Onde passado e presente se encontram: Serafim Francisco Manço e as recordações do Moinho Vera Cruz
Aos 84 anos, Serafim revisita local em que funcionava a fábrica de moagem de trigos, onde trabalhou por quase 30 anos, e fala sobre mudanças na Zona Norte da cidade

Do prédio mais alto da cidade – assim considerado por décadas -, Serafim Francisco Manço, tinha uma vista privilegiada da Zona Norte de Juiz de Fora. Por quase 30 anos, ele trabalhou no antigo Moinho Vera Cruz como operário, lidando com trigo e seus derivados. Durante este mês, que marca o aniversário de 175 anos da cidade, ele, aos 84, visitou, junto com a reportagem, o prédio em que funcionava a fábrica. Quase como uma viagem ao tempo, Serafim compartilhou as lembranças da época em que vivia a rotina industrial e falou sobre as mudanças que reconfiguraram a região.
A indústria de moagem de trigo escolheu Juiz de Fora para ser sua sede na década de 1960. A fábrica se tornou um polo de oportunidades, gerando empregos para muitos moradores locais e atraindo trabalhadores de outras cidades. Esse foi o caso de Serafim: nascido em Muriaé, a 160 quilômetros de Juiz de Fora, ele deixou sua terra natal aos 36 anos, quando surgiu a proposta para trabalhar no Moinho. Até então, sua vida era dedicada à lida na roça, onde ajudava seu pai e sua mãe a plantar milho, arroz e feijão. De uma família grande, com cinco irmãos e uma irmã, foi justamente através da indicação dos irmãos, funcionários do Moinho, que conseguiu o trabalho na fábrica, marcando um capítulo fundamental na sua história. “Aqui era melhor. Trabalhar na roça não tinha carteira assinada e aqui tinha”, comenta.

A relação familiar se manteve dentro da fábrica. No local, ele chegou a ser encarregado do irmão e vice-versa, mas o ex-operário garante que isso nunca atrapalhou a união deles, pelo contrário. A família foi crescendo. Ele, por exemplo, criou seis filhos com o serviço. Serafim começou a trabalhar no Moinho Vera Cruz em 1966 e saiu, 27 anos depois, ao se aposentar. A empresa encerrou suas atividades em 2005. O local faz parte não só da trajetória de Serafim, mas também da história industrial de Juiz de Fora. Atualmente, o lugar dá espaço ao Moinho, um hub de inovação que mescla atividades que envolvem moradia, saúde, educação e empreendedorismo. “Era muito diferente do que é hoje. Eu gostava de trabalhar aqui. Sinto saudades dessa época”, diz saudoso. As transformações do bairro também chamam a sua atenção. “O bairro mudou muito, para melhor, antes tinham poucos comércios e agora tem muito mais opção.”
Durante seu retono e visita ao local, o que mais lhe causou surpresa foi o silêncio. O antigo lugar tinha muito barulho, ele conta, por causa dos maquinários. O ex-operário também comenta que antes não tinha elevador e os trabalhadores precisavam usar as escadas, momento em que conversavam uns com os outros. Serafim e tantos outros dão rosto à história da antiga fábrica na exposição “Moinho pelo tempo”. A proposta, de acordo com as organizadoras Carú Rezende e Fernanda Lauro, é valorizar a história feita por pessoas reais, que constroem no dia a dia o que chamamos de memória. Ao olhar para a tela com sua foto, na qual ele está com o seu tradicional chapéu – acessório indispensável para ele, Serafim se emociona. “Tenho a sorte de manter o legado da minha família vivo e faço questão de passar tudo que vivi aqui para os meus netos.”
Tópicos: juiz de fora / Zona Norte