Adeus ao Ășltimo cinema de rua
Faltando pouco mais de um ano para completar 70 anos, o Cinearte Palace coloca, nas prĂłximas semanas, um ponto final em sua histĂłria. Nos crĂ©ditos da obra, constam, dentre outros, os irmĂŁos Caruso, que inauguraram a casa em 19 de novembro de 1948; o programador Adhemar de Oliveira, que guiou o projeto ao longo das Ășltimas dĂ©cadas; e a empresa Fato Gestora de NegĂłcios Ltda., responsĂĄvel pelo encerramento das atividades do Ășltimo cinema de rua de Juiz de Fora. Arrematado em segundo leilĂŁo, apĂłs o primeiro amargar com a ausĂȘncia de interessados, o imĂłvel na esquina das ruas Halfeld e Batista de Oliveira saiu das mĂŁos do Banco Bradesco no dia 25 de abril de 2015 pela quantia de R$ 6,745 milhĂ”es. De acordo com o superintendente da Funalfa, RĂŽmulo Veiga, exatos dois anos apĂłs a martelada ter sido dada, a nova proprietĂĄria entrou em contato com a Prefeitura externando o desejo em mudar a destinação do prĂ©dio, o que jĂĄ deve ser feito entre maio e junho, propiciando, assim, o inĂcio de obras de reforma no imĂłvel tombado. “NĂŁo hĂĄ nada que possa ser feito, jĂĄ que uma imobiliĂĄria arrematou e nĂŁo se interessa em continuar o projeto como espaço de cinema”, lamenta Veiga.
Segundo o perfil da nova proprietĂĄria numa rede social, trata-se de uma empresa que comercializa imĂłveis de alto padrĂŁo em Juiz de Fora, bem como lojas centrais e atĂ© um helicĂłptero modelo R 66 Turbine, de 2013. JĂĄ outra pĂĄgina, contendo informaçÔes sobre empresas nacionais, aponta que o negĂłcio, cujo um dos trĂȘs sĂłcios Ă© um reconhecido empresĂĄrio local, possui capital de mais de R$ 140 milhĂ”es e sede na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Ainda que nĂŁo tenha sido divulgada a nova utilização do Cinearte Palace, projetos como SessĂŁo CidadĂŁo e Clube do Professor jĂĄ foram interrompidos, em resposta ao fim da parceria do cinema com a Prefeitura.
“Suspendemos a SessĂŁo CidadĂŁo para conversar com os outros players de cinema na cidade e, em seguida, dar continuidade ao projeto de formação de pĂșblico. Depois das conversas, mapeando as possibilidades, vamos criar um chamamento pĂșblico para recomeçar”, afirma o superintendente da Funalfa, apontando para a capacidade de o Teatro Paschoal Carlos Magno, cuja inauguração estĂĄ prevista para este ano, receber a proposta. Na mesma Halfeld, o Anfiteatro JoĂŁo Carriço, na sede da Funalfa, jĂĄ tendo acolhido ediçÔes da SessĂŁo CidadĂŁo, tambĂ©m pode servir de sede para exibiçÔes no valor de R$1.
Fim de uma era
“Os juizforenses Domingos e Luiz Vassalo Caruso, residentes na Capital da RepĂșblica, onde se tornaram inteligentemente lĂderes cinegrafistas, num gesto que muito os dignificaram perante os seus conterrĂąneos que aqui ficaram, acabam de presentear a nossa cidade com um cinema luxuoso, em moderno edifĂcio prĂłprio Ă rua Halfeld, esquina Batista de Oliveira e com o funcionamento de cinco sessĂ”es diĂĄrias.” A notĂcia, publicada no jornal “O Lince”, dias apĂłs a abertura do Cinearte Palace, demarca a importĂąncia da casa no cenĂĄrio cultural e social de Juiz de Fora, que somou mais de uma dĂșzia de cinemas de rua em funcionamento, cinco deles (Cine SĂŁo Luiz, Cine GlĂłria, Palace, Cine Festival e Cine-Theatro Central) em pleno CalçadĂŁo.
Erguido pela Construtora Abramo, em estilo art-dĂ©co, o cinema remonta um tempo em que espectadores se engravatavam para ir Ă s sessĂ”es, num perĂodo em que a Halfeld concentrava o luxo e a pompa de uma Juiz de Fora ainda sob o reflexo de sua frutĂfera industrialização. O espaço tambĂ©m ajuda a contar uma boa parcela da produção cinematogrĂĄfica artĂstica do paĂs e do mundo, principalmente nos Ășltimos anos, quando tornou-se o Ășnico complexo local a abrir espaço para documentĂĄrios e produçÔes de alguma maneira independentes. Inclusive, sediou a maioria das 15 ediçÔes do Primeiro Plano – Festival de Cinema de Juiz de Fora e Mercocidades e do Festival Varilux de Cinema FrancĂȘs.
“Estou muito frustrado. Minhas referĂȘncias cinematogrĂĄficas foram absorvidas neste lugar. Na coleção de tĂquetes de cinema que tenho, mais da metade foi conseguido no Palace”, pontua o superintendente da Funalfa RĂŽmulo Veiga, contando ter assistido no Palace os filmes “Dogville” – “numa sessĂŁo Ă meia noite” – e “Cidade dos sonhos”, dentre outras produçÔes fundamentais em sua formação como produtor e realizador audiovisual. “Assisti ali filmes marcantes em minha vida”, comenta, comprometendo-se a acompanhar todo o processo de alteração no imĂłvel, tombado pelo municĂpio em 1992 e retificado em 2004, ficando, assim, obrigatĂłria a preservação de suas fachadas e volumetria.
Ainda que os cinemas de rua existam Brasil afora – boa parte deles gerenciada por Adhemar Oliveira nos grupos Espaço ItaĂș de Cinema, Cinespaço e Cinearte, reunindo mais de duas dĂșzias de salas -, a realidade da qual compartilham Ă© cada dia mais amarga. Com suas duas salas fechadas desde dezembro passado, o Cine Joia, em Copacabana, no Rio de Janeiro, anunciou o encerramento de suas atividades no dia 14 de março, somando-se a um conjunto do qual muitos outros fazem parte, como o Cine Carioca, na Tijuca. “Hoje os cinemas sustentĂĄveis sĂŁo de cinco, seis salas, com serviços agregados”, comenta Veiga, confirmando uma constatação que hĂĄ anos Adhemar Oliveira jĂĄ fazia.
No entanto, Juiz de Fora mostrou ao veterano programador de cinemas, Adhemar, a viabilidade de alguns modelos de negĂłcio na cultura. “Acredite se quiser: nas duas primeiras semanas de estreia, todo mundo corre para ver em todas as salas. Aprendi com Juiz de Fora que a combinação de programação entre os cinemas Ă© o melhor dos mundos”, afirmou ele em abril de 2015, quando o Palace foi arrematado, e sua maior esperança era, ainda, nĂŁo colocar um ponto final numa histĂłria que diz nĂŁo apenas das artes na cidade, mas de suas ruas e, principalmente, de suas gentes.