Tráfico de animais leva a quase mil espécies apreendidas

Na região, aves estão na linha de frente da mira dos caçadores. Espécies como curió, canário da terra, coleiro e trinca-ferro estão entre as prediletas dos traficantes


Por Marcos Araújo

04/11/2018 às 07h00

Depois do comércio ilegal de armas e de drogas, o tráfico de animais silvestres é o crime mais praticado no mundo. No Brasil, o hábito de criá-los como bicho de estimação é o maior responsável pela ilegalidade. Em Juiz de Fora e região, dados da Polícia Militar Ambiental mostram que, entre janeiro a julho deste ano, foram apreendidas 897 aves silvestres, 83 répteis e três mamíferos. No total, são 983 animais oriundos de apanha ilegal realizada na natureza nas áreas verdes e na Zona Rural. Os números da Polícia Militar Ambiental também mostram que 789 gaiolas foram apreendidas nesse período. As multas aplicadas nesses sete meses somam R$ 1.674.771,60.

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Na região, o tráfico de pássaros é o mais grave. Conforme o Ibama, devido a questões culturais, as aves estão na linha de frente da mira dos caçadores à procura de beleza e do canto perfeito. Espécies como curió, canário da terra, coleiro e trinca-ferro são as prediletas dos traficantes. Pela proximidade com o Rio de Janeiro, o destino delas são as feiras, onde são vendidas pelos mais variados preços. Dependendo da espécie da ave, o valor comercializado no mercado negro pode variar entre R$ 10, preço pago aos caçadores, a US$ 30 mil, custo pelo qual o animal acaba revendido, muitas vezes no exterior para participar de competições de canto.

Estudo do Ibama aponta que milhões de aves são capturadas todos os anos no Brasil, alimentando um mercado estimado em cerca de R$ 7 bilhões. Aves muito valorizadas no Brasil são vendidas para Estados Unidos e Europa. A principal rota de entrada é Portugal. Aranhas, insetos e répteis são enviados até pelos Correios. É possível medir o interesse do mercado pelas aves pelo número de criadores existentes cadastrados junto ao Ibama. No país inteiro, são cerca de 400 mil criadores autorizados. Só na região de jurisprudência do Ibama de Juiz de Fora são 22 mil.

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Arara recolhida pelo Ibama de JF. (Foto: Felipe Couri)

O detalhe triste é que pesquisadores concluíram que a criação legalizada vem contribuindo com o tráfico de animais silvestres. As irregularidades atingem parte do total de criadores autorizados, sendo que cada um possui em média 20 pássaros, o que dá um total de aproximadamente 8 milhões de aves em cativeiro. O Ibama autoriza apenas uma anilha por animal. Para aumentar a quantidade de animais, os criadores falsificam anilhas com a mesma numeração e, para não levantar suspeitas, trocam esses animais entre si. Ou seja, a mesma numeração pode estar espalhada em mais de um criadouro, com diferentes passarinhos, dando uma aparência de legalidade a um animal capturado de maneira criminosa.

“A maior parte dos animais apreendidos na região tem como destino o Rio de Janeiro, mas existe também uma demanda muito grande por parte dos mineiros para aquisição de animais silvestres. Nordeste, Pantanal, Mato Grosso do Sul são áreas de muitos ninhos, as quais são mapeadas pelos traficantes. Eles esperam o mês de outubro para a eclosão dos ovos, para os filhotes serem capturados e vendidos”, afirma o chefe da unidade técnica do Ibama em Juiz de Fora, Luiz Binatti. Ele salienta: “Tem muito mercado o Canarinho da terra para briga, situação muito comum no Nordeste, mas é uma prática que também existe em Minas. É um mercado muito lucrativo.”

