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Trânsito já matou 12 pessoas só este ano em Juiz de Fora

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Imprudência, imperícia, distração. Várias podem ser as causas dos acidentes. Fato é que o trânsito está assustadoramente violento este ano em Juiz de Fora, sobretudo para os pedestres. Só em março, quatro pessoas de diferentes faixas etárias morreram atropeladas em distintas regiões da cidade, duas delas por motos e em importantes avenidas. No mesmo mês, pelo menos mais seis vítimas tiveram ferimentos após serem atingidas nas vias do município, três delas por veículos de duas rodas. Se levarmos em conta os três primeiros meses de 2018, o número de mortes no trânsito chega a 12, ou a um óbito por semana, totalizando cinco atropelamentos – um deles na linha férrea – e sete acidentes diversos, como abalroamentos. Em dois destes, os condutores chegaram a ser presos por embriaguez ao volante, evidenciando o descumprimento à Lei Seca. Ainda conforme levantamento da Tribuna, em todo o ano passado, pelo menos 31 pessoas perderam suas vidas em meio ao tráfego, sendo 18 delas atropeladas. A soma leva em conta as oito vítimas atingidas por trens.

A correria do dia a dia e a explosão da frota de automóveis podem ter contribuído para a triste estatística, ao mesmo tempo em que campanhas de conscientização e fiscalizações parecem insuficientes diante do comportamento visto no trânsito. Para especialistas, o respeito às leis, a educação, e o posicionamento seguro de cada um fazem toda diferença nessa convivência entre pedestres e motoristas. Dados da Polícia Militar mostram que os atropelamentos diminuíram mais de 11% entre 2016 e 2017, passando de 418 para 371. Mesmo assim, a letalidade aumentou, de 11 para 12 óbitos. Já os demais tipos de acidentes, como colisões, reduziram quase 9%, saindo de 2.282 ocorrências no ano retrasado e chegando a 2.081 no ano passado. No mesmo período, as mortes nesses casos tiveram uma queda considerável de 38%, caindo de 21 para 13.

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A redução em quase todos os segmentos apresentada pelos dados oficiais se contrapõe à violência das vias urbanas no primeiro trimestre de 2018. Em alguns dos casos, o desrespeito às regras foi flagrante. Em um dos atropelamentos fatais de março, por exemplo, o motociclista era inabilitado. Em outro, o motorista afirma à PM ter feito uma conversão proibida. Não que os pedestres estejam sempre corretos, já que travessias arriscadas são facilmente captadas. Há problemas em ambos os lados. Como acidentes não podem ser previstos, mas podem ser prevenidos, cabe ao poder público orientar a população, além de fiscalizar e arquitetar o tráfego da forma mais segura possível. O secretário de Transporte e Trânsito, Rodrigo Tortoriello, garante que a pasta está cumprindo seu papel, mas destaca: “É importante que respeitem a sinalização, tanto de pedestres quanto de veículos”. Segundo ele, o telefone também tem sido um vilão. “Os celulares têm distraído as pessoas e aumentado o risco de acidentes. Temos verificado isso nas ruas. Motoristas conseguimos autuar, pedestres, não.”

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Para a presidente da Comissão Municipal de Segurança e Educação para o Trânsito (Comset/JF), Ana Beatriz Chaves, a questão da violência no trânsito é mundial. “Temos problema de adensamento imenso de veículos, estímulo muito grande das empresas e, nem sempre, na mesma proporção, preocupação com o espaço urbano e a questão da mobilidade. O mundo vem buscando recuperar esse tempo onde foi muito estimulado o uso do automóvel. Hoje pensamos em alternativas de transporte coletivo de qualidade e uso de modais, como bicicleta. Há também o apelo da saúde, e temos percebido nas campanhas trabalhadas pelo Denatran a subjetividade, onde cada um é responsável pelo trânsito, pelo comportamento seguro, por fazer diferença nesse convívio.”

 

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PM garante aumento das blitze da Lei Seca

Somente nas operações Lei Seca realizadas este ano até 20 de março, 946 condutores foram abordados e 912 testes de bafômetro realizados, de acordo com a Polícia Militar. Em 105 procedimentos houve recusa em soprar o aparelho ou o resultado deu positivo para embriaguez. Além disso, foram flagrados 53 inabilitados. “Trabalhamos com prevenção e repressão, voltada para a fiscalização. Todos os dias temos blitze, com duas equipes grandes”, afirma o tenente Decio Vernay, comandante do Pelotão de Policiamento de Trânsito da PM (PPTran). “Também tivemos um grande aumento das operações Lei Seca. E temos a Parada Obrigatória, voltada só para motocicletas.”

Apesar dos trabalhos desenvolvidos, a PM destaca encontrar dificuldades diante da atitude dos condutores, que se valem de grupos em redes sociais para saber os pontos de blitz. “Quando montamos a operação, há vários grupos de WhatsApp, entre outros, que informam.” Segundo o tenente Vernay, isso dá uma impressão para o condutor de que ele não vai ser pego se beber e dirigir, porque vai saber onde tem polícia. “Acaba prejudicando o trânsito, porque nosso serviço não é multar, é tentar fazer um trânsito mais seguro. A pessoa que opta por divulgar o local da blitz, na verdade, está colocando uma vida em risco, porque pode até evitar que o motorista seja parado, mas não pode impedir esse condutor embriagado de atropelar alguém na rua.”

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Para o comandante, o problema do trânsito é de educação e, com foco nisso, a PM tem trabalhado com blitze educativas e, há anos, com a Transitolândia, mostrando já para as crianças a importância de seguir as regras e de ter atenção ao tráfego. “O trânsito faz parte da vida das pessoas, não é algo externo. Carece de uma atenção maior, que não verificamos no nosso país. É realmente uma mudança de cultura, de atitude.” Ana Beatriz Chaves, presidente da Comset/JF, faz coro: “A Comset, nesses 26 anos, tem a intenção de unir forças, trazer para Juiz de Fora essa consciência subjetiva de atenção no trânsito e cuidado com a própria vida. Vemos pequenos reflexos, mas realmente demora tempos para mudar uma cultura. Hoje já podemos sentir que, em algumas ruas, veículos estão começando a parar para pedestres atravessarem. Mesmo assim, o pedestre não deve relaxar no trânsito, a atenção deve ser sempre prioritária. Mas já vemos comportamento diferenciado de condutores.”

“Precisamos atingir também os motociclistas”

As motocicletas costumam ser as primeiras a arrancar nos sinais, são ágeis e, por serem menores, mais difíceis de serem avistadas por pedestres, principalmente idosos. Nos quatro atropelamentos fatais de março, chama a atenção o fato de dois deles terem tido o envolvimento desses veículos de duas rodas, além de duas das vítimas serem da terceira idade.

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No dia 15, uma mulher de 36 anos morreu atropelada na Avenida Brasil, na altura do Bairro Cerâmica, Zona Norte. O motociclista envolvido no acidente, 27, era inabilitado, conforme a PM. Oito dias antes, uma idosa, 74, faleceu após ser atingida, também por moto, em plena Avenida Rio Branco, esquina com a Rua Floriano Peixoto, na pista sentido Manoel Honório/Bom Pastor, no Centro. O mesmo tipo de veículo aparece em, pelo menos, outros três atropelamentos não letais ocorridos no mês passado.

Já os outros dois casos fatais recentes envolveram ônibus e automóvel. No dia 21, uma mulher, 58, morreu após ser atropelada pelo coletivo de uma empresa de turismo no cruzamento das ruas da Bahia e Pinto de Moura, no Poço Rico, Zona Sudeste. O motorista teria feito uma conversão proibida, conforme relatado à PM. No dia 27, uma idosa, 70, morreu após ser atropelada por um carro na Rua Floriano Peixoto, a poucos metros da esquina com a Avenida Getúlio Vargas, no Centro.

De acordo com o comandante do PPtran, tenente Decio Vernay, a PM está atenta e só em 2018, até 20 de março, a 4ª Companhia Independente de Policiamento Especializado realizou 106 operações de Parada Obrigatória, voltadas para abordagem de motociclistas. “Este ano estamos mais focados na prevenção e redução de acidentes.”

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Na opinião da presidente da Comset/JF, Ana Beatriz Chaves, o envolvimento de motos em acidentes graves está ligado diretamente aos condutores e, não, aos veículos. “É um modal prático, útil, criado na intenção de ter essa agilidade no trânsito. O problema não é a motocicleta, é quem a conduz, porque o fato de ser ágil, não quer dizer que seja irresponsável. Isso vai de quem esta conduzindo. Temos muitos motoclubes extremamente responsáveis, com consciência de cidadania e direção. Mas é necessário, sim, trabalho, unir forças para que esse público seja atingido”, sugere.

Para exemplificar com uma situação frequente, ela cita a Avenida Rio Branco, que tem pista dupla: “Próximo a uma faixa de pedestres, um veículo para, o outro para, mas ainda temos a motocicleta para parar. Se o condutor do automóvel começa a mudar de comportamento, mesmo que longe do ideal, precisamos atingir também os motociclistas.” Ana Beatriz afirma que as campanhas começam a ter esse caráter de pessoalidade. “É avanço trazer para si a corresponsabilidade pela própria vida e pela vida do outro.” Ela lamenta as mortes citadas na matéria. “A própria vida e a vida do outro estão nas nossas mãos. Temos que ter muito cuidado, porque realmente o trânsito pode matar e lesionar, é necessário atenção redobrada.”

