Livro preserva a memória arquitetônica de Barbacena em 200 fotos de casas, portas e janelas

Fruto de trabalho de iniciação científica, obra ‘Fragmentos de um olhar sensível: Barbacena e a experiência do errante’ dialoga com noção de flâneur


Por Elisabetta Mazocoli

23/12/2025 às 07h00

livro barbacena
Alunos foram incentivados a ter alma ‘flâneur’ para capturar a cidade (Foto: Divulgação)

O livro “Fragmentos de um olhar sensível: Barbacena e a experiência do errante” é fruto de um trabalho realizado em Iniciação Científica, entre os cursos de Arquitetura e Publicidade da Unipac. A ideia de Guilherme Ragone e Alexandre Costa, professores organizadores do projeto, era preservar a memória arquitetônica do cotidiano comum de Barbacena por meio de fotos de casas, portas e janelas que compõem a cidade. As imagens foram registradas pelos alunos Guilherme Lélis e João Pedro Amaral e os textos foram construídos pelos professores a partir desse gatilho — conduzindo, assim, o olhar dos leitores-observadores por esse percurso. O conceito de “flâneur”, desenvolvido por Walter Benjamin, chega assim à cidade mineira e tenta captar o que está em transformação.

A ideia dos professores era pensar as portas e as janelas para além do ato de entrar e sair — mas refletindo sobre o aspecto sensível por trás disso. “A ideia traz um pouco dessa nostalgia e dessa sensibilidade de um passado que, com as transformações da cidade, vai se perdendo”, explica Guilherme, da área de Arquitetura, que entende que essa foi uma forma de pensar como as pessoas enxergam a rua e como a rua enxerga as pessoas. No total, foram selecionadas cerca de 200 fotos, que foram sendo editadas de acordo com uma narrativa que leva em conta aspectos como cor e formato.

A ideia era capturar algo que fosse um contraponto ao discurso hegemônico para pensar o patrimônio. “Saímos da ideia da igreja, do grande casarão e da arquitetura, e olhamos para a arquitetura comum, da casa da esquina”, explica ele sobre as escolhas dos registros. Um dos exemplos em que isso foi notado, para o professor, foi uma casa histórica demolida justamente durante o processo de produção do livro. Eles conseguiram registrar o antes e depois do imóvel, com poucos dias de diferença. “É uma forma de registrar isso e deixar eternizado, ainda que pelo olhar da fotografia”, conta. Em muitos dos registros, o avanço da modernização e o descuido com o patrimônio histórico assumiram o protagonismo.

O conjunto do material permitiu que tanto os professores quanto os alunos tivessem uma reflexão maior sobre a cidade. “Fomos percebendo o quanto a cidade se transforma, o quanto esses detalhes passam despercebidos. Fomos vendo nessa montagem do todo como o modo de fazer uma janela estava conectado de uma casa para outra, mesmo quando eram distantes. E aí pudemos pensar sobre quem morava nas casas, quem abria as janelas, como era a vida dessas pessoas”, reflete. Os textos sempre tentavam dar vazão a essa reflexão do que a imagem já continha, expandindo as ideias para as palavras.

Desenvolvendo um olhar atento

A obra, para o organizador, teve dois grandes objetivos: desenvolver um olhar atento dos alunos e colaborar com a preservação do patrimônio da cidade. O primeiro aspecto aconteceu, como ele explica, quando a atividade foi proposta e eles precisaram se dividir para observar a cidade e encontrar esses locais a serem registrados. A partir disso, não só escolheram os pontos que seriam retratados, mas também precisaram aguardar a luz certa e até mesmo aguardar o momento de fisgar a fotografia chegar — quando alguém passava ou uma imagem poética se formava, por exemplo. Nesse sentido, a reflexão teórica do caminhar na cidade e refletir sobre ela, absorvendo a vida urbana com olhar curioso e poético, coube bem à proposta, e foi algo desenvolvido em paralelo durante as atividades em sala de aula.

Esse olhar atento colaborou com a noção do que é o patrimônio da cidade — e também com o que se espera que os leitores do livro percebam que é. Por isso, a obra entende que o patrimônio é um produto que dialoga tanto com a arquitetura quanto com a publicidade, pois considera a imagem enquanto produto. E Guilherme pensa o livro para muito além da academia: “Vemos o potencial de preservação, para deixar o registro fotográfico de casas, objetos e monumentos que no futuro não estarão mais lá. Passamos por tantas portas e janelas sem perceber, e desenvolver essa sensibilidade transforma isso”. A obra está disponibilizada na Amazon no formato de e-book.

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