Desequilíbrio ecológico

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Aves e macaco estão entre as espécies apreendidas em Juiz de Fora e região. (Foto: Felipe Couri)

 

De acordo com o comandante da 4ª Companhia Independente de Meio Ambiente e Trânsito Rodoviário (CiaIndMat), capitão Jean Michel Amaral, a retirada de espécies do seu habitat natural, sem nenhum critério, contribui para o desequilíbrio ecológico. Ao serem capturados, esses animais, que fazem parte de uma cadeia alimentar, deixam de realizar suas funções ecológicas no meio ambiente. A perda de algumas espécies colabora para o desaparecimento dos predadores.

Como consequência, por exemplo, muitas plantações são completamente comprometidas por pragas. Além disso, ao serem deslocados de seu habitat natural, os animais procuram abrigo nas cidades, transformando-se em risco para a população. É preciso destacar ainda que essa migração representa perigo para os próprios animais, que passam a ser vítimas de maus-tratos.

Patas coladas com fita isolante

No que tange à crueldade contra os bichos, os dados apontam para a realização de 137 ações de fiscalização de maus-tratos. Neste aspecto, a Polícia Militar Ambiental chama a atenção para a captura e o transporte. “Os animais acabam feridos com a utilização de armadilhas ou quando são transportados em caixas fechadas, como as de leite, apenas com pequenos orifícios”, afirma Jean Amaral.

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Iguana foi encontrada viva por funcionários de empresa de transporte dentro de cano de PVC. (Foto: Divulgação/Ibama)

 

Em fevereiro deste ano, uma iguana foi encontrada dentro de uma caixa com as patas coladas com fita isolante dentro de um cano de PVC. A descoberta foi feita por funcionários de uma empresa de transporte de carga que suspeitaram de uma encomenda que saiu de ônibus da cidade São Paulo (SP) com destino a Juiz de Fora. O recebedor teria adquirido a iguana pela internet e seria morador da cidade de Viçosa, mas retiraria a encomenda em Juiz de Fora. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) interceptou a carga e fez a apreensão do animal, antes que chegasse às mãos do suspeito. “Existem algumas apreensões que, além da manutenção em cativeiro ilegal, também deparamos com situação de maus-tratos, principalmente no que tange a péssimas condições de higiene nas gaiolas onde são mantidos os animais em cativeiro”, ressalta o militar.

Conforme dados do Ibama, aproximadamente 90% dos animais silvestres morrem logo depois de retirados de seu habitat natural. “Isso acontece devido ao alto grau de estresse causado durante a apanha e transporte dos animais capturados, que não são domesticados, bem como jamais tiveram sua liberdade privada na natureza”, afirma o capitão.

Conforme a lei federal de crimes ambientais (nº 9605/98), comete tráfico ilegal de produtos e subprodutos da fauna silvestre brasileira quem vende, expõe à venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou depósito, utiliza ou transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, bem como produtos e objetos dela oriundos, provenientes de criadouros não autorizados ou sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente. Também comete tal conduta, quem exportar para o exterior peles e couros de anfíbios e répteis em bruto, sem a autorização da autoridade ambiental competente.

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Aves são as preferidas para o tráfico de animais. (Foto: Felipe Couri)

 

O capitão Jean Amaral alerta que, de forma geral, entre as aves, trinca-ferro, coleiro, canário da terra, maritaca e papagaio são os bichos preferidos para o tráfico. Entre os répteis, os jabutis e os cágados são os que mais correm riscos. “Na região de Juiz de Fora, as vítimas mais comuns dessa prática criminosa são trinca-ferro, coleiro, canário da terra, tico-tico, azulão, curió, pixoxó, dentre outras aves. Já entre os mamíferos, três caititus, conhecidos como porco-do-mato, foram apreendidos na área da 4ª Cia vivos em cativeiro. Normalmente, os mamíferos são encontrados já abatidos por caçadores. Quando se trata da prática do armazenamento de subprodutos da fauna, a carne de paca é a mais apreendida.”

