Conselho Tutelar e Promotoria da Criança e do Adolescente flagram trabalho infantil na região central
A ação foi deflagrada diante do aumento das denúncias e demandas recebidas pelo Conselho Tutelar de trabalho infantil, principalmente, a venda de balas nos semáforos e a atividade de malabares
Com o objetivo de identificar situações de mendicância e de trabalho infantil, conselheiros tutelares e Promotoria de Justiça de Defesa da Educação, da Criança e do Adolescente, com apoio da Polícia Militar, percorreram ruas da região central de Juiz de Fora e do Bairro Alto dos Passos, na Zona Sul, nesta segunda-feira (22). A ação foi deflagrada diante do aumento das denúncias e demandas recebidas pelo Conselho Tutelar de trabalho infantil, principalmente, a venda de balas nos semáforos e a atividade de malabares.
No final da tarde, o Conselho Tutelar divulgou que, ao longo da ação, foram flagradas diversas situações, como adolescentes do sexo feminino vendendo frutas, em diversos locais. Elas foram abordadas, identificadas e receberam orientação. Os adultos que compareceram nos locais durante a abordagem também receberam orientação. As adolescentes foram encaminhadas para o Centro de Referência de Assistência Social (Cras) e para o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), para ingresso nos programas sociais da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF). Também foram flagradas diversas situações de venda de balas, na região central, resultando em advertências. O Conselho Tutelar ainda se deparou com a situação de venezuelanos com crianças em situação de mendicância. Eles foram advertidos e receberam encaminhamento.
Uma mulher flagrada com uma criança de 3 anos sentada no chão, realizando a venda de artesanato, também recebeu abordagem. A mãe foi orientada e conduzida para o Cras. Para ela e a criança foi oferecida uma cesta básica emergencial. A mulher também será incluída no programa de aluguel social da Prefeitura e, por meio da Secretaria Especial de Direitos Humanos da PJF, os conselheiros vão buscar uma vaga em creche regular do município para a criança.
“Esse tipo de situação é contrário ao que é estabelecido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), porque configura violação de direitos. O Conselho Tutelar atua para minimizar e encaminhar essas crianças e adolescentes para a rede de atendimento do Município. Não tem um caráter punitivo, e o que objetivamos é que esses meninos e meninas possam usufruir dos seus direitos, principalmente, como os de brincar e estudar”, ressaltou o conselheiro Luciano Villar, que atua no Conselho Tutelar Leste. Segundo ele, durante a abordagem da mãe com a criança de 3 anos, os conselheiros receberam insultos por parte de transeuntes. “A população muitas vezes não entende nossa atuação, porque não consegue ver a violação de direitos, como é o caso da mãe com a criança de 3 anos sentada no chão durante todo o período comercial para venda de artesanato. As pessoas precisam entender que estamos defendendo o direito da crianças, e que a população precisa ser nossa aliada.”
Empobrecimento
A promotora de Justiça de Defesa da Educação, da Criança e do Adolescente, Samyra Ribeiro Namen, que participou dos trabalhos, avaliou que, ao longo dos meses de pandemia da Covid-19, houve a percepção de um empobrecimento maior das pessoas e, por conta disso, aumentou o número de crianças e adolescentes em situação de mendicância e de trabalho infantil. “A criança e o adolescente têm que estar na escola, precisam brincar, terem o desenvolvimento pleno de suas condições para poderem conseguir alcançar a vida adulta. Mas, na realidade, o que estamos percebendo é que uma parte deles está batendo meta para o pai, para a mãe ou para terceiros que exploram o seu trabalho”, disse.
Segundo ela, é necessário conscientizar essas pessoas de que elas não devem explorar, assim como alertar a população em geral. “Todas as vezes que alguém dá um dinheiro para essas crianças no sinal, e é possível perceber muitas vezes que tem até mensagem motivacional nas balas, é porque algum adulto, um “coiote”, está tendo lucro com isso, deixando de trabalhar para viver dessa exploração. Então, quando damos o dinheiro, na verdade, estamos colaborando para atrapalhar o desenvolvimento pleno desses meninos e meninas”, advertiu.
