Atendimento em saúde mental muda realidade de crianças e adolescentes
Escolas municipais têm atuado no sentido de identificar sintomas de problemas psicológicos e doenças como depressão. No entanto, acompanhamento dos pais e acolhimento, juntamente com tratamento adequado, são essenciais
Os sintomas de que há algo de errado com a saúde mental de crianças e adolescentes podem se apresentar de várias formas. Desde a mudança brusca de comportamento, passando pela recusa alimentar, irritabilidade, queda de rendimento escolar e dores que aparecem sem causas orgânicas que as expliquem, até a insônia ou sonolência incontrolável. Esse conjunto de sinais pode ser notado não só no convívio familiar, mas também nos ambientes frequentados pelas crianças, em especial, nas escolas.
Quando as alterações começam a ser percebidas dentro dos muros das instituições municipais de ensino, os profissionais começam um processo de observação. “Quando alguma questão é trazida pelos professores, chamamos a família para avaliar a situação e fazer encaminhamentos, se eles forem realmente necessários”, explica a diretora da Escola Municipal Bela Aurora, Ivanilza Bandeira Gomes. Em seguida, a criança pode ou não ser encaminhada para atendimento com psicólogos ou outros profissionais da saúde mental.
Segundo a Secretaria de Educação, uma alteração preocupante, quando identificada, pode gerar um relatório feito pela instituição de ensino, encaminhado à Supervisão de Acompanhamento da Saúde Escolar do Departamento de Inclusão e Atenção ao Estudante (Diae). Esse órgão faz a interlocução com a Subsecretaria de Atenção Primária à Saúde, da Secretaria de Saúde, que poderá identificar os sintomas e realizar o encaminhamento compatível com as necessidades desse estudante.
Em seguida, ele é encaminhado à Unidade Básica de Saúde (UBS), onde é acolhido e avaliado pelo médico de saúde da família ou pelo clínico geral. Caso seja identificada a necessidade de atendimento especializado, o paciente é direcionado para a Rede de Atenção Psicossocial, mais especificamente para o Centro de Atenção Psicossocial (Caps) Infância e Juventude.
No Caps, a criança ou o adolescente são avaliados por uma equipe multiprofissional, e é estabelecido um plano de cuidado denominado projeto terapêutico singular, que varia de acordo com as necessidades de saúde apresentadas, podendo incluir consultas médicas, acompanhamento psicológico, oficinas terapêuticas e articulação com outros dispositivos da assistência social ou comunitários.
Escolas estaduais
Segundo a Secretaria de Estado de Educação (SEE), o tratamento dessas questões nas escolas estaduais é semelhante. Nelas, os professores também são orientados a observar os comportamentos que possam ser características de transtornos mentais como depressão, ansiedade e tantos outros distúrbios, que comprometem a saúde, o aprendizado, a socialização, o desenvolvimento e o bem estar dos alunos. Quando há suspeita de casos, a coordenação pedagógica se encarrega de facilitar o contato e prestar os esclarecimentos aos pais. Também é papel da coordenação desenvolver atividades que auxiliem a sociabilidade e ações educativas. Se necessário, o mesmo caminho do estudante do município é recomendado.
Mãe descobriu TDAH com ajuda da escola
Em casos específicos, é preciso agir. Buscar rapidamente o atendimento em saúde mental, para que as crianças e adolescentes tenham suas necessidade atendidas, sem prejuízos para o seu desenvolvimento. Uma dessas histórias é a de um menino de 8 anos, que terá sua identidade preservada para evitar qualquer constrangimento. Ele estuda em uma das escolas da rede municipal. No primeiro semestre, apresentou grande dificuldade em aprender a escrever com letras cursivas e a concentrar a atenção na fala da professora.
Antes das férias de julho começarem, a mãe dele foi alertada pela diretora da escola sobre a dificuldade. “Ela me mandou mensagem, disse que ficou um dia todo na sala de aula dele e percebeu que qualquer coisa tirava a atenção do meu filho. Ele não se concentrava, não conseguia ter foco. Ela recomendou que eu procurasse uma professora particular, mas fiquei com o que ela falou na cabeça. Meu outro filho nunca tinha tido problema algum nesse sentido, por que o caçula teria?”, relata a genitora.
Coincidentemente, aquela era a semana de conscientização sobre o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Com a divulgação do tema, a mulher percebeu que várias das informações e sintomas citados se encaixavam nas atitudes do filho. “Eu ia lendo e via meu menino em tudo. Ele perdia muito material na escola, se sentava para fazer o dever, mas qualquer coisa tirava a atenção. Conversei com pessoas próximas, mas ninguém levou em conta”.
Mesmo contra as opiniões das pessoas, ela insistiu em levar o filho ao pediatra. Quando relatou o que percebia, o profissional indicou que ela procurasse um neuropediatra. Os exames solicitados pelo especialista comprovaram que o garoto tinha TDAH e uma medicação foi indicada, mas a mãe ficou reticente. Procurou a opinião do pediatra e ele também a orientou a administrar o remédio. “Meu filho se tornou outra criança. Tinha medo de que pudesse ser coisa pior. Hoje, além de se manter concentrado, ele consegue fazer todas as atividades que lhe traziam dificuldade, como a letra cursiva. Nada mais consegue tirar a atenção dele. Ao ver o resultado, até quem não tinha acreditado no que eu falava, me deu razão.”
“Deixem o medo de lado!”
Em determinadas situações, a família pode buscar outra alternativa e levar este retorno para a escola. Mas, segundo a diretora escolar Ivanilza Bandeira Gomes, o acolhimento é a chave para qualquer dificuldade, seja ela um acontecimento pontual, um sintoma, ou alguma questão que precise passar por avaliação mais profunda. Por isso, a escola, muitas vezes, acaba tomando frente do processo de ajuda.
“Precisamos da família, mas nem sempre contamos com esse apoio, nem sempre ela compreende as necessidades da criança ou toma uma atitude em relação ao que acontece com ela. O desafio é constante e a demanda é grande. Os encaminhamentos, quando necessários, demoram um pouco, mas geram resultados muito satisfatórios”, diz Ivanilza. Para ela, o ideal seria que todas as escolas pudessem contar com o acompanhamento de psicólogos. Eles poderiam contribuir para uma leitura mais cuidadosa dos comportamentos e na avaliação das situações.
Para a mãe do aluno diagnosticado com TDAH, o apoio e o suporte da escola foram fundamentais para seu filho. “Fui rápida, embora estivesse com medo. A diretora se sentiu à vontade para falar comigo e eu só agradeço. Agora, além dela, a coordenadora e todas as professoras estão acompanhando o caso do meu menino. Sempre me relatam qualquer coisa que aconteça. Talvez se não fosse a diretora, eu não tivesse visto o problema do meu filho e, hoje, pudesse ser algo muito maior.”
Ela sabe que a temática ainda é um grande tabu para a sociedade, mas ela recomenda a outros pais e responsáveis que deixem o preconceito de lado em nome da saúde e do bem-estar de seus filhos. “Hoje vivemos em um mundo sem paciência, que tem muita pressa, a necessidade de estar sempre trabalhando. Eu posso me dedicar aos meus meninos, cuido, ajudo, estudo junto. É o que a gente pode fazer. O que eu digo para outros pais é: deixem o medo de lado. Foquem no bem dos seus filhos.”
Cuidado com a medicalização
A técnica em saúde mental do Sistema Único de Saúde (SUS) e doutoranda em educação pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Rita Almeida, salienta a importância de ouvir a criança, antes de qualquer outra atitude. “Precisamos começar a pensar criticamente sobre essa assunto, e não atender uma demanda por medicalização ou diagnóstico rápido. Porque se o sistema parte para uma solução mais rápida, seja incentivada pelos pais, pelas escolas, ou por qualquer outro agente, você corre o risco de interpretar um mal-estar como um problema psíquico da criança ou do adolescente.”
De acordo com o estudo de Rita, há um excesso nos encaminhamentos feitos ao sistema de saúde. “O que chamamos de mal-estar, que pode estar ligado a indisciplina, problemas de relacionamento, agressividade, dificuldade de aprendizado ou qualquer outra situação, que antes tinha uma outra explicação não médica, passa a ser tratado como problema psíquico. Resolve-se o ‘problema’, que, às vezes, é muito mais complexo, simplificando isso, e nomeando que a criança é o problema. Isso é muito preocupante.”
A medicalização cada vez maior e mais precoce silencia outros problemas, conforme a técnica. “Assim como quando você tem uma doença grave e cura só a febre, sem investigar a causa dela. Toma um antitérmico e pronto, supõe que acabando com a febre você resolveu tudo. Mas na verdade, só se mascara os sintomas. Há casos em que não há o menor sentido ocupar o campo médico.” Isso tem uma série de consequências. Uma delas ocorre quando a criança entra em um rol de tratamento muito nova, e depois do diagnóstico, há uma dificuldade muito grande em tomar uma posição diferenciada. “É preocupante, porque ela está só começando a se desenvolver, está no início do seu processo de subjetivação. Outras questões surgem com a entrada na adolescência, em relação à autoestima, ao relacionamento com o outro.”
Escuta atenta
Para reverter esse quadro, Rita argumenta que é necessário investir na escuta atenta. “Precisamos recuar dessa pressa, pensar com mais critério, observar com mais cuidado, para que essa medicalização não se torne algo automático, para que uma agitação não seja vista como hiperatividade, por exemplo. Esse mal-estar é um reflexo de algo. É a maneira como esse indivíduo mostra que algo não vai bem. Então, ao invés de silenciar o problema, é preciso ter mais paciência. Ouvir até mesmo as crianças menores, pois elas dizem, ao seu modo, o que as incomoda. Por mais que pareça que elas estejam se esforçando para causar incômodo ou sofrimento nas outras pessoas, essa é uma maneira de dizer como elas estão sofrendo muito.”
A discussão sobre a medicalização da educação e da sociedade é feita em nível nacional e não se restringe a questões relativas à saúde mental. Combater a redução dos acontecimentos à lógica médica é visto como uma prioridade. Nesse sentido, conforme Rita, pais, professores, equipes pedagógicas e os próprios profissionais de saúde mental devem buscar entender as causas dos sintomas dentro de um contexto mais amplo, sem silenciar os comportamentos, mas buscando entendê-los. “Quando uma criança ou adolescente manifesta uma alteração, é um pedido de ajuda inconsciente. Então, é fundamental começar a escutar mais. Isso não exige formação específica. No caso do atendimento em saúde mental, vejo que o SUS tem um critério maior e não tem uma pressão tão grande, que costuma recair sobre profissionais do sistema privado. Conseguimos desconstruir um diagnóstico de maneira mais fácil no SUS, e tentamos estudar a situação como um todo. ” Mas essa maneira é apenas uma das estratégias de desmedicalização do sistema, uma posição política que ganha cada vez mais espaço, de acordo com a doutoranda.
Novas ferramentas
Além da observação dos comportamentos e sintomas que podem se manifestar, há outras técnicas que podem ajudar a traçar um perfil do estudante e indicar possibilidades de ação para pais e profissionais. Uma possibilidade é o coaching educacional, que chega agora para as escolas de Juiz de Fora. “Com a ferramenta Findline conseguimos traçar um perfil detalhado do estudante, o que pode ajudar a identificar campos nos quais a criança ou adolescente se sai melhor e quais são as áreas que necessitam de maiores estímulos, indicando como trabalhar determinada habilidade”, explica o coach Luiz Carlos Coelho, que trabalha o método junto do coach Nelson Araújo. A análise dos dados do estudante, colhida na fala e em suas informações escolares, ajuda a montar gráficos que cruzam as informações, gerando uma série de indicativos sobre o seu desempenho, desde as relações sociais, até a forma como ele lida com uma disciplina específica.
O projeto visa facilitar o caminho do estudante. “É comum o jovem fazer vestibular, entrar na faculdade, fazer dois, três períodos e depois descobre que aquele curso não é o que ele quer. Quando a família tem condições, ele pode fazer outro curso. Do contrário, a frustração pode fazer, até mesmo, com que ele se torne um mal profissional. Fora o desgaste em saúde física e mental por trabalhar com o que não gosta, para o resto da vida”, explica Luiz. Ainda de acordo com ele, a ferramenta é um bom norte para os pais, que conseguem lidar melhor com os filhos, o que pode gerar uma aproximação familiar maior.
Com os indicadores em mãos, é possível identificar estratégias mais adequadas para atacar o problema. “Se vários alunos apresentam um déficit de comunicação, podemos fazer uma palestra ou coaching em grupo. Se não, podemos ver quais ações individuais são possíveis. Podemos ajudar os estudantes a administrarem melhor suas responsabilidades, inclusive envolvendo a família nesse processo. Se falta essa dedicação, não conseguimos agregar a família, e esse é um ponto crucial”, finaliza Luiz.