Jogos de RPG on-line crescem durante a pandemia
Jogadores e criadores de conteúdo sobre Role Playing Games enfrentam dificuldades e se adaptam ao novo cenário
O Role Playing Game (RPG) surgiu nos Estados Unidos no começo dos anos 1970 através do famoso “Dungeons & dragons”. O jogo rapidamente conquistou seu público por lá, que se reunia por horas em volta de uma mesa interpretando diversas aventuras. O passatempo, porém, só chegou ao Brasil na década de 1980, através de livros importados dos Estados Unidos e que eram fotocopiados e distribuídos entre os entusiastas da modalidade. O jogo consiste na interpretação de personagens em aventuras épicas, mediadas por uma espécie de diretor, chamado de “mestre”, e ocorre, normalmente, de forma presencial, podendo inclusive contar com músicas temáticas, fantasias e mapas personalizados. Com as medidas de isolamento decorrentes da pandemia de coronavírus, os encontros de RPG tiveram de ser suspensos. Impossibilitados de se reunirem fisicamente para continuar suas respectivas aventuras, muitos dos jogadores optaram por desbravar o mundo virtual como novo local de encontro para as sessões do jogo.
Pedro Coimbra, cofundador do canal Formação Fireball, conta que o meio on-line já vinha sendo usado para jogar o RPG, pela comodidade de evitar o deslocamento, ou até mesmo para poder jogar com aqueles amigos que moram em outras cidades. “As pessoas já jogavam RPG on-line antes da pandemia, já era uma ferramenta à qual as pessoas recorriam, por conta de distância e tempo. Ao invés de você se deslocar até a casa de alguém, jogava cada um da sua casa, era mais prático. De certa forma, o isolamento trouxe um investimento maior, as pessoas começaram a usar mais plataformas, começaram a passar mais tempo jogando em casa, e isso modificou a forma de consumo de RPG. As pessoas compraram menos livros e mais artigos digitais. Isso tudo trouxe uma redescoberta dessas ferramentas que já eram utilizadas.”
O on-line também é avaliado por Carolina Magalhães como uma alternativa plausível para o momento que vivemos. Jogadora e produtora de eventos voltados para o RPG, para ela, mesmo que o contato e a presença façam falta nas mesas, o on-line consegue, de certa forma, suprir as necessidades de uma aventura. “O contato no RPG on-line não é o mesmo, mas funciona, permitindo-nos diminuir um pouco a distância de nossos amigos de uma maneira segura. Com o uso das câmeras, os jogadores podem interpretar e o mestre pode narrar as cenas quase que normalmente, enquanto o compartilhamento de tela nos permite apresentar algumas situações ou mapas. É difícil dizer que a experiência on-line é pior do que a presencial, mas o distanciamento entre os jogadores acaba sendo a maior desvantagem.”
Plataformas para RPG
Já existem plataformas específicas para a realização dos jogos, bem como softwares que possibilitam ao usuário testar o tabuleiro dos jogos que quer comprar, como é o caso do Tabletop Simulator. Na experiência presencial do jogo é comum a presença de fantasias, músicas e mapas a fim de aumentar a imersão na história. Dyeison Martins, jogador e apaixonado por RPG, conta que as mesas realizadas de forma virtual trazem, além de mais ferramentas, também um maior conforto e liberdade para as interpretações dos jogadores. “Por um lado, perde-se o contato humano, mas ganham-se opções de ferramentas on-line, onde podemos mostrar imagens, mapas, entre outros. Tem seus altos e baixos, principalmente por eventuais dificuldades técnicas, como queda de internet, geralmente. Mas de resto é uma experiência positiva, é mais cômodo e confortável, e permite o pessoal de mais longe jogar também, além de reduzir a preocupação de horário. Quando é presencial, muitas vezes o pessoal precisa sair cedo, porque trabalha no outro dia.”
