‘Estar neste cargo é estar a serviço’, afirma novo pró-reitor de cultura da UFJF, Marcus Medeiros

Conheça o nome por trás da Pró-Reitoria de Cultura nesta nova gestão da reitoria da UFJF, que tomou posse na última segunda


Por Cecília Itaborahy

10/04/2024 às 06h00

Marcus Medeiros
Marcus Medeiros atuou por dez anos como diretor do Centro Cultural Pró-Música (Foto: Felipe Couri)

Marcus Vinícius Medeiros Pereira, de 40 anos, tinha acabado de sentar na cadeira que, a partir desta terça-feira (9), passa a ocupar, quando concedeu entrevista à Tribuna. Com a posse da nova reitoria da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), ele foi escolhido para ser o pró-reitor de cultura. Durante dez anos, atuou como diretor do Centro Cultural Pró-Música e, por isso, nesse tempo, produziu o Festival de Música Colonial Brasileira e Música Antiga. Sua entrada na UFJF se deu através de um convite para pensar o currículo da licenciatura em música, curso inaugurado também há dez anos.

Sua experiência mescla a prática como pianista e produtor de vários eventos culturais e a teoria aprofundada a partir das pesquisas que desenvolve há anos tanto sobre seu instrumento quanto às normas curriculares das faculdades de música – o que ele acha ter sido fundamental para sua escolha como pró-reitor de cultura. Esse cargo, estar por trás de um espaço tão importante para a difusão da cultura a partir da universidade, Marcus encara com a missão de seguir democratizando o acesso aos espaços culturais e às artes no geral, fortalecendo, ainda, o que já era feito na gestão anterior. Na entrevista abaixo, ele fala sobre sua relação com a música, os desafios que se apresentam nessa posição e o que pretende fazer já dentro da Pró-Reitoria de Cultura da UFJF.

Tribuna: Como começa sua história com a cultura?
Marcus Medeiros: Meu avô era maestro. Eu não o conhecia. Mas a rua onde meus pais moram, em Três Corações, tem o nome dele. E eu cresci escrevendo: Rua Maestro Vicente Medeiros. E todo mundo falava que ele era pianista e compositor e tinha sido uma figura importante na cidade. E isso povoou minha memória. É diferente colocar o nome do avô no seu endereço. Mas eu só fui fazer música mesmo quando eu tinha 12 anos. Porque meu padrinho também era pianista. Ser pianista fazia parte da minha família. Mas meu avô era mais do erudito e meu padrinho do popular. Eu quis fazer aula de piano porque eu queria saber o que era isso que todo mundo falava. Meu tio tinha um piano e não me deixava chegar perto. Então, essa vontade de chegar perto do piano, me fez pedir um à minha mãe, mas ela disse que só me daria se eu fizesse aula. Fiz e acabei fazendo a graduação em piano na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), além do  bacharelado e, depois, o mestrado em performance pianística também lá. O doutorado eu fui para o lado da educação musical. Eu já era professor do ensino superior na licenciatura, mas queria entender um pouco essa construção curricular dos cursos de licenciatura em música. Porque eles mantinham uma tradução praticamente imutável, como se fosse uma entidade. Algumas disciplinas não mudavam e são as mesmas desde o final dos anos 1700 e seguem até hoje. Esse foi meu trabalho na educação. E eu sempre participei de bolsas de organização de concertos, da gestão de alguns órgãos também na UFMG.

E no ensino superior, como você entra?
Primeiramente, foi na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Lá, tentei fazer aquilo que estava acostumado na UFMG: criei uma série de concertos e que são coisas que me acompanham até hoje aqui na universidade. Ajudei a fortalecer uma escola de música para a comunidade, além de mobilizar o cenário cultural de Campo Grande (MS). Eu venho para a UFJF há dez anos como convidado pelos colegas da Música, porque iam abrir o curso de licenciatura em música aqui e, como eu estudava o currículo, várias pessoas já me conheciam, porque fui presidente da Associação Brasileira de Educação Musical. Assim, me convidaram para vir para cá e criar o curso. Quando eu chego, já assumo o Pró-Música, porque a UFJF estava tomando pé da incorporação do Pró-Música e precisava de alguém para fazer o processo de transição e incorporação.

Acredita que todo esse passado nos departamentos te levaram a assumir a Pró-Reitoria de Cultura?
Com certeza. O fato de eu ter sido diretor do Pró-Música me inseriu no âmbito da Pró-Reitoria de Cultura. Foram muitos desafios nesse processo de incorporação. Desafios legais, estruturais. Isso me fez conhecer os meandros na universidade de uma forma mais profunda. Eu tinha contato com vários setores. Isso tudo me fez andar e compreender muito o funcionamento da universidade. Além disso, dentro do Pró-Música, a organização do Festival de Música Colonial Brasileira e Música Antiga também me fez estar presente na reitoria, seja pedindo investimento ou participando da escrita de projetos. E ocupando os diversos órgãos executores de cultura. Isso fez com que eu fosse tendo conhecimento de como a Pró-Reitoria de Cultura funcionava.

