‘Com que roupa?’ marca estreia de Giovanna Nader como escritora
A ativista propõe discussões sobre a degeneração do quadro ambiental a partir da moda sustentável no livro lançado pela Companhia das Letras
A comunicadora Giovanna Nader, 35 anos, trata a moda como uma porta de entrada para a expansão de uma consciência sustentável. Um “fio condutor”, como ela mesma define, para discussões tão sensíveis quanto urgentes, como o aquecimento global, já que a moda é um assunto leve, comum a todos – ou ao menos deveria ser. “A gente está diante de uma urgência. O aquecimento global já é uma realidade. Vamos viver um caos ainda maior do que este que estamos vivendo e precisamos mudar”, alerta em entrevista exclusiva à Tribuna. Alinhada às discussões sobre consumo sustentável, Giovanna lança o livro “Com que roupa? (Companhia das Letras, 200 páginas), desde a última sexta-feira (21) nas livrarias via selo “Paralela”.
A princípio, o título seria restrito ao debate sobre moda sustentável. No entanto, à medida que o livro amadurecia, Giovanna atentou para a necessidade de propor outros debates justamente diante da urgência. “Durante o processo de escrita – que levou dois anos -, assisti a muita coisa, como o céu de São Paulo ficar preto por conta das queimadas na Amazônia, o crescimento mensal da taxa de desmatamento, o vazamento de petróleo no litoral nordestino, a morte de 500 milhões de abelhas por agrotóxicos no Rio Grande do Sul e, de repente, a pandemia de Covid-19. Então, me perguntava por que falar de moda sustentável enquanto estamos em um caos muito maior.” Mas a moda, por ser “vibrante, sedutora”, poderia introduzir tais assuntos, já que, por exemplo, a indústria é responsável mundialmente pela emissão de algo entre 8% e 10% de gases de efeito estufa, bem como é a segunda mais escravagista. “A partir do momento que refletimos sobre o nosso consumo, conseguimos questionar o nosso lugar no mundo em qualquer outro âmbito que não apenas a moda.”
O livro é estruturado em duas partes, detalha Giovanna. A primeira é sobre o panorama do mercado e para onde o mesmo caminha, ou seja, o que está por trás da indústria da moda, desde o trabalho escravo até a poluição a partir do descarte da produção, e o excesso de consumo. “Como diferenciar, por exemplo, se uma marca é de fato sustentável ou se está querendo apenas surfar em uma onda – o famoso ‘greenwashing'”, destaca a comunicadora, pós-graduada em “branding” pela Universitat Pompeu Fabra, de Barcelona. Já a segunda parte é prática, “mão na massa”. O objetivo é mostrar ao leitor como aplicar os conceitos sustentáveis nos próprios hábitos de consumo e descarte de roupas. “Há um mundo morrendo, mas outro nascendo, que é o da economia regenerativa, da economia circular. Acho que, quando falamos sobre moda, tecidos, roupas, fica mais tangível”, afirma. Giovanna, ao lado da sócia Raquel Vitti Lino, fundou o projeto “Gaveta”, em que pessoas trocam, entre si, roupas que não usam mais.
Inclusive, o projeto, criado em 2013, deflagrou o interesse da comunicadora por consumo sustentável. À época, ela já era adepta da compra de roupas de segunda mão. “Só que eu não tinha até então a menor consciência sobre o meu consumo. Não questionava, por exemplo, o lixo que produzia na minha casa, não questionava o que comia, ou seja, não tinha outros questionamentos que não fossem as roupas”, avalia. Então, “Gaveta” deixou de ser apenas um projeto de troca de roupas para se tornar um movimento de moda sustentável. “À medida que o projeto foi crescendo, a gente começou a se conectar com outros ativistas e especialistas que já estavam fazendo a diferença neste cenário no Brasil. Pessoas muito iluminadas foram aparecendo, houve muita troca de informação e, então, fui aprendendo muito, abrindo chavinhas dentro de mim.”
‘É necessário uma mudança sistêmica’
O nascimento da filha, Marieta, há três anos e meio, foi um ponto de inflexão determinante para o ativismo ambiental de Giovanna. Marieta a levou a perceber que a geração futuramente impactada já estava viva. “Era ela, que estava ali, nos meus braços, por quem tinha um ímpeto de proteção. Então, o que poderia fazer? Comecei a entender que, se a gente não mudar radicalmente a maneira como vive, não haverá futuro para a geração, que já está aí. Não bastaria apenas a mudança no meu guarda-roupa. É necessário uma mudança sistêmica, governamental, muito maior.” Porém, antes de ativista, destaca, tornou-se comunicadora. “Não tinha uma grande organização, uma empresa ou um investimento por trás para fazer grandes mudanças. Me perguntei: ‘O que tenho?’ Bom, as minhas redes sociais e o meu conhecimento. Vou juntar tudo isso em informações e passar pra frente. Tirei do armário os meus anos de teatro”, brinca.
Além de apresentar o programa “Se essa roupa fosse minha”, no GNT, Giovanna também é anfitriã do podcast “O tempo virou”, no qual entrevista ativistas e especialistas envolvidos em temas como agroecologia, ecossocialismo e a sociedade do bem-viver. O último episódio traz o engenheiro florestal e educador popular João Portella. O podcast já recebeu o jornalista Bruno Torturra, o professor sênior do Programa de Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo (USP), Ricardo Abramovay, a socióloga Sabrina Fernandes, a líder indígena Sonia Guajajara e a ativista alimentar Bela Gil. “É um respiro saber que é possível ir na contramão do sistema de alguma maneira, mesmo inseridos e afogados nele até o pescoço”, ressalta. “Fui entendendo antes, como comunicadora, como poderia expandir este assunto, tanto para o meu aprendizado quanto para quem me segue. Sinto que vamos aprendendo juntos. Não sou uma academicista. Não sou uma pesquisadora. Não estou dentro de uma universidade.”
O ativismo, como consequência, veio de repente, afirma Giovanna, quando se viu em parcerias com ONGs e movimentos sociais para emprestar visibilidade e, ainda, endossar campanhas contra projetos de lei na contramão de medidas sustentáveis ao meio-ambiente. No mesmo dia em que a comunicadora conversou com a Tribuna, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, foi alvo de operação da Polícia Federal de busca e apreensão em investigação sobre suspeitas de crimes de corrupção, advocacia administrativa, prevaricação e facilitação de contrabando no meio madeireiro. “A condução de políticas ambientais do Governo federal não é uma surpresa. Quem elegeu, sabia. Só que está sendo ainda mais desastrosa do que poderíamos imaginar”, critica Giovanna. “Agora em abril, tivemos o maior índice de desmatamento em seis anos (conforme dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). A gente tem um ministro do Meio Ambiente que é contra o meio ambiente pela primeira vez na história.”