‘Gente que fez a Tribuna’: GetĂșlio Vargas Machado e o Caso Castilho
O Caso Castilho
GetĂșlio Vargas Machado, repĂłrter da Tribuna entre 1981 e 2008
Em dezembro de 1996, lĂĄ da cidade de ParaĂba do Sul (RJ), uma mulher viajou atĂ© Juiz de Fora para ir Ă PolĂcia fazer um registro de ocorrĂȘncia. O marido havia desaparecido dois ou trĂȘs dias antes. AtĂ© onde se sabia, o sujeito negociava peças de joalheria. Começou ali uma investigação para descobrir o que havia acontecido.
Neste meio tempo, entrou no circuito o comerciante de artigos de religiĂ”es de matrizes-africanas JoĂŁo Castilho. Ele, depois fiquei sabendo, tambĂ©m negociava joias. Descobriu-se que JoĂŁo Castilho e o homem desaparecido faziam comĂ©rcio de joias um com o outro, o que fez de Castilho um suspeito. Ă Ă©poca, inclusive, ele jĂĄ estava sendo investigado pelo homicĂdio de um bicheiro. O JoĂŁo Castilho tinha um sĂtio localizado na estrada a meio caminho do Clube NĂĄutico Juiz de Fora. Castilho utilizava o sĂtio para atrair as pessoas com as quais tinha relacionamento para uma estadia.
Entretanto, a PolĂcia começou a suspeitar de queimas de arquivo em determinado momento. Passou entĂŁo a cavoucar aleatoriamente a ĂĄrea do sĂtio por suspeita de ocultação de cadĂĄveres. AtĂ© encontraram ossadas, mas apenas de galinhas, que eram sacrificadas nos cultos religiosos que aconteciam todas as sextas-feiras no sĂtio. Nada de ossadas de seres humanos. As investigaçÔes jĂĄ duravam cinco anos e nĂŁo avançavam.
ApĂłs trĂȘs ou quatro delegados comandarem sem sucesso as investigaçÔes, um novo titular assumiu o inquĂ©rito. Junto a sua equipe de inspetores e detetives, foi para o sĂtio. O delegado, entĂŁo, teve a ideia de chamar um coveiro para ajudar nas buscas. Parecia brincadeira um coveiro ajudando em uma investigação policial. Mas o delegado tinha razĂŁo. O coveiro, por exemplo, sabia quando os buracos eram recentes, porque a terra ficava mais fofa. A princĂpio, a PolĂcia encontrou trĂȘs cadĂĄveres. Dois dias depois, outros dois.
Havia se encontrado o bastante para incriminar JoĂŁo Castilho. As buscas foram encerradas. Um dos corpos era de uma criança de 14 anos, e os demais, de homens jĂĄ adultos. AliĂĄs, estes foram todos enterrados em covas redondas, ou seja, agachados, de cĂłcoras. E um dos cadĂĄveres era mesmo do homem de ParaĂba do Sul desaparecido. As roupas foram reconhecidas pela esposa.
Coincidentemente, no dia em que os corpos foram encontrados, eu havia ido atĂ© a Delegacia para saber o andamento das investigaçÔes. Ă Ă©poca, eu mantinha um bom relacionamento com um dos detetives. Bastou ele passar por mim e cochichar que as buscas no sĂtio tinham avançado para que eu ligasse para a Redação, pedisse um carro e um fotĂłgrafo e me deslocasse para o NĂĄutico.
Cheguei ao NĂĄutico me achando o dono da sardinha branca, jĂĄ que tinha um furo de reportagem nas mĂŁos. Um furo de reportagem por si sĂł jĂĄ nos deixa felizes da vida. E ainda por cima eu estava prestes a dar um furo sobre a TV Globo e radialistas, que, apenas de vez em quando, apareciam na Delegacia. Mas o delegado me disse que nĂŁo falaria com a imprensa, porque o JoĂŁo Castilho nĂŁo havia ainda sido preso e ele nĂŁo queria perder a chance de prendĂȘ-lo. O delegado era novo. Eu nĂŁo o conhecia.
Caso a TV soubesse das informaçÔes e fizesse as imagens, a notĂcia sairia logo depois. E, no impresso, fazĂamos a matĂ©ria em um dia para sair somente no outro. SĂł que, como havia dois detetives que me conheciam, fizeram uma mĂ©dia com o delegado, que me deixou entrar no sĂtio. Mas havia um detalhe: eu poderia apurar as informaçÔes e o repĂłrter fotogrĂĄfico, fazer as imagens. JĂĄ a matĂ©ria nĂŁo poderia ser publicada no dia seguinte caso o JoĂŁo Castilho nĂŁo fosse preso.
EntĂŁo, eu liguei para o editor Carlos Fedoceo Neto. Disse que jĂĄ tinha tudo, mas que o delegado autorizaria a publicação da matĂ©ria somente se o JoĂŁo Castilho fosse preso naquele mesmo dia. O Carlos Neto apenas pediu que eu escrevesse o texto. NĂŁo me lembro se na mĂĄquina de datilografar ou em um computador safadinho que a Redação jĂĄ tinha. Eu apenas escrevi. E, de vez em quando, os repĂłrteres tĂȘm um pouquinho de sorte. Ăs 19h, o editor entrou em contato comigo e disse que a matĂ©ria sairia. A PolĂcia havia detido o JoĂŁo Castilho.
TĂłpicos: tribuna 40 anos