Ter um currículo que une teoria e prática contribuiu para pensar a Pró-Reitoria de Cultura?
Muito. Porque você fala não só do ponto de vista externo administrativo, mas você traz para ele a experiência do artista: o que ele sempre reclama, as necessidades e as dificuldades comuns que a gente enfrenta. Fazer parte da equipe que produz e faz cultura ajuda porque alinha a visão do gestor para tentar promover esse diálogo entre as possibilidade e as necessidades e o caminho para fazer acontecer.

Por ter sido diretor do Pró-Música por dez anos, acha que vai ter um olhar mais direcionado a esse espaço?
Eu acho que o Pró-Música precisa sempre de um olhar muito carinhoso por conta da situação que o espaço enfrenta: um problema de infraestrutura que é grave. O que é interessante é que o Pró-Música sempre recebeu esse olhar carinhoso da Pró-Reitoria. A gente sempre buscou muito vencer os empecilhos que são vários e de muitas ordens. Eu pretendo continuar com esse olhar carinhoso que ele sempre recebeu. Mas, claro, como eu fui gestor do espaço por muitos anos, tenho conhecimento profundo da causa.

E existe alguma perspectiva sobre o espaço do Pró-Música?
Temos feito uma série de reuniões com os responsáveis pelos prédios em volta. A Pró-Reitoria de Infraestrutura também já fez um estudo das possibilidades de viabilização do Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB). Agora, precisamos fazer, que é uma das propostas da nova gestão, é a captação de recursos que são vultosos, porque envolve uma mudança da infraestrutura do lugar por conta da legislação de segurança. Quando ele foi construído, essas questões legais eram diferentes. E ele só tem aquela saída que a gente chama de Rua da Cultura. E isso é completamente fora das exigências da legislação. Mas todos os estudos estão sendo feitos, e agora é realimentar a universidade como um todo e também tentar construir formas de captação de recursos para ajudar não só a voltar a abrir o espaço novamente ao público, mas também fazer uma revitalização como ele merece.

Marcus Medeiros
“Essa ideia de que a cultura é para poucos é muito antiga e precisa ser superada”, afirma Marcus Medeiros (Foto: Felipe Couri)

A universidade passou por uma série de cortes que afetou o investimento na cultura. Agora, com uma mudança de cenário, esses trâmites podem ser facilitados e inclusive a divulgação da cultura como um todo?
Temos um tempo que é diferente. Principalmente, a gente não tem tantos ataques diretos à cultura. Mas acho que ainda precisamos correr atrás de investimentos de políticas de forma geral. Isso tudo vem melhorando. Mas a gente precisa, inclusive, participar da construção dessas políticas para continuar fomentando a cultura. A universidade é um grande agente cultural da cidade. Ela tem um número de órgãos culturais que é muito grande. E, justamente por ser muito grande, demanda muito investimento, e fica difícil também para a instituição. Então acho que o caminho é a busca pela captação de recursos e lei de incentivos como já é feito em outros lugares, principalmente nessa reconstrução da cultura no país, quando volta a ter o Ministério da Cultura (MinC), voltam a ter editais e a Lei Rouanet respeitada. Isso é uma política natural do setor cultural e que precisa estruturar melhor aqui dentro da universidade para poder agir como esses grandes órgãos de cultura no país já agem.

Inclusive, realmente, muitos dos equipamentos culturais da cidade são geridos pela UFJF. O que isso representa para a cidade? E como diminuir a distância entre o público e esses espaços?
Tem essa mística de que a universidade fica aqui em cima, mas ela na verdade permeia toda a cidade. Ela tem, não só os órgãos executores de cultura, mas vários outros espaços. No campo da cultura, a gente precisa de uma aproximação maior com o público. Trazê-lo para frequentar e conhecer esses espaços. Aqui em cima, no campus, as pessoas já frequentam e têm uma vida de lazer e cultura que permeia a vivência deles. Acho que precisamos levar isso também para esses espaços que existem no Centro. Isso faz parte de promover a cultura do juiz-forano e do brasileiro como um todo, que é de frequência aos museus, aos concertos. Isso a gente já vê em Juiz de Fora mais consolidado que em outras cidades, porque aqui tem uma história, mas que precisa ser ampliada. Novas gerações vão nascendo e elas precisam ser educadas no sentido de poderem participar. O que as pessoas precisam entender é que tudo isso é público. Tudo isso é delas. E nós estamos aqui para cuidar e promover ações que são das pessoas e para as pessoas. Eu vejo muito algumas pessoas intimidadas a entrar no Cine-Theatro Central porque sentem que ali não é o lugar delas. E eu acho que é isso que a gente precisa fazer: mostrar que, sim, ali é o lugar delas. Ali é uma casa linda e de uma beleza incomparável, triunfo da técnica, e isso é para eles, não é para poucos. Essa ideia de que a cultura é para poucos é muito antiga e precisa ser superada. Isso a gente faz com educação e projetos culturais que, inclusive, já vêm acontecendo nos diferentes espaços, mas que precisam ser ampliados e torná-los mais conhecidos para que as pessoas frequentem esses espaços. E uma das preocupações agora nessa nova gestão é entender que a cultura não é feita só pelos seus órgãos executores. A cultura é uma dimensão da vida das pessoas. Então, ela é uma dimensão da vida universitária e da vida na cidade. Não só continuar preocupando com os órgãos executores de cultura, mas ampliar a ideia de que a cultura é uma dimensão da vida das pessoas, ampliar esses projetos nesse sentido. Porque isso também ajuda no processo educativo e formativo que vai contribuir para que as pessoas possam frequentar os órgãos executores de cultura. E ampliar para as escolas de educação básica, que é uma coisa que a gente já faz, e que precisa agora dar força e potencializar e, principalmente, aquelas escolas e pessoas que estão afastadas do Centro da cidade. Porque esses equipamentos de cultura estão bem no Centro. E a gente precisa tanto levar cultura para esses outros pontos da cidade, para ampliar a atuação de cultura da UFJF , quanto trazer as pessoas para frequentar esses espaços.

Democratizar a cultura é uma missão. Mas não é simples, né?
Não. Porque o processo da cultura, e isso é um referencial teórico que eu estudo e acredito de fato, é um processo de cultivo. Você tem uma vida cultural que é cultivada na comunidade que você vive, na família de onde você vem. E você tem um processo cultural que é a comunidade artística, a vida cultural na cidade, que transcende esse universo mais íntimo da sua comunidade e da sua família. A nossa função não é cultivar no sentido civilizatório, de mostrar qual é a cultura correta ou a legítima. É no sentido de mostrar e ampliar o universo cultural para essas pessoas para que elas continuem gostando daquilo que elas gostam, se assim desejarem, mas que elas possam descobrir outras coisas para as quais elas têm interesse e inclinações e aumentar a participação das pessoas não só como consumidores passivos, mas como agentes ativos da vida cultural. E isso também é muito difícil. Porque, durante muito tempo, a ideia de cultura como agente civilizador foi muito forte. Essa é outra das nossas propostas, que já são feitas, mas para fazer parte dessa política cultural, que é incluir cada vez mais as manifestações artísticas dos grupos historicamente marginalizados. Isso é muito importante assim como dar acesso às pessoas àquela que é tida como alta cultura, mas que, simplesmente, é algo que as pessoas podem não ter tido contato ou acesso e, por isso, falam que não gostam, mas é porque não compreendem. Nossa função é dar chaves para compreender, participar e ampliar o universo cultural, mostrando que essa que é tida como alta cultura é uma forma de fazer cultura importante, mas que existem várias outras.

Por outro lado, como dar vazão ao que é produzido dentro da universidade também?
Uma das nossas preocupações é fazer as parcerias internas e externas. Conseguir ter uma visibilidade de quais são esses projetos que estão sendo desenvolvidos dentro da universidade. Existe produção cultural em vários institutos. E fazer o mapeamento disso, conhecer essas produções, é uma das formas de a gente construir parcerias entre os projetos, colocar os órgãos culturais da universidade como locais de difusão desses projetos. Uma das coisas que eu sempre gostei muito é que o lema da universidade é “espalhar a luz”. E essa é uma das funções também dos órgãos executores de cultura: espalhar não só aquilo que é produzido na universidade e também o que é produzido na sociedade, no entorno, nacionalmente e internacionalmente. Essa ideia de ampliar o acesso e espalhar nesse sentido: deixar disponível para que as pessoas possam usufruir. No caso da Pró-Reitoria de Cultura, o primeiro passo é conhecer tudo o que vem sendo produzido na universidade e colocar a Pró-Reitoria de Cultura à disposição para ser procurada para busca de apoios possíveis. Estar aqui neste cargo é estar a serviço, para que as pessoas possam usufruir dessa estrutura monumental que a universidade tem para promover a cultura.

Qual você define ser sua principal missão ocupando esse cargo?
Acho que é dar continuidade ao excelente trabalho que já vem sendo feito e potencializar as ações e ampliar aquilo que pode ser feito com apoio da universidade, ampliar esse impacto de ação da universidade como agente cultural de relevância. Acho que a missão é essa. O trabalho que vem sendo desenvolvido é de excelência. Então dar continuidade a esse trabalho já é um desafio muito grande. Potencializar aquilo que já vinha sendo feito e continuar potencializando. Na última gestão da UFJF, a Pró-Reitoria dobrou de tamanho. Então, agora a gente precisa consolidar o que foi criado e dar forças para que essa ação cultural da universidade e esse impacto cultural da instituição em Juiz de Fora, em Governador Valadares e em toda a região, que é um impacto inclusive internacional, e que ele seja ampliado e fortalecido. E agregar o maior número de interessados e parceiros nessa produção cultural, trazer todos para essa conversa tão prolífica que pode ser gerada. Muitas vezes, por manter um modus operandi, a gente acaba mantendo um círculo de produções que já são sempre apoiadas. Então, agregar as pessoas, trazer novos atores, reconhecer atores que já estão produzindo cultura e que não tiveram o seu trabalho reconhecido – essas são as nossas missões.

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