Juiz de Fora contabiliza quase 200 mortes de mulheres em idade fértil em 2022

Algumas das principais causas de morte materna são doenças hipertensivas, hemorragia, infecções puerperais e complicações de aborto inseguro, sendo 92% dessas mortes evitáveis ou tratáveis


Por Bruna Furtado, estagiária sob supervisão da editora Fabíola Costa

29/05/2023 às 15h28

Juiz de Fora registrou 193 mortes de mulheres em idade fértil, 3,3% do total registrado em Minas Gerais (5.878) no ano passado. Em relação a 2021, o balanço municipal apresenta queda de 44% em relação ao total apurado em 2021 (345). No cenário estadual, também houve queda, de 33%. Naquele ano, foram contabilizados 8.826 falecimentos desse grupo, que contempla a faixa etária de 10 a 49 anos. Os dados são da Secretaria de Vigilância em Saúde, por meio do Painel de Monitoramento da Mortalidade Materna, foram apurados na sexta-feira (26) e são passíveis de atualização. No país, ainda conforme o painel de monitoramento, foram 66.862 casos em 2022. No ano anterior, chegaram a 94.826.

Instituído pelo Ministério da Saúde em 1987, o 28 de maio é o Dia Nacional de Combate à Mortalidade Materna. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a morte materna é definida como o óbito de uma mulher durante o período gestacional ou até 42 dias de puerpério. Algumas das principais causas são doenças hipertensivas, hemorragia, infecções puerperais e complicações de aborto inseguro, sendo 92% dessas mortes evitáveis ou tratáveis.

Ana Beatriz Querino Souza é enfermeira obstetra pós-graduada pela UFJF, servidora da Prefeitura de Juiz de Fora e uma das referências do Comitê Municipal de Prevenção da Mortalidade Materna, Infantil e Fetal. Ela explica que os dados conseguem traduzir a capacidade de o sistema atender as demandas das mulheres no período gravídico e puerperal. “Altas taxas configuram um grave problema de saúde pública.”

Neste cenário, um organismo multiprofissional de atuação, monitoramento e prevenção de futuros casos é estratégia necessária. No caso de Juiz de Fora, a profissional explica que o comitê municipal investiga 100% dos óbitos declarados de mulheres, além de atuar em diferentes níveis. “Após as investigações, o comitê apresenta e discute os casos em reuniões técnicas com especialistas e profissionais da vigilância epidemiológica. Neste momento, também ocorre levantamento de problemas identificados, avaliação da evitabilidade dos óbitos e elaboração de recomendações para serviços, entidades, gestores e profissionais de saúde para redução e prevenção de novos óbitos. Posteriormente, são realizados o registro e as correções necessárias em sistemas de informações específicos”.

Segundo a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a pandemia é outro fator que pode ter atrasado ainda mais a redução das mortes maternas, que se sobressaem nas regiões mais pobres do mundo e em países afetados por conflitos. “Historicamente, no Brasil, mulheres em situação de maior vulnerabilidade são as que apresentam maior risco de adoecimento e morte”, afirma Ana Beatriz.

Acesso e cidadania

Reduzir as mortes maternas é, portanto, um trabalho de redução de desigualdade social e promoção de acessos e cidadania. Para Ana Beatriz, um significativo desafio, que implica na mobilização interinstitucional e coletiva. “As recomendações geradas pelo comitê municipal são transformadas em planos de ação para diversos serviços de saúde de atenção à mulher, gestantes, puérperas e crianças. Vale ressaltar que o comitê materno precisa atuar junto ao comitê infantil e fetal, pois, ao evitar o óbito materno, automaticamente estamos prevenindo o óbito fetal e infantil.”

Sobre a Semana Municipal de Prevenção da Mortalidade Materna em curso, Ana Beatriz comenta que é uma iniciativa do comitê desde 2021. “O objetivo é trabalhar algumas recomendações importantes com intuito de sensibilizar gestores, profissionais, estudantes e população em geral sobre o problema. Este ano, o foco é formado por estudantes e docentes de graduação em saúde de instituições públicas e privadas. Discutir essa importante temática prepara os alunos para estágios em serviços de saúde que assistem mulheres e provoca reflexão sobre a necessidade da inclusão do tema mortalidade materna nos currículos das faculdades. Os agentes comunitários de saúde (ACS), os profissionais do serviço de atendimento móvel de urgência (Samu) e profissionais das maternidades, em especial os enfermeiros obstetras, também fazem parte do público-alvo.”

Saúde mental e óbito materno

O estigma em torno da saúde mental materna é a pauta do Maio Furta-Cor, campanha comunitária sem fins lucrativos que visa a sensibilizar governantes e sociedade civil acerca do sofrimento mental entre grávidas. O projeto, em vigor desde 2020, já conseguiu aprovação de mais de 50 leis, sendo três delas estaduais.

Para a psicóloga perinatal juizforana Bianca Fortes, o imaginário social concebe a gestação e o puerpério como um período de vivacidade e entusiasmo, sem se atentar para os crescentes riscos que os envolvem. “A família se organiza para receber um novo ente em casa, para lidar com a vida e, de repente, precisa lidar com a morte da mãe, do bebê, ou de ambos, lidar com a falta e com o luto. São sentimentos bem antagônicos.”

Nesse sentido, Bianca alerta sobre a importância de promover consciência a respeito da suscetibilidade de mulheres gestantes e puérperas ao desenvolvimento de transtornos mentais, como a depressão e a ansiedade, quadros que devem ser destacados e rastreados no histórico da família desde o pré-natal, uma vez que podem levar ao suicídio. “Existem alguns estudos estimativos de que 3,7% de mulheres se suicidam no pós-parto para cada cem mil nascidos vivos. Se a gente for comparar, é um número maior do que as que morrem, por exemplo, de hemorragia pós-parto, que são em torno de 1,92% a cada cem mil nascidos vivos.”

A avaliação clínica criteriosa da condição emocional e física de cada mulher, portanto, é bastante relevante e altamente indicada. Para isso, a boa gestão pública e o papel dos serviços de saúde, como as Unidades Básicas de Saúde (UBS), é significativo. Através deles, esse público pode acessar o acompanhamento pré-natal, assim como rastreios e encaminhamentos para especialidades, se necessário. “Precisamos olhar para as mulheres gestantes e puérperas com mais cuidado e empatia, ouvir as suas queixas e não banalizar suas demandas, além de não desconsiderar suas falas”, adverte a psicóloga.

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