FamĂlias denunciam dificuldades de acesso a assistĂȘncia alimentar em JF
Falta de nutricionista, dieta enteral e fĂłrmulas especiais sĂŁo as principais queixas; secretaria de SaĂșde nĂŁo especificou prazo para situação ser regularizada
O pai de Rosilene Costa vive acamado, desde novembro de 2022, em decorrĂȘncia do agravamento da doença de Parkinson, um distĂșrbio degenerativo e lentamente progressivo que afeta ĂĄreas especĂficas do cĂ©rebro. Em fevereiro de 2023, ela precisou buscar o serviço de assistĂȘncia alimentar do Programa Municipal de Nutrição Enteral e Oral (PMNEO), ofertado pela Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), atravĂ©s do Sistema Ănico de SaĂșde (SUS), uma vez que seu pai, Rui Pereira da Costa, de 77 anos, nĂŁo consegue mais se alimentar por via oral. Contudo, segundo ela, de lĂĄ pra cĂĄ, a assistĂȘncia jĂĄ falhou trĂȘs vezes, por falta da dieta e, desde o inĂcio do ano, o programa estĂĄ sem nutricionista, o que impede o acompanhamento nutricional e a administração da dieta necessĂĄria pelo SUS. AlĂ©m disso, em setembro do ano passado, conforme Rosilene, as atividades do programa foram temporariamente suspensas, em virtude de mudança para novas instalaçÔes, prejudicando as famĂlias que precisavam do serviço.
Com isso, Rosilene conta que precisou recorrer Ă famĂlia e a emprĂ©stimos bancĂĄrios para arcar com o custo do produto nutricional. Em mĂ©dia, a caixa do alimento da dieta enteral custa R$ 35, e seu pai faz uso de uma caixa e meia por dia. SĂŁo R$ 367,50 gastos semanalmente, valor que pode chegar a R$ 1.470 em janeiro, jĂĄ que neste mĂȘs, sem nutricionista, o programa parou de fornecer a receita necessĂĄria para que os produtos fossem retirados pelo programa. O valor Ă© maior do que o salĂĄrio mĂnimo atual e agrava a realidade financeira da cuidadora, que precisou parar de trabalhar para cuidar do pai.
A reportagem da Tribuna entrou em contato com a PJF. Em nota, a Administração Municipal, por meio da Secretaria de SaĂșde, informou que devido ao “perĂodo de licença da nutricionista titular, jĂĄ realizou o processo de contratação de novas nutricionistas para o setor, estando na fase de convocação”. Entretanto, a pasta municipal nĂŁo confirmou previsĂŁo de data para o retorno dos serviços, e tambĂ©m nĂŁo explicou os motivos da falta do produto em determinadas perĂodos, citados pela matĂ©ria.
Forma de alimentação garante nutrição de pacientes
Para a nutricionista especialista em Terapia Nutricional, Nutrição ClĂnica e Desportiva, NatĂĄlia Rodrigues Gonçalves, 33, a decisĂŁo sobre a estratĂ©gia de suporte nutricional Ă© um dos principais desafios enfrentados pelos cuidadores e familiares. Segundo ela, nos estĂĄgios mais avançados da doença de Parkinson, por exemplo, especialmente nos casos de demĂȘncia, a dificuldade para engolir Ă© um problema comum.”Todas as fases da deglutição sĂŁo afetadas, devido a anormalidades na função dos mĂșsculos envolvidos, movimentos menos eficientes da lĂngua e lentidĂŁo na reação de engolir”, afirma.
Em casos mais graves, como o de Rui Pereira da Costa, a nutrição enteral, que envolve a alimentação direta no estĂŽmago ou intestino atravĂ©s de uma sonda, Ă© a opção mais adequada. De acordo com NatĂĄlia, essa forma Ă© mais fisiolĂłgica, geralmente mais segura e menos custosa do que a nutrição parenteral, a qual Ă© administrada diretamente na corrente sanguĂnea. Esta Ă© considerada mais invasiva e associada a maiores riscos de complicaçÔes, como infecçÔes, sendo indicada quando a nutrição enteral nĂŁo Ă© possĂvel ou suficiente, especialmente em pacientes graves em contexto de internação em terapia intensiva ou pĂłs-operatĂłrios especĂficos de cirurgias gastrointestinais.
