Sete anos depois de assumir o Tribunal do Júri de Juiz de Fora, por onde tramitavam quase mil processos em meados de 2015, o juiz Paulo Tristão deixa de presidir os casos e julgamentos dos crimes contra a vida para se dedicar à 1ª Vara de Família da comarca. Certo de que cumpriu os seus objetivos, o magistrado optou por trocar de matéria no momento em que o Júri contava com 230 procedimentos, ou mais de quatro vezes menos do que ele havia encontrado. A celeridade e competência com que atuou para também frear, ao lado das forças de segurança, a onda de homicídios e de tentativas de assassinatos que assolavam a cidade naquela época, o levaram a realizar 2.199 audiências e 722 júris.
Muitos dos julgamentos presididos pelo juiz Paulo Tristão foram emblemáticos e de grande repercussão, como o da morte do jovem Matheus Goldoni Ribeiro, de 18 anos, ocorrido em agosto de 2019, e considerado como o de maior duração na história de Juiz de Fora, com mais de quatro dias de depoimentos e debates. O corpo de Matheus havia sido encontrado em novembro de 2014 nas águas da cachoeira do Vale do Ipê, cerca de 56 horas após o jovem ter sido visto pela última vez no entorno da boate Privilège, na Estrada Engenheiro Gentil Forn, na Cidade Alta.
Segundo a assessoria do TJMG, a juíza Joyce de Souza de Paula, que era da 1ª Vara Cível de Ubá, assume o Tribunal do Júri de Juiz de Fora. Já a 1ª Vara de Família da comarca era ocupada pelo juiz Luiz Guilherme Marques, que se aposentou em abril. “Além dessas mudanças, a juíza Flávia de Vasconcelos Araújo, da Vara Criminal da Infância e Juventude de Leopoldina, irá para o cargo de 5º juiz de direito da 2ª Unidade Jurisdicional de Juiz de Fora. E o juiz Augusto Vinícius Fonseca e Silva, do cargo de 2º juiz de direito da Unidade Jurisdicional do Juizado Especial de Barbacena para a 4ª Vara Criminal de Juiz de Fora”, completou o Tribunal. O juiz Paulo Tristão destacou que as movimentações não foram determinações do TJMG, mas opções dos próprios magistrados.
Desafios
Ao relembrar o momento em que assumiu o Tribunal do Júri, o magistrado Paulo Tristão destacou que Juiz de Fora tinha índice altíssimo de crimes violentos em 2015, bem acima da média de dez homicídios para cada cem mil pessoas aceita pela Organização Mundial de Saúde (OMS), sendo, portanto, considerado epidêmico. “Eram 170, 180 homicídios por ano. Um índice extremamente elevado perante a OMS. Hoje estamos entregando (a Vara do Júri) com a média de 60 casos por ano. Os índices foram bem reduzidos durante esse período todo.”
Para além dos números, o juiz considera que foram muitos os desafios. Um deles foi “lidar com os bondes que existem na cidade, essas rivalidades, sempre envolvendo tráfico de drogas entre um bairro e outro e, às vezes, dentro do mesmo bairro”. “Com coragem, lidando com esses temas, contribuímos bastante para desmantelar esses bondes e reduzir os índices de criminalidade, em especial os de homicídios.”
Outra questão que precisou enfrentar foi julgar os processos antigos e conseguir que as pessoas envolvidas nesses procedimentos comparecessem e acreditassem que a justiça seria realizada. A importância do júri também sempre foi ressaltada em sua gestão. “Conscientizar os jurados de que são pessoas especialíssimas para a Justiça, que foram muitos bem escolhidos, que representam toda a comunidade de Juiz de Fora – os 600 mil habitantes -, que são eles que dão a palavra final e que valia a pena deixar de lado seus afazeres – sejam pessoais, profissionais, estudantis, trabalhistas – para comparecerem gratuitamente no dia do julgamento, conhecerem o processo e julgar, também foi um desafio.”
Feminicídio
Questionado sobre como foi vivenciar as mudanças trazidas pela qualificação do crime de feminicídio, Paulo Tristão pontuou que Juiz de Fora teria sido a primeira comarca do estado a julgar um processo dessa natureza. “Foi uma grande evolução, uma chave que virou na cabeça de muitos homens que, no início, não conseguiam entender por que a pena deveria ser mais grave por ter matado uma mulher pela sua condição do sexo feminino, envolvendo violência doméstica e familiar.”
Para ele, a Lei do Feminicídio (13.104/2015), que inclui a modalidade no rol dos crimes hediondos, foi uma revolução na esfera criminal. “Hoje, já mais consolidado esse tema, vemos que mudou bastante a mentalidade machista, de que ‘se não for minha, não vai ser de mais ninguém’, que não aceita a separação, que age por ciúmes e que se sente dono, tendo a mulher como propriedade. Ainda existe, mas não está mais com aquela agressividade toda.”