Edgar Calel e irmãos misturam arte, cronologia e origens em Inhotim

‘Fazemos arte para nós e nossos ancestrais, e não para o mercado da arte’ revela o artista plástico, que irá estrear primeira exposição solo no Museu do Inhotim


Por Elisabetta Mazocoli

02/10/2025 às 07h00

edgar calel
Julio, Edgar, Elsa e Pedro compartilham rotina e se preparam para exposição (Foto: Divulgação/Museu do Inhotim)

Todos os dias, eles se reúnem para falar sobre o que precisam fazer individualmente e como podem se ajudar nas suas tarefas conjuntas: desde colher o milho até criar uma arte que se espalha pelo mundo todo. O artista plástico Edgar Calel dividiu, ao lado dos irmãos Julio, Elsa e Pedro Lisandro, a primeira mesa do Seminário Internacional Transmutar, no Museu de Inhotim. Eles compartilharam com o público o que é uma manhã com uma família da comunidade kaqchikel-maia, no que diz respeito às cosmovisões indígenas, práticas cerimoniais, divisões de trabalho e maneiras de entrar em harmonia com a terra. Nos preparativos da exposição “Ru Jub’ulik Achik – Aromas de um sonho”, eles estão instalados na cidade de Brumadinho e, a partir de 18 outubro, inauguram a primeira exposição solo do artista, que conecta a Guatemala a Minas Gerais. 

A visão do que é arte, para a família, inclui a culinária, o trabalho com os trajes típicos e os esportes, que usam a criatividade de diferentes maneiras. Essa pluralidade de referências é o que guiou Edgar no seu trabalho artístico, que sempre incorporou as tradições indígenas com técnicas da arte contemporânea, entendendo que, independente do meio, o importante era entender o que ele queria dizer. “É um trabalho muito grande expressar o que se pensa. Todos os dias se produz arte. (…) Nós fazemos arte para nós e nossos ancestrais, e não para o mercado da arte”, afirma ele. Dentro da família, eles também trabalham com essas diferentes áreas, mas sempre lidando com o cultivo da terra como pilar. “A terra é criadora e formadora de oportunidades”, comenta Julio, sobre essa importância.

Para absorver todos esses elementos, Edgar se define como uma “esponja” capaz de concentrar e absorver tudo, e da qual depois podem sair criações novas, como obras, poesias e músicas. “Sinto que, no Brasil, nutro novas maneiras de ver, pensar e fazer as coisas, porque aqui também há a cultura de misturar muitos elementos de culturas muito distintas. Quando estou aqui, me sinto em casa”, conta. Essa mistura, para eles, também se dá entre as gerações, já que entendem que os mais velhos sempre aprendem com os mais novos. “É muito importante que as pessoas mais velhas aprendam com as pessoas mais novas, com sua liberdade de se movimentar e agir. A ideia de criar na arte pode se beneficiar muito disso”, diz Pedro.

Com o título “Frutos de uma velha árvore”, eles pensam a presença da terra sob diferentes pontos de vista, desde a semeadura, o amadurecimento, as essências e os trajetos, para reinventar seus caminhos — e também descobrir no passado algo que ainda pode mudar a colheita de amanhã. Sobre a exposição que estreia em breve, o artista já adianta: “Tem montanhas nas nossas cabeças, e tem montanhas que estão nascendo. Há pedras que estão descansando e que na exposição estarão em diálogo com as pessoas. São vários elementos que são completamente imateriais, e elementos de Minas, mas que falam da nossa história kaqchikel”, diz.

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“Ru Jub’ulik Achik – Aromas de um sonho” terá abertura em 18 de outubro (Foto: Divulgação/ Museu do Inhotim)

Territórios de arte

Definir um território, quando se fala em preservar os saberes e as características de uma comunidade indígena, é um aspecto muito fundamental. Mas trabalhar com territórios que se mexem e se passam com o tempo é o que importa para a arte. É também o que observa Elsa, no que diz respeito à tecelagem, uma técnica muito importante para repassar saberes e conhecimentos de comunidades indígenas. “A importância de aprendermos a roupa típica maia e as sabedorias que herdamos dos nossos antepassados, é que vamos passando de geração em geração. Os mais novos também vão aprendendo, é um tecido da vida, que vai sendo diariamente feito”, comenta ela.

Todo esse trabalho de construção de limites, para Edgar, precisa considerar a subjetividade do mundo. É o que observa em uma árvore ao seu lado: “Essa árvore, por exemplo, não sei como classificar onde ela começa e onde termina. Às vezes penso que as coisas, o quanto mais unidas estão, mais ricas são, e quando criamos classificações, abrimos gretas para generalizar e criar problematizações que não sabemos como resolver. Gosto de pensar em territórios como um tecido, não como algo desfiado”, revela.

O milho e a terra

Seja em qual área for, os irmãos Calel reiteram sempre a importância do milho e da terra. Na Guatemala, inclusive, são mais de 500 variedades do cereal, que também aparece em tonalidades amarelas, vermelhas, brancas e pretas. Essa importância, como explicam, vem diretamente de seus Nahual, os guias espirituais definidos de acordo com o nascimento, e que têm tamanha importância para a cultura guatemala que podem ser vistos de acordo com a data de aniversário de cada um no site do governo. Isso também pode aparecer na arte, conectando todos os elementos que dizem respeito à vida. 

É como em uma lembrança que Edgar Calel traz:  “Desde o dia que nascemos até o último dia que estamos vivos, a mãe terra nos dá através da alimentação. Antes de começar a fazer arte, quando estava colado no peito de minha mãe, mamando e me mexendo, era como se tivessem pixels grandes misturados de vermelho e roxo, mesclados, na roupa dela. Penso que as experiências que temos sobre a arte podem começar com uma certa abstração, em que não conseguimos ver as formas, porque estamos colados na cultura. Quando crescemos, conseguimos fazer a classificação, mas perdemos a fluidez”, diz.

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