IRA! faz show em Juiz de Fora e celebra 20 anos do Acústico MTV

Em turnê comemorativa, Nasi fala à Tribuna sobre o legado da banda, a nova formação e os desafios do rock brasileiro


Por Mariana Souza*

17/10/2025 às 07h00- Atualizada 17/10/2025 às 15h56

Em comemoração aos 20 anos do “IRA! Acústico MTV”, a banda volta aos palcos para revisitar o repertório que marcou gerações e reafirmar a força do rock brasileiro. O grupo se apresenta nesta sexta-feira (17), às 20h, no Cine-Theatro Central. Os ingressos estão disponíveis no site Ingresso Digital.

“É um show fidedigno àquele álbum, com a mesma ordem das músicas e arranjos fiéis ao que, de certa forma, se imortalizou”, afirma o vocalista Nasi, em entrevista à Tribuna. Segundo ele, a recepção do público tem sido emocionante. “Os shows têm sido incríveis. A gente vê como esse projeto mora no coração dos fãs e como o público mais jovem tem tido curiosidade de conferir tudo isso ao vivo.”

Revisitar o disco, explica o cantor, foi um desafio. “Naquela época, conseguimos reunir um time dos sonhos para a gravação”, relembra. “Tivemos a sorte e a capacidade de juntar novamente uma banda espetacular.” Para o cantor, a qualidade da produção original e a sintonia entre os músicos foram determinantes para o sucesso do álbum.

A banda hoje é formada por Nasi (vocal), Edgard Scandurra (violão e vocais), Evaristo Pádua (bateria), Johnny Boy (teclados e violão) e Daniel Scandurra (baixolão). Para a turnê “Acústico MTV – 20 Anos”, o grupo conta ainda com o violoncelista Jonas Moncaio e o percussionista Juba Carvalho.

 

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IRA! celebra 20 anos do ‘Acústico MTV’ com show em Juiz de Fora nesta sexta (Foto:Divulgação)

Tempos difíceis pro rock

Apesar da nova formação, o vocalista acredita que a banda mantém sua essência – marcada pela honestidade e por letras que misturam metáforas, críticas sociais e angústias da juventude. “Acho que isso não é uma característica só do IRA!, mas também da nossa geração como Paralamas, Titãs, Legião. É uma qualidade daquela época. Hoje, as coisas são muito datadas, talvez com pouca profundidade”, reflete o músico.

Ele relembra “Dias de luta”, composta há 40 anos e ainda um dos maiores sucessos do grupo. “A gente sente isso nas pessoas e na realidade do país. ‘Dias de luta’ foi escrita há quatro décadas e, mesmo com todas as crises e mudanças, ainda guarda um sentido atual – fala das questões existenciais e da condição do país, que pouco se alteraram”, observa.

Durante muito tempo, Nasi confessa que não gostava quando diziam que o IRA! havia se tornado uma banda clássica. Hoje, encara o título com naturalidade. “Bandas que marcaram os anos 1980 e continuam ativas viraram clássicas. Elas têm um caminho diferente, sustentadas pelo público, pelos sucessos e pela história – ainda tocam em rádios segmentadas.”

O vocalista avalia que o rock continua sendo um gênero que expressa a voz da juventude e da adolescência, abordando temas atemporais. Ele destaca que não se identifica com o chamado “rock panfletário”, pois, para ele, a força do gênero está em tratar também de questões afetivas e existenciais – aspectos que, segundo o cantor, também fazem parte da política e movem o ser humano. Ele acredita que a música deve cumprir esse papel, mais voltado à sensibilidade e à reflexão do que à ideologia propriamente dita.

Nasi ressalta que sua visão sobre o rock ultrapassa o modelo norte-americano. Ele recorda que o gênero tem raízes africanas e que o IRA! sempre bebeu da fonte do rock britânico para construir sua própria sonoridade.

Na avaliação do cantor, o cenário atual da música favorece outros estilos. “Surgir bandas de rock hoje não é o que a indústria quer. Artistas de rock são complicados; o mercado prefere as duplas sertanejas, com vozes e temas muito parecidos. A indústria corporativa gosta de músicas que possam virar jingle ou trilha de comercial”, critica.