A terapia nutricional, conforme a Diretriz Brasileira de Terapia Nutricional no Paciente Grave, tem como objetivo principal garantir a adequada nutrição do paciente, considerando suas necessidades especĂficas e as condiçÔes impostas pela doença. A nutricionista explica que isso inclui a manutenção ou melhoria do estado nutricional, suporte Ă função imunolĂłgica, otimização da recuperação e minimização dos efeitos negativos da doença sobre o corpo, o que reforça a importĂąncia de um acompanhamento mĂ©dico.
De acordo com a especialista, a nutrição inadequada pode ter mĂșltiplas consequĂȘncias negativas para a saĂșde, o que inclui desnutrição, com sintomas como perda de peso, fraqueza muscular e deficiĂȘncias nutricionais. TambĂ©m aumenta o risco de osteoporose e fraturas Ăłsseas, compromete o sistema imunolĂłgico, levando a uma maior suscetibilidade a infecçÔes e atraso do processo de cicatrização. “AlĂ©m disso, a mĂĄ nutrição pode impactar negativamente a função cognitiva, o que Ă© particularmente problemĂĄtico em doenças neurodegenerativas”, ressalta NatĂĄlia.
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Fórmulas infantis também estariam em falta
NĂŁo Ă© somente a dieta enteral que estaria faltando no Programa Municipal de Nutrição Enteral e Oral. A reportagem tambĂ©m recebeu denĂșncias sobre a falta da oferta de leite para bebĂȘs e crianças com intolerĂąncia Ă lactose ou alergia. Segundo o relato de uma mĂŁe, que preferiu nĂŁo ser identificada, com produto em falta desde novembro e, agora, o programa sem nutricionista, sua filha de 1 ano, que tem alergia Ă proteĂna do leite de vaca (APLV), estĂĄ sem assistĂȘncia alimentar.
Ela conta que recorreu ao serviço da Secretaria de SaĂșde em março de 2023, depois de sua filha ficar internada e ser diagnosticada com APLV, o que fez com que ela começasse a tomar fĂłrmulas especiais do leite, como Pregomin, Alfamino ou AlfarĂ©. Contudo, segundo ela, jĂĄ naquele momento as fĂłrmulas estariam em falta no programa, e a famĂlia precisou recorrer a doaçÔes. “Em abril, o produto chegou e fomos pegando todos os meses, atĂ© que em novembro informaram que apenas a de soja estava disponĂvel”, relata.
O leite de soja, entretanto, nĂŁo foi tolerado pela criança, e a mĂŁe precisou novamente recorrer a ajuda de familiares. “Uma lata pequena custa em mĂ©dia R$ 200, e atualmente utilizamos cerca de seis por mĂȘs, sendo que antes da introdução alimentar, jĂĄ chegaram a ser dez”, revela a mĂŁe. A famĂlia chegou atĂ© a fazer um teste com uma fĂłrmula “comum” e nĂŁo obteve sucesso, pois a bebĂȘ passou muito mal e precisaram levĂĄ-la Ă emergĂȘncia para que pudesse receber hidratação intravenosa.
Ela conta que envia e-mail de forma recorrente para a PJF solicitando o leite, mas ainda nĂŁo teve previsĂŁo de entrega. A Tribuna tambĂ©m questionou a Secretaria de SaĂșde sobre o caso. A pasta informou que a compra estĂĄ em processo final de licitação, mas nĂŁo precisou a data para a reposição dos produtos.
A nutricionista materno-infantil Vanessa Sequeira Fontes, 38, alerta que bebĂȘs menores de 6 meses que nĂŁo estĂŁo em aleitamento materno exclusivo precisam utilizar as fĂłrmulas adequadas para APLV que serĂŁo indicadas de acordo com os sintomas e as reaçÔes apresentadas. Entre as reaçÔes da alergia estĂŁo: muco e sangue nas fezes, refluxo gastroesofĂĄgico, gases e cĂłlicas e muito desconforto.
“Os sinais e sintomas desencadeados na APLV podem envolver diferentes ĂłrgĂŁos, sendo as mais comuns as reaçÔes cutĂąneas, as gastrointestinais e as do trato respiratĂłrio”, explica a nutricionista NatĂĄlia. Ela tambĂ©m falou como Ă© importante diferenciar a alergia da intolerĂąncia alimentar Ă lactose, que nĂŁo tem reaçÔes mediadas pelo sistema imune. AlĂ©m disso, “a alergia ao leite de vaca Ă© transitĂłria, sendo que aproximadamente 85% das crianças desenvolvem tolerĂąncia atĂ© a idade entre 3 e 5 anos”.
*NathĂĄlia Elis Fontes, estagiĂĄria sob supervisĂŁo da editora Carolina Leonel