 

Tratamento e reintrodução à natureza

O Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) recebe de 2.500 a 3.000 animais por ano, em Juiz de Fora. A sua estrutura física fica na sede do Ibama e funciona em razão de um acordo de cooperação entre o Ibama e o Instituto Estadual de Florestas (IEF). O centro acolhe bichos apreendidos pela Polícia Militar Ambiental, pelo próprio Ibama e oriundos de entregas voluntárias. No local, as espécies passam por uma triagem, uma vez que muitas delas chegam mutiladas, como uma coruja, que está abrigada depois de ter tido uma de suas asas arrancadas. O Ibama vai cuidar dela até que possa encontrar com um criador conservacionista. “Muitos bichos mutilados, quando existe o comprometimento do retorno dele para a natureza, permanece aqui por mais tempo. Fazemos um esforço para cedê-los para um zoológico ou um criador conservacionista, que possa ficar com esse animal que tem restrições para voltar para natureza”, observa o chefe da unidade técnica do Ibama em Juiz de Fora, Luiz Binatti.

 

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Coruja teve uma das asas arrancadas e recebeu tratamento no Ibama. (Foto: Felipe Couri)

 

Ele lembra que, após a triagem, o animal que não sofreu mutilação passa por um período de quarentena com vistas a um programa de reintrodução à natureza, como o Área de Soltura de Animais Silvestres (Asas). Uma onça parda, de cerca de um mês de idade, animal ameaçado de extinção, esteve sob os cuidados do Cetas. Ela foi entregue, voluntariamente, por um homem que a criava em uma fazenda da região. Todavia, a onça vinha apresentando problema de desnutrição e dificuldades de ficar em pé devido à falta de cálcio. Primeiro, o mamífero foi levado para um veterinário, onde recebeu os primeiros tratamentos e uma dieta para que pudesse ter condições de ser encaminhada para o Cetas. “Essa onça ficou aqui por cerca de um mês até ser levada para um criador conservacionista, visando a sua preparação para ser reintroduzida à natureza aqui na região de onde foi retirada.”

 

Operações de combate e projetos de prevenção

Para combater o tráfico de animais em Juiz de Fora e região, a 4ª CiaIndMat realiza diversas operações de combate ao tráfico de animais silvestres que culminam na prisão de diversos autores, apreensão de animais e, consequentemente, na aplicação de sanções administrativas (multas) nos infratores. A companhia também lança mão de projetos educativos em escolas e do Programa Florestinha, no qual crianças visitam as dependências da 4ª CiaMAmb e participam de hora cívica, palestra educativa e ganham a oportunidade de ter contato direto com a natureza.

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Multas aplicadas de janeiro a julho por causa de apreensões de animais chegam a R$ 1.674.771,60. (Foto: Felipe Couri)

 

Esse tipo de crime pode ser denunciado pela população, diretamente à Polícia Militar de Meio Ambiente, pelo telefone 3228-9050 ou pelo Disque-denúncia 181. Os criminosos ficam sujeitos a pena de detenção de seis meses a um ano, multa de R$ 975,42 pelo ato acrescido de R$ 1.625,70 por bicho apreendido. Sendo animal ameaçado de extinção, o valor acrescido é R$ 16.257,00. “As pessoas precisam se conscientizar que os animais não devem ser retirados de seu habitat natural, não devem ser caçados, maltratados e, aqueles que tomem conhecimento de pessoas que insistem na prática ilegal, devem denunciar”, pontua o capitão, ressaltando: “São animais silvestres, que vivem na natureza, sem nenhum tipo de intervenção humana, ou seja, não são vacinados, não vão ao veterinário e, sendo assim, o contato desses animais com o homem tem resultado desconhecido.”

“Se for o caso de a pessoa adquirir um animal silvestre, tem que ser de criadores legalizados, pois o animal terá microchip e nota fiscal para evitar problemas com a lei. As pessoas não devem participar dessa cadeia do tráfico que, além dos maus-tratos, é deletéria para o meio ambiente”, alerta o chefe da unidade técnica do Ibama em Juiz de Fora, Luiz Binatti.

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