, e a participação nessa mostra ajuda a encontrar caminhos possíveis pros filmes. “Vamos fazer rodadas de consultoria com pessoas que têm muita experiência, e fazer uma apresentação do projeto. (…) É um passo na vida do projeto, que demora anos para ser feito”, conta Bruna.
Histórias que são nossas
“Contar histórias que são nossas” é um dos principais objetivos da produtora e de Bruna Schelb. E isso pode ser entendido de várias formas: a primeira, é por meio da presença da própria família, que já foi foco em outro curta, que homenageia a história de seu avô, e que também dessa vez aparece na produção de “Déia e Dete”, como voz de personagens. “Acho que é uma vontade de fazer com que essas pessoas vivam para sempre, de alguma maneira. Eu tenho muito medo de que não possa mais ouvir a voz deles um dia”, conta. Mas, além disso, esse objetivo vem da própria percepção de que as suas histórias sempre partem de algo que é pessoal. “Então colocar essas pessoas que estão já no meu coração, nos filmes, é uma maneira de ser sincera com as minhas histórias. E dirigi-los é a maior diversão”, revela.
Além disso, como Bruna explica, todas as histórias que ela busca contar vêm de um mesmo lugar, e colocam a Zona da Mata em foco. “Abrir a minha produtora no interior, com sede em Cataguases, para mim, é uma questão de honra. Temos muita história pra contar, profissionais muito capacitados. Todas as pessoas que trabalham nos meus filmes são da região, e fico muito feliz de ter oportunidade de levar projetos que são feitos pelas nossas mãos”, diz. Apesar do acesso não ser fácil e do financiamento enfrentar outros desafios, ela defende como importância máxima essa valorização: “Mas quando vejo que nossos esforços dão certo, que as pessoas reconhecem e querem ver, fico muito feliz. Espero que outras pessoas sigam por esse caminho, continuem fortalecendo, e levem essas histórias para frente”.
Tópicos: deia e dete / festival de tiradentes