 

Settra reafirma rever tempo de travessia em cruzamentos

Cruzamento da Avenida Barão do Rio Branco com Rua Floriano Peixoto, onde uma mulher morreu atropelada este ano, é um dos mais perigosos da área Central (Foto: Leonardo Costa)

O secretário de Transporte e Trânsito, Rodrigo Tortoriello, também aponta o comportamento das pessoas como uma das principais preocupações. “Temos feito trabalhos de conscientização, campanhas educativas. Estamos trazendo a sociedade para nossas conversas. Tivemos uma boa reunião na Comissão de Idosos na Câmara”, avalia o secretário, reafirmando que a Settra vai contratar, até o fim do ano, uma empresa para rever os tempos de travessia em alguns dos 160 cruzamentos semaforizados na cidade. O pedido teria sido feito sobretudo em prol da terceira idade, constante alvo de atropelamentos. “É uma reação em cadeia, por isso (o trabalho) tem que ser feito com bastante critério e cautela para não prejudicar toda a sociedade. Precisamos saber onde e como devemos mudar”, pondera o secretário.
Tortoriello destaca que os trabalhos de prevenção, inclusive com visitas a escolas, empresas e entidades, são intensificados no Maio Amarelo e em setembro, na Semana Nacional do Trânsito. Em relação ao Conselho Municipal de Transportes e Trânsito, presidido também por ele, diz estar em fase de reestruturação. “Terminou o mandato dos conselheiros ano passado. Fizemos já várias assembleias para renomear os participantes este ano. Devemos publicar nos próximos dias.”

Na visão do secretário, a quantidade de mortes por acidentes nas vias urbanas este ano foram “uma infeliz coincidência, porque aconteceram em regiões diferentes”. “Vamos analisar caso a caso, mas entendemos que ocorreram da mesma forma que ficam vários meses sem acontecer (acidentes graves).” Para ele, se todos respeitassem as leis de trânsito, os acidentes diminuiriam e seriam de menor gravidade. “Essa infeliz coincidência é só reflexo da imprudência dos motoristas, não só aqui, mas no país inteiro.”

 

Linha férrea

A MRS Logística, concessionária que administra a malha ferroviária que corta Juiz de Fora, também afirma fazer campanhas constantes de conscientização. Segundo a empresa, apesar dos esforços, houve 15 acidentes no ano passado, diante dos 11 contabilizados em 2016, confirmando o município como o maior em registro de ocorrências, entre as 105 cidades onde a empresa atua. Embora não tenha dados sobre fatalidade e tipo de acidente, a assessoria confirma que a maioria dos sinistros envolve pedestres e tem “grande potencial de dano, pelo peso dos trens”. “Nossos esforços de conscientização são intensos. Atuamos nas passagens em nível, em escolas, associações de bairro, junto a entidades municipais de trânsito e realizamos campanhas especiais. Podemos chegar a resultados exemplares em JF, mas precisamos da cultura correta de uma parcela da cidade que ainda insiste em achar que vale a pena se arriscar na frente de um veículo de milhares de toneladas.” A MRS também criou o projeto Linha da Vida e tem apostado nas mídias sociais para reverter esse quadro.

 

Fiscalização, educação e engenharia de tráfego

Professora do Departamento de Ciências Sociais da PUC Minas e doutora em Sociologia pela UFMG, Andreia dos Santos afirma que a questão do trânsito no Brasil e no mundo passa por um triângulo já conhecido de atividades que são públicas e devem ser promovidas pelo Estado: fiscalização, educação e engenharia de tráfego. “A fiscalização vem sempre acompanhada de um processo contínuo de educação e vai afetar as pessoas que estão lidando mais diretamente com o trânsito, como pedestres, motociclistas e motoristas. Há uma gama de atores nesse processo, é bem uma rede intrincada. Em outro pé desse triângulo, temos a engenharia de tráfego, mais específica do Estado, com a presença de semáforos e sinalização.”

Segundo ela, além do trilátero, há uma outra questão, política, ligada ao processo: “O trânsito é feito de uma disputa de interesses. De mão e contramão, de quem atravessa, de quem tem prioridade. Quando isso não é respeitado dentro de um acordo civilizatório, temos eventos que podem causar morte. Chamamos de acidentes de trânsito, mas também está ligado a algumas decisões individuais, como beber e dirigir, conduzir em alta velocidade, não respeitar as leis que já foram acordadas anteriormente. Tudo isso acaba causando um acidente e, muitas vezes, mais custos à política pública. A partir do momento em que eu perco uma vida ou tenho uma pessoa permanentemente aleijada, ou com restrição de movimentos, estou deixando de produzir riqueza para o país e pagando custos de indenização. Tem que ser pensado e discutido dentro de um arranjo público social.”

Andreia destaca que o trânsito é multidisciplinar, não sendo um debate exclusivamente sociológico. “É uma discussão legal, de saúde. Tem uma construção mais efetiva dentro do processo civilizatório da vida das pessoas.” Para a especialista, é necessário um processo contínuo de socialização para estar no trânsito, respeitando, conhecendo e discutindo as regras quando elas se modificam. “Quando isso tudo falha, é que temos acidentes. Em função disso, já estamos falando até em veículos não tripulados, dirigidos por computador, para evitar um número maior de perdas humanas. A grande solução para o trânsito no futuro é a tecnologia a serviço do homem.”

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