Como ressalta a promotora, em muitas ocasiões, essas crianças e adolescentes, quando estão nas ruas trabalhando, estão sendo vigiadas. Se não há um adulto junto delas é porque estão a certa distância monitorando. “Se identificadas, essas pessoas (exploradores) são encaminhadas para a rede de proteção, para que cesse essa exploração indevida e haja garantia de direitos para a criança ou para o adolescente. Em determinados casos, pode acontecer até uma prisão, porque um crime pode está sendo praticado. Quando é pai e mãe, eles podem até perder o poder familiar”, destaca Samyra, acrescentando que o Poder Público municipal é sensível a essa questão e coloca essas pessoas em todos os seus programas sociais, inclusive, disponibilizando escolas onde esses meninos e meninas podem se alimentar.
Sinal de alerta
Quase 30% dos casos de violação de direitos contra crianças e adolescentes são reincidência em Juiz de Fora, como mostrou reportagem da Tribuna da Minas, no último dia 11. Dados dos três Conselhos Tutelares do município, repassados à Tribuna pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), mostram que 1.264 casos foram atendidos no primeiro semestre deste ano, o que representa cerca de sete registros diários ao longo de seis meses. Desse total, quase 30% das ocorrências, ou 397 casos, são reincidentes. Entres eles, estão as situações de mendicância e de trabalho infantil
De acordo com o conselheiro Luciano Villar, a reincidência é um sinal de alerta. “Quando o Conselho Tutelar encaminha para a rede de proteção, às vezes, tem algumas dificuldades, pois a própria família não adere à intervenção que é feita e, infelizmente, acabam optando pelas vendas nas ruas, que são rentáveis”, observou Luciano.
Além disso, segundo ele, é perceptível que o uso de crianças e adolescentes nos semáforos está mais articulado. “É possível ver, nos sinais, pessoas já com cartazes prontos, panfletos, o que significa que existe uma articulação por trás, que talvez seja já resultado de uma renda maior alcançada, mas isso é uma forma de roubar do adolescente e da criança uma fase muito importante da vida”, afirmou. Ele ainda ressaltou que “existe um ciclo, porque muitos dos filhos que se tornaram pais começam a infligir a mesma situação aos seus filhos”.
“A reincidência dos casos também está ligada à pandemia e à inflação, que deixou tudo mais caro. Até o aumento do preço da gasolina tem impacto nessa questão de aumento da pobreza. Além disso, contribuiu para essa situação a falta das escolas em razão do isolamento social, que fez explodir o número de crianças nas ruas”, afirmou a promotora de Justiça de Defesa da Educação, da Criança e do Adolescente, Samyra Ribeiro Namen.
Educação integral
Durante o período em que a reportagem acompanhou os trabalhos, no período da manhã, um jovem, de 18 anos, que estava trabalhando em um semáforo da Avenida Itamar Franco, também recebeu orientação dos conselheiros. Ele contou que, atualmente, está sem trabalho e atua nas ruas para conseguir dinheiro e investir em um projeto musical de divulgação de hip-hop, mas também foi um adolescente que vendia balas nos sinais. Na opinião dele, para acabar com o trabalho infantil é preciso mais investimento na educação. “A escola tinha que ser em tempo integral, pois é preciso ter mais educação e cultura para os adolescentes, para que tenham outras opções na hora vaga, que acaba levando o adolescente para o trabalho infantil”, ressaltou o jovem. Ele estudou até a oitava série do ensino fundamental e voltou a fazer alguns cursos livres.
Denúncias
Para casos de denúncia de violação de direitos das crianças e dos adolescentes, a população pode ligar para o Disque 100. Em caso de emergência, para os números dos três conselhos: 3690-7398 (8h às 18h)/ plantão: (32) 98429-4740 (18h às 8h), no Conselho Tutelar Centro/Norte; 3690-7397 (8h às 18h)/ plantão: 98431-4793 (18h às 8h), no Conselho Tutelar Sul/Oeste e 3690-7390 (8h às 18h)/ plantão: 98463-0980 (18h às 8h), no Conselho Tutelar Leste.
A promotoria pode ser buscada pela população em dois endereços: Avenida Rio Branco 2.390, sala 1.107, e Avenida Brasil, 1.000, sala 310, além de e-mail para ouvidoria do Ministério Público no site www.mpmg.mp.br ou ainda telefonar para (32) 3249-5910, que também funciona como WhatsApp.