‘Antes de ser artista, sou um cidadão’

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Nasi reflete sobre o papel do artista e o cenário político e musical do país (Foto: Anderson Carvalho)

A questão corporativa citada por Nasi reflete sua avaliação sobre o momento vivido pela música. O vocalista observa que o cenário vive um período de forte alienação e que nunca houve tanto domínio das corporações sobre a produção musical. Segundo ele, essas influências sempre existiram – em níveis administrativos, políticos ou de patrocínio -, mas hoje se tornaram mais determinantes. Para o músico, conquistar espaço na mídia, muitas vezes, exige comportamentos apelativos, o que empobrece o conteúdo.

Ainda assim, acredita que a cena independente segue como um território fértil, capaz de revelar novos artistas sem depender dos filtros das rádios comerciais, um espaço, como costuma dizer, “onde ainda há vida inteligente”. Ele acrescenta que, diante desse cenário, é preciso buscar alternativas, porque é nesse circuito que a boa música ainda se mantém viva.

O cantor também recorda o episódio ocorrido durante um show em Contagem, a 269 quilômetros de Juiz de Fora, em março deste ano, quando parte do público reagiu com vaias após ele e a plateia gritarem “sem anistia”. Na ocasião, ele manifestou seu descontentamento político e, em meio ao protesto disse “Pra vocês que estão vaiando, eu vou falar uma coisa pra vocês: tem gente que acompanha o Ira!, mas nunca entendeu o Ira!, nunca entendeu o Ira!.Tem gente que acompanha a gente e é reacionário, tem gente que acompanha o Ira! e é bolsonarista, isso não tem nada a ver, gente! Por favor, vão embora! Vão embora da nossa vida! Vão embora e não apareçam mais em shows, não comprem nossos discos, não apareçam mais. É um pedido que eu faço.”

Os dias seguintes ao episódio foram marcados por manifestações contrárias à banda e pelo cancelamento de algumas apresentações no Sul do país. Hoje, o músico avalia o caso com distanciamento. Ele reconhece que o episódio teve repercussão maior do que o esperado e admite que suas palavras podem ter soado mais duras do que pretendia. Explica que não quis afastar o público conservador, mas sim repudiar posturas extremistas. “Ver alguém com pensamento radical ouvindo IRA! me causa desconforto”, afirma.

Nasi ressalta que o desabafo surgiu de sua preocupação com o avanço do extremismo no Brasil. O cantor relata que o atual cenário político o inquieta, especialmente por pensar nas gerações futuras – filhas, netos e bisnetos – e no impacto do que chama de “golpismo em cadeia” na vida do país.

O músico reforça que não transforma o palco em palanque, embora reconheça seu engajamento político. Ele afirma ser um cidadão atento e filiado a partido, mas diz que o IRA! não tem um discurso partidário. “O show da banda não é um comício”, pontua. Para ele, no entanto, os artistas precisam se posicionar diante do contexto atual. “Antes de ser artista, sou um cidadão.”

Na avaliação de Nasi, o episódio em Contagem não o surpreendeu. Ele acredita que a trajetória do IRA! sempre foi marcada por autenticidade e enfrentamentos. O vocalista lembra que o grupo nunca priorizou o sucesso fácil, preferindo canções com mensagens urgentes e conteúdo reflexivo, mesmo quando isso significava contrariar gravadoras ou o mercado. Para ele, essa postura que já gerou polêmicas em momentos como o Hollywood Rock, quando a banda apontou que o festival não pagava os artistas, reflete o compromisso histórico do IRA! com a coerência artística. “Pode parecer ingênuo para alguns, mas para nós sempre foi verdadeiro”, conclui.

*Estagiária sob supervisão da editora Gracielle Nocelli 

Serviço

IRA! – Turnê “Acústico 20 anos”

  • Sexta-feira (17), às 20h
  • Cine-Theatro Central (Praça João Pessoa, s/n- Centro)
  • Ingressos: disponíveis no site do Ingresso Digital. 

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