IA permite prever envelhecimento cerebral com análise de ressonância magnética

Pesquisa identifica marcadores como espessura do córtex e volume da massa cinzenta como indicadores da saúde do cérebro


Por Bruno Pereira, Agência Einstein

30/07/2025 às 09h34

Cerebro IA
Padrões estruturais podem sinalizar riscos como perda de memória e maior probabilidade de morte a partir de indícios sutis de atrofia cerebral (Foto: Pexels)

Um estudo realizado por neurocientistas da Universidade Duke, nos Estados Unidos, publicado em julho na revista Nature Aging, aponta que um único exame de ressonância magnética pode indicar a velocidade do envelhecimento cerebral. A pesquisa analisou 50 mil exames de imagem e destacou a espessura do córtex cerebral e o volume da massa cinzenta como marcadores relevantes da saúde do cérebro.

Esses padrões estruturais podem sinalizar riscos como perda de memória e maior probabilidade de morte a partir de indícios sutis de atrofia cerebral. A investigação utilizou dados do estudo Dunedin, que acompanha há mais de 50 anos a vida de mil voluntários na Nova Zelândia. A partir da observação clínica dos traços do envelhecimento cerebral nessas pessoas, os pesquisadores propuseram um modelo para análise de imagens do órgão usando uma inteligência artificial, batizada de DunedinPACNI, que pode estimar o ritmo do relógio biológico de cada um.

Para o neurologista Marco Túlio Pedatella, do Einstein Hospital Israelita em Goiânia, a ferramenta desenvolvida pelos pesquisadores é uma técnica promissora para detectar risco de declínio cognitivo antes dos sintomas iniciais. “Ao observar dados como redução do volume da substância cinzenta e branca e atrofia hipocampal, o modelo criado pelos pesquisadores consegue estimar o envelhecimento cerebral com mudanças na velocidade de processamento, lentificação motora, queda de memória e coordenação prejudicada”, analisa Pedatella. “Isso permite prever declínio funcional mesmo em pessoas ainda assintomáticas e estimar o ritmo individual de envelhecimento biológico.”

O modelo não depende de novas tecnologias além da análise feita por inteligências artificiais dos exames de imagem já disponíveis. A proposta apenas estabelece parâmetros que interpretam a estrutura cerebral captada por ressonâncias convencionais. Segundo os autores, tal análise se mostrou mais precisa para avaliar o envelhecimento biológico do que marcadores baseados em exames de sangue e de desempenho físico.

Aplicações clínicas ainda limitadas

Para o neurologista Eduardo Zimmer, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a automação dessas avaliações deve ser vista com cautela, já que mais pesquisas são necessárias até que possa ser incorporada na prática clínica. “É preciso lembrar que o modelo foi desenvolvido apenas usando cérebros de neozelandeses. Precisamos validar essas métricas com exames feitos no Brasil antes de adotar qualquer padrão de referência”, observa.

Além disso, ainda é pequena a parcela da população brasileira que tem acesso a exames de ressonância magnética, mesmo na saúde privada. Na visão do neurologista Victor Calil, membro da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), por ora, o procedimento deve continuar sendo realizado apenas quando houver queixas cognitivas.

“O envelhecimento cerebral é um processo normal. Assim como em todos os órgãos, certo nível de atrofia é esperada com a idade”, afirma Calil. “Claro que é importante em contextos clínicos específicos avaliar se o envelhecimento está dentro do esperado, como na presença de queixas de dificuldades cognitivas, mas de forma geral fazer uma ressonância em pessoas assintomáticas tem pouco valor e pode gerar mais ansiedade do que benefícios.”

Desafios para o SUS

No dia a dia da atenção básica, o rastreio do envelhecimento cerebral depende de exames simples. Testes neuropsicológicos ajudam a avaliar o desempenho motor e o processamento cognitivo, indicando os sintomas de demência antes de ser recomendada a consulta com o neurologista. Essas avaliações podem ser aplicadas até mesmo por agentes comunitários de saúde durante visitas domiciliares a pacientes.

No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) ainda não dispõe de protocolo para rastrear o envelhecimento cerebral por exames de imagem. “Para incluir exames mais avançados como a ressonância ou avaliações específicas na saúde pública seria necessário capacitar equipes da atenção primária para reconhecer pacientes com declínio cognitivo importante, estabelecer fluxos de referência para neurologistas e garantir financiamento e estrutura diagnóstica, o que não tem sido feito”, alerta Pedatella.

Em qualquer cenário, porém, a melhor forma de preservar as funções cerebrais ainda é manter uma boa saúde. Manter controladas as doenças crônicas cardiovasculares, estimular a aprendizagem contínua, fazer atividade física com frequência, ter uma alimentação equilibrada e uma boa rotina de sono são fatores que reduzem os riscos a longo prazo.

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