Encontros presenciais e on-line
Além dos jogos, outro evento importante na cultura dos Role Playing Games são as feiras, encontros e campeonatos. São esses acontecimentos os grandes responsáveis por promover o contato entre os jogadores e simpatizantes, possibilitando não só um ambiente para a troca de informações e experiências como também a apresentação, por parte das editoras e marcas, dos novos jogos e materiais. Sem a possibilidade de realizar aglomerações, os eventos precisaram se adaptar e, alguns, migraram para o digital.
“As feiras de jogos de tabuleiro tiveram duas ações: a primeira foi o não ter, foram canceladas; e a outra foi a das que optaram por realizar em algum ambiente virtual, com editoras e marcas expondo seus jogos on-line, e as pessoas tendo essa nova experiência com o jogo. Foi uma adaptação interessante”, avalia Pedro Coimbra, que, além de criador de conteúdo e jogador, também frequenta há anos os eventos.
Outras programações também tiveram de ser adaptadas, como é o caso do terceiro evento de férias do Curso de Desenho ALVA, que trará novidades em duas frentes: será o primeiro evento de férias do curso a ser realizado virtualmente, bem como o primeiro com o tema de RPG. Segundo Carolina Magalhães, uma das idealizadoras, a iniciativa surgiu como uma solução divertida para uma colônia de férias on-line, além de ajudar a divulgar e difundir a prática para crianças e adolescentes . “Nós (professores) já jogamos RPG entre a gente e gostamos muito, pensamos que seria uma ideia legal jogar com os alunos e estimular a prática entre eles como uma saída saudável e divertida para uma colônia que não pode acontecer presencialmente.”
Lives também entram na roda
Como outros setores do entretenimento que começaram a utilizar as lives como mais uma possibilidade de veiculação de conteúdo, com o RPG não foi diferente. O formato de transmissão ao vivo já existia há algum tempo, mas, com a pandemia, a procura e a oferta têm sido maiores. Pedro Coimbra explica que o aumento significativo também tem relação com a promoção do formato por grandes canais de criação de conteúdo. “Tivemos alguns produtores de conteúdo grandes que começaram a fazer lives de RPG, o que é bem positivo e acabou trazendo o hobby para mais gente. Acaba sendo compartilhada a experiência de jogo com outras pessoas que também estão jogando. Para esse momento tem sido uma boa oportunidade de poder ver RPG sem estar jogando RPG, isso é uma experiência interessante e única do momento que a gente vive. Apesar de já existirem lives há bastante tempo, agora a quantidade é muito maior. A pandemia acabou levando muitos produtores para esse lado.”
O formato também foi o escolhido pela dupla que comanda o Covil RPG. Igor Tancredo, cocriador do Covil, conta que, no momento de isolamento, começaram a focar nas lives, que trouxeram um resultado positivo para a empresa que antes contava apenas com jogadores de Juiz de Fora, e hoje transmite e conta com participantes de todo o país. “Pessoas de outros estados também passaram a jogar com a gente. O número de mesas que fazemos é bem inferior, pois começamos a focar em lives e numa relação diferente com o RPG, mas tem dado um retorno bem melhor do que antes, a questão do virtual facilita bastante o acesso, automatizando várias mecânicas, mas nada supera a sensação de estar todo mundo junto.”
Expectativas futuras
Com o aumento da procura pelo RPG, a migração de diversas mesas para o ambiente virtual e o aumento de lives e conteúdos na internet a respeito desses jogos, o futuro parece promissor. As mesas on-line saem na frente em questões de praticidade e conforto, porém não são capazes de proporcionar totalmente o contato social e a emoção de uma mesa presencial.
“Acredito que haverá uma mescla entre as duas práticas, como já vinha sendo. Quem consegue manter uma mesa presencial, com certeza vai manter. Porque no final, dentro do RPG, não é o jogo que você está jogando que importa, no fundo é mais com quem você joga. Ter ali o pessoal que você gosta, torcendo, trabalhando em grupo para resolver as situações que o jogo impõe é insuperável”, acredita Igor.