Juiz de Fora é a quinta cidade com mais ocorrências de desastres naturais em 2024
Município aparece no ranking do Cemaden com metade das ocorrências contabilizadas em Petrópolis, cidade que lidera a lista com mais ocorrências de deslizamentos ou inundações
Juiz de Fora ocupa a quinta posição no ranking de ocorrências de desastres registradas em 2024 pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), unidade de pesquisa vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). A cidade registrou metade do número de ocorrências contabilizado na cidade de Petrópolis, no Rio de Janeiro, que lidera a lista. Foram dez casos de risco geológico, como deslizamento de terra, e 12 episódios associados a risco hidrológico, como enxurradas e transbordamentos de rios e córregos, totalizando 22 notificações.
Para o levantamento, o Cemaden considerou as 1.133 cidades brasileiras que são constantemente monitoradas pelo Centro por apresentarem histórico de ocorrência de desastres, o que corresponde a 20% do total de municípios do país e cerca de 60% da população. Dentro deste universo, 1.690 eventos foram registrados. Este é o terceiro maior número desde o início das atividades de monitoramento em 2011.
A maioria das ocorrências notificadas foi de origem hidrológica, representando 68% dos episódios, enquanto as de risco geológico representam 32%. O centro de pesquisa pontua que a predominância de eventos hidrológicos reflete os impactos recorrentes das enchentes e enxurradas, majoritariamente em áreas urbanas mais vulneráveis.
Em relação ao cenário de Juiz de Fora, o órgão informa que foram emitidos 32 alertas de desastres no ano passado. O diretor do Departamento para o Clima e Sustentabilidade do MCTI, Osvaldo Moraes, explica que alerta de desastre não é sinônimo de ocorrência de evento meteorológico extremo.
“O desastre é o impacto do evento meteorológico e não apenas a ocorrência do evento. O Cemaden emite o alerta do potencial impacto que um evento intenso pode ocasionar”, afirma. O impacto depende das condições e vulnerabilidades de cada localidade e, neste tópico, o município totaliza 22 casos, como exposto anteriormente.
‘Juiz de Fora está sempre no nosso radar’
O Cemaden opera 24 horas por dia, sete dias da semana, e um alerta é emitido para a Defesa Civil dos municípios monitorados quando alguma situação de risco iminente é identificada. “O alerta contém informações técnicas com a construção do cenário de risco, a previsão e o que pode acontecer, além de ter instruções de como a Defesa Civil deve proceder em ações de resposta”, explica o especialista em desastres do Cemaden Rafael Luiz, ressaltando que o aviso não é direcionado à população. “O alerta é exclusivo da Defesa Civil. Os municípios têm autonomia para decidir o que vão fazer com a informação, inclusive o município pode até não fazer nada, ele tem essa autonomia garantida por lei para receber o alerta e fazer a sua gestão de risco.”
O especialista comenta que o número de alertas e de ocorrências disparou devido a questões climáticas e ao fato dos municípios não se adaptarem à forma ideal para minimizar os impactos das chuvas. “Existem muitos municípios que possuem uma deficiência no sistema de drenagem e de contenção de encostas. Isso é um reflexo da falta de políticas públicas. São poucos os municípios que possuem uma Defesa Civil com boa estrutura, o que dificulta o atendimento a emergências e o trabalho de prevenção.”
Em relação a Juiz de Fora, Rafael ressalta que o município é de porte médio para pequeno, mas possui situação delicada porque está situado em uma região geograficamente favorável a ocorrências relacionadas a chuvas e alterações do clima. “A cidade já tem um histórico de ocorrências de desastres, e quando se tem uma ocupação irregular, uma situação de exposição e vulnerabilidade, sempre acaba figurando no ranking. É uma cidade que está sempre no nosso radar.”
Fatores que contribuem para desastres naturais
O professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Fabrício Alvim ressalta que grande fração da população de Juiz de Fora está vulnerável a risco de deslizamento de terra, enxurradas e alagamentos. De acordo com a última estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Juiz de Fora tem 128.946 habitantes que vivem em áreas de risco – o que representa cerca de 25% do total da população da cidade. O número foi calculado com base no Censo de 2010, por isso, está defasado. Dados atualizados, a partir dos resultados do Censo 2022, ainda estão sendo desenvolvidos pelo instituto e devem ser divulgados neste ano. No total, o município possui 142 áreas de risco geológico e 27 de risco hidrológico.
“Juiz de Fora vem se mantendo no topo do ranking das áreas com maior número de alertas de risco de desastre no Brasil nos últimos anos. É interessante observar que esse tipo de alerta está muito relacionado a municípios com adensamento demográficos muito altos e/ou com relevos muito irregulares, muito montanhosos”, diz o professor.
Fabrício, junto com outros professores da UFJF, participa de um estudo sobre prevenção de deslizamentos de encostas através da restauração florestal e conservação da biodiversidade da mata atlântica. O pesquisador avalia que o relevo acidentado da cidade colabora para a ocorrência de desastres naturais. “Nós temos um grande adensamento de populações carentes (morando) nesses relevos e muitas vezes com construções irregulares, o que faz com que esses terrenos sejam muito instáveis. Desde a sua fundação, Juiz de Fora é uma cidade muito suscetível a inundações. Boa parte da cidade foi drenada pelos engenheiros Halfeld no século XIX. A cidade tem um histórico de alagamento e de ocupação de áreas naturalmente alagadas.”
O Plano Municipal da Mata Atlântica, finalizado em 2023 e coordenado por Fabrício, mostra que a área central de Juiz de Fora foi instalada em locais drenados. O especialista pontua que os eventos extremos esperados – como grande volume de chuva em um curto espaço de tempo, combinados com a falta de manutenção dos sistemas de drenagem, o descarte irregular de lixo, a impermeabilização do solo e as construções irregulares formam um cenário suscetível a desastres.
Como alternativa para mitigar tais ocorrências, Fabrício coloca como principais soluções a manutenção das drenagens, a fiscalização das áreas de risco e medidas de planejamento, como instalação de barreiras e bolsões de área verde que vão funcionar como esponja e vão reter a água em períodos de chuva excessiva.
Defesa Civil afirma que ocorrências relacionadas às chuvas reