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Voto e Cidadania: Melhorias no transporte público e na mobilidade urbana são desafios para o próximo chefe do Executivo

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Melhorias no transporte público e na mobilidade urbana são desafios para o próximo chefe do Executivo (Foto: Felipe Couri)

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Consórcio Via JF contabiliza 281.617 passageiros/dia, de segunda a sexta-feira (Foto: Leonardo Costa)
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Dos bondes aos ônibus, Juiz de Fora passou por significativas mudanças no transporte público, desde o início do século XX. Alvo de críticas por muitos usuários, o sistema atual enfrentou desafios, sobretudo com a pandemia da Covid-19, quando o número de passageiros despencou, desestabilizando empresas e ameaçando o emprego de muitos funcionários. Há dois anos, o Consórcio Via JF é o único responsável por administrar os coletivos na cidade, já que a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) rompeu, em 2022, o contrato com a empresa Tusmil, que havia assumido as linhas da Viação Goretti Irmãos Ltda (GIL), pelo Consórcio Manchester, após a mesma se envolver em um imbróglio trabalhista e judicial em 2020, quando encerrou suas atividades. Diante da falta de alternativa por outros meios públicos coletivos de transporte, ficam as queixas, sobretudo relacionadas a acessibilidade, manutenção dos veículos e cumprimento de horários, além da insegurança causada por acidentes e incêndios.

Para se ter uma ideia do impacto que o transporte público tem sobre o município, 281.617 passageiros/dia foram contabilizados em média pelo Consórcio Via JF, de segunda a sexta-feira, levando-se em conta o intervalo entre 19 de agosto e 3 de setembro. O número representa quase a metade da população de Juiz de Fora, atualmente com 565.764 residentes, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No mesmo período analisado, a média de usuários aos sábados é de 161.632, enquanto aos domingos, quando há gratuidade, é de 141.544.

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Em meio às insatisfações diárias dos usuários, entretanto, é importante discutir formas de melhorar o transporte público e a mobilidade urbana no município. A questão é um dos principais desafios do próximo chefe do Executivo municipal, que ainda poderá ter em suas mãos, nos próximos quatro anos, uma nova licitação de ônibus, já que a última, concluída em 2016, é válida por 10 anos, prorrogáveis por mais 10. Como parte do projeto “Voto e Cidadania”, da Rede Tribuna, a reportagem conversou sobre o tema com especialistas, que apontam a importância do subsídio, para desonerar o bolso dos trabalhadores; soluções que tirem do foco o veículo particular como principal meio de locomoção; investimento em ciclovias e opções coletivas para além dos ônibus. Uma pergunta relacionadas ao assunto também será direcionada aos candidatos à PJF, e as respostas serão publicadas na próxima terça-feira (10).

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Frota atual tem mais de 500 veículos e 262 linhas

Atualmente com uma frota de 543 veículos e 499 deles em operação, o Consórcio Via JF afirma que a média de seus carros é de 2,84 anos. As 262 linhas são operadas pelas empresas Auto Nossa Senhora Aparecida Ltda (Ansal) e São Francisco. A partir do dia 15, serão 263 linhas, com a inclusão da 409 (Santa Rita). “Ressaltamos que a análise sobre a necessidade de novas linhas, mudanças de itinerários e rotas é de responsabilidade da PJF. O Consórcio Via JF apenas acata as determinações da SMU (Secretaria de Mobilidade Urbana).”

De acordo com o Consórcio, a transição para ônibus sem cobradores, iniciada em dezembro, está sendo realizada de forma gradual, conforme estabelecido no acordo coletivo de trabalho. Hoje em dia, 234 carros que saem pela parte da manhã, outros 57 que partem à tarde e mais 31 micro-ônibus já são adaptados para rodar apenas com motoristas. “Nosso programa de capacitação, em parceria com o Sest/Senat, tem promovido avanços significativos para os cobradores. Foram capacitados 435 profissionais em diversas áreas, como almoxarifado, informática básica, Excel, mecânica diesel, auxiliar administrativo, inteligência emocional e empregabilidade. Além disso, mais de 50% desses profissionais qualificados já foram promovidos a novas funções dentro da empresa, como motorista, manobrista, auxiliar administrativo, fiscal, auxiliar de tesouraria, almoxarife, eletricista, bilheteiro, entre outras. Esses resultados evidenciam a eficácia e o impacto positivo das nossas iniciativas de capacitação na evolução profissional dos nossos colaboradores.”

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Outra mudança no sistema aconteceu em junho, quando a Associação das Empresas de Transporte Coletivo Urbano de Juiz de Fora (Astransp) iniciou o processo de substituição dos cartões Vale Transporte em Juiz de Fora para o novo Sistema Moov de bilhetagem eletrônica. A desativação do sistema antigo aconteceu em 12 de agosto. A ideia é tornar o processo de recarga mais acessível, já que as mesmas podem ser feitas nos postos Diga, localizados em áreas estratégicas da cidade, pelo WhatsApp, app ou site, e também por meio de vendedores do Moov em pontos de alta movimentação. O aplicativo do Moov, disponível na Apple Store e Play Store, permite o acompanhamento de rotas e horários de ônibus, acessibilidade para PCDs, além de um canal para sugestões e feedback. “Estas inovações não apenas simplificam o processo de recarga para os usuários, mas também marcam um passo importante no novo modelo de bilhetagem eletrônica da cidade, visando uma cultura de mobilidade urbana centrada no cidadão e uma constante evolução do transporte público de Juiz de Fora”, acredita a Astransp.

Matéria publicada pela Tribuna em janeiro mostrou que, assim como Juiz de Fora, outras 18 cidades brasileiras que possuem de 500 mil a 1 milhão de habitantes subsidiam o transporte público por ônibus. Ao todo, 225 municípios possuem subsídios, incluindo 20 capitais e regiões metropolitanas. Destes, 123 praticam a tarifa zero. Os dados são da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU). A tarifa atual no município é R$ 3,75, , enquanto o subsídio médio da PJF ao transporte público seria de R$ 1,64 por passageiro, conforme estudo da UFJF divulgado em janeiro, baseado em outubro de 2023, quando o custo técnico era era de R$ 5,39.

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Para Daibert, destinar subsídios públicos para reduzir a tarifa dos usuários é iniciar o pagamento de dívida social histórica (Foto: Felipe Couri)

Mobilidade sustentável baseada em três pilares

Para o engenheiro, mestre em Transportes e consultor em Mobilidade Urbana, José Ricardo Daibert, a mobilidade urbana sustentável é baseada em três pilares de transporte: público, cicloviário e a pé. “É preciso ter a coragem de retirar do automóvel a prioridade dos investimentos, da circulação e do estacionamento em via pública.” Ele ressalta que o modelo de transporte comunitário no mundo desenvolvido sempre incluiu financiamento público da infraestrutura, resultando em sistemas metroferroviários de alta qualidade, com suporte de parte do custeio das operações, traduzido em baixas tarifas pagas pelos usuários. “Ou seja, modelo barato de alta qualidade.”

Já no Brasil, a ausência do poder público no custeio leva, na maioria das vezes, ao uso compartilhado das vias já existentes. A opção por sistemas de ônibus, em tráfego misto, promovem lentidão e baixo conforto, tarifas elevadas e/ou superlotação. “Além do custo regular, os usuários carentes bancam ainda toda a diversidade de gratuidades, invertendo a lógica do subsídio. Daí o modelo crítico nacional, caro e de baixa qualidade, onde é necessário superlotar os veículos para não mais onerar a tarifa. Ou seja, o transporte não é público em seu financiamento, diferentemente, por exemplo, dos setores de saúde, educação e segurança, também públicos”, analisa.

Segundo Daibert, é necessário bancar a operação dos sistemas com receitas extratarifárias, desonerando os usuários e ofertando mais quantidade e qualidade dos serviços, revertendo o quadro de má qualidade, com mais horários, melhor tecnologia e serviços. Nesse contexto, ele destaca que Juiz de Fora iniciou, nos últimos anos, financiamento de parte dos custos de transporte público, para evitar reajustes tarifários e para conceder gratuidade aos domingos. “Longe do desejável, mas na direção correta.”

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Ainda em relação ao subsídio municipal para o transporte público em Juiz de Fora, o especialista acredita que essa ação, se intensificada, é capaz de corrigir em boa parte o modelo histórico de tarifas que recaem apenas sobre o passageiro, reconhecidamente de baixa renda. “Destinar subsídios públicos ou outros recursos extratarifários para reduzir a tarifa dos usuários é iniciar o pagamento de dívida social histórica da cidade com sua população usuária do transporte público. Mais do que isso, é ter a certeza de poder, inovadoramente, melhorar a qualidade do transporte e de vida da população dele dependente.”

Para incrementos no setor nos próximos quatro anos, o especialista indica também a necessidade de entender a mobilidade urbana como agente de inclusão e redução da injustiça social, desenvolver a mobilidade sustentável, retirar a prioridade do automóvel, priorizar os modos a pé e cicloviário através de planejamento específico e, principalmente, intensificar os subsídios voltados ao transporte público.

Sobre a possibilidade de uma nova licitação de ônibus no próximo mandato, Daibert pondera que a concorrência em si não tem capacidade transformadora de qualidade e preço. “Ela apenas permite a regulação legal de um contrato de concessão. Esse, sim, precisa ter todas as obrigações e responsabilidades, regras de convivência, remuneração justa em função da qualidade percebida pelos usuários, tarifas baixas, fiscalização efetiva, tecnologias aplicáveis e frotas modernas, entre outros dispositivos. Aí sim, com novo modelo contratual, inovador e eficaz, deve-se discutir o melhor instrumento legal de sua regulação, seja com ou sem licitação. É mais importante definir o que se quer contratar do que o instrumento legal para isso.”

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Modelo de transporte público limitado

Engenheiro arquiteto e professor na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Fábio José Martins de Lima observa que o modelo atual de transporte público em Juiz de Fora “é extremamente limitado”, por contar atualmente apenas com os ônibus, movidos a diesel, deixando no passado os trens e os bondes. “Além da limitação dos modos possíveis, estes (coletivos) não se mostram suficientes nos horários de maior demanda.”

O especialista, que coordena o grupo urbanismo.mg, com atividades de pesquisa e extensão, vislumbra como alternativas aos ônibus o metrô de superfície, o teleférico e o transporte hidroviário. “Ou seja, falta um planejamento que consiga reverter essa condição exclusiva e limitada do transporte público, em uma cidade média que caminha para uma condição de grande, considerando a polarização que compete a Juiz de Fora em relação aos centros urbanos da região.” Para Lima, a política pública deve promover um processo participativo, que permita discutir amplamente a temática.

Sobre as rotas específicas dos coletivos, ele recomenda um estudo sob o ponto de vista do urbanismo e do planejamento urbano, que considere itinerários em espiral nos vários setores compostos por bairros e ligações circulares, para evitar percursos lineares. “E, além disso, pensar em terminais intermediários, entre o centro urbano e os setores mais periféricos, para reduzir o volume de tráfego no triângulo histórico da cidade. Isso inclui pensar também outros modos de transporte, que permitam diversificação e o uso de veículos movidos a eletricidade, por exemplo.”

Levando em conta a topografia de fundo de vale com morros do município, o especialista sugere pensar o transporte público integrado com outros modos, como o rodoviário com o ferroviário, ou tipos a serem estudados, “que poderiam transportar bicicletas, por exemplo, para vencer a topografia e permitir às pessoas utilizarem estes meios nas partes planas”. “Assim, poderíamos de maneira efetiva ter as bicicletas inseridas, com ciclovias integradas e ciclorrotas definidas, mesmo com as dificuldades colocadas pela topografia, nesses nossos mares de morros, com as florestas atlânticas ainda remanescentes. E essas colocadas, de maneira geral para a cidade, como uma obrigação para os novos loteamentos, e a adequação progressiva no caso dos parcelamentos já existentes.”

Com isso, Lima crê que os benefícios ambientais e de saúde pública seriam ampliados, com as possibilidades colocadas pela integração de modos de transportes públicos diferenciados, com o tempo dos percursos reduzidos, considerando os congestionamentos da malha urbana na atualidade.

Os pontos de abrigo e os terminais intermediários, na visão dele, deveriam contar com mobiliários integrados e inteligentes, otimizando os percursos e permitindo maior segurança e conforto para os cidadãos. “Poderíamos ter abrigos com caramanchões verdes, com painéis solares, enfim, com inovação, tecnologia e cultura local.” Ele considera que os atuais pontos de ônibus “revelam a segregação urbana”, sendo aqueles das áreas privilegiadas mais tecnológicos e confortáveis do que aqueles das regiões periféricas e dos distritos mais afastados.

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