“Vaga-lumes”: O encontro da dança com o cinema
Obra cinematográfica de Daniela Guimarães está disponível no Polo Audiovisual TV
Morando longe, lá para o lado da Bahia, a bailarina-cineasta Daniela Guimarães chega às casas da Zona da Mata e do mundo através das telas. Sua obra cinematográfica “Vaga-lumes”, lançada em 2018, está disponível do Polo Audiovisual TV, para aqueles que se encantam pela dança, pelo cinema e pela junção dos dois. A origem dessa obra, que marca o primeiro longa-metragem que assina como diretora, tem inspiração na sua própria experiência, relacionando essas duas artes.
“Sempre trabalhei muito com improvisação e pensei nela com a dança, como se fosse uma timeline de edição, conosco criando em tempo real”, conta a bailarina natural de Araxá. Daniela morou em Juiz de Fora por cerca de 12 anos, onde dirigiu e dançou na Cia Cos’ è? Teatro-dança. Sua carreira a levou a Cataguases, onde coordenou a Cia Ormeu e viu nascer o Festival de Cinema de Países de Língua Portuguesa (Cineport), um projeto da Fundação Cultural Ormeo Junqueira Botelho. Atualmente, Daniela reside em Salvador (BA), onde é professora na Universidade Federal da Bahia (UFBA).
“Com o Cineport, me encomendaram trabalhos de dança que dialogassem com cineastas homenageados em cada edição. Então eu buscava filmes e dançava junto com a projeção, pensando o corpo e a imagem. Aí começou meu entendimento de como o corpo ao vivo se relaciona com o corpo que está na tela, e que tempo é esse da edição, que deixa de ser uma edição para o cinema e passa a ser uma edição para a cena. Essa pesquisa foi crescendo, e cada vez mais fui trabalhando com imagens em espetáculos musicais”, relembra.
Com essa aproximação, Daniela começou a se dedicar à produção de curta-metragens, pensando na relação dança, corpo, cinema e improviso. Após dez anos da Cia Ormeu, “Vaga-Lumes” veio como uma homenagem a esse encontro das duas artes, e coincidentemente encerrando a trajetória de uma década do grupo de dança. “A partir daquele momento, como os vagalumes, cada bailarino passou a brilhar sua luz em diferentes lugares, conquistando seu espaço”, observa.
Desejando produzir algo intenso e marcante, o longa-metragem utiliza da narrativa dos corpos. Sem diálogos, é o corpo que se comunica através do movimento e do som. A história ocorre através das águas, a trajetória de sete personagens que fazem uma travessia e viajam em um barco, que se transforma em algo fantasioso, repleto de metáforas. Cada carta de tarot tirada constrói a personalidade dos bailarinos presentes, o que leva a uma alternância de protagonismo, segundo a diretora.
O filme parte das águas de Minas Gerais, na Serra da Canastra, em Araxá, onde nasce o Rio São Francisco, e deságua no mar de Sagres, em Portugal. “Lá, ficticiamente, teria uma escola da navegação, onde os homens saíram para descobrir as terras. Aí tem a polêmica do Brasil, pois, na verdade, fomos invadidos e não descobertos. Assim, como é voltar àquele lugar onde existe o imaginário de que é de onde saíram para nos descobrir”, conta Daniela. A Usina Maurício, em Leopoldina, também foi uma das locações do filme, e algumas cenas foram gravadas em estúdio, no município de Cataguases, onde o Polo Audiovisual da Zona da Mata tem sede.
O desafio de ser diretora e bailarina dentro da cena
Segundo Daniela, para que o desafio de dançar e dirigir seu próprio filme desse certo, além da experiência de palco, da habilidade de realizar grandes cenas sem interrupção, foi necessária uma preparação muito prévia. A diretora também se diz feliz por ter contado com o apoio de profissionais experientes que ajudaram a construir a poesia do filme.
“‘Vaga-Lumes’ tem uma característica, que acho bem marcante, de ter uma abertura e um fechamento que trazem os personagens sozinhos, então cada um tem seu momento de filmagem, um solo. E no miolo do filme, que foi um desafio enlouquecedor para um primeiro longa, são sete planos-sequência, com a câmera ligada por uns oito minutos sem corte. Para mim o maior desafio foi isso, de como eu estava dentro e fora de algo que durava tanto e que eu não via enquanto acontecia, pois todos estavam na cena. Fiz a marcação desses planos-sequência um ano antes de filmar”, conta Daniela. As gravações também contaram com elementos orgânicas de filmagem, que davam efeitos especiais nas lentes, simulando o antigo e o mágico.
A construção do áudio também recebeu uma atenção especial, para marcar o caráter sensorial do filme. Sons ambientes, dos pés na água e na areia, o mar, o vento, cada elemento foi captado delicadamente para mapear “uma paisagem sonora muito viva”, conta a diretora. Já as sete trilhas originais foram produzidas por grupo quinteto de cordas, o Quinteto da Paraíba, acompanhado de um acordeom, dando um apelo sentimental. “O filme fala muito de cada um olhar para a própria história, traz uma viagem muito transcendental, de pensar você no mundo, suas ações, o cuidado com o outro, viver em coletividade e alternar a liderança, coisas que estamos sendo obrigados a pensar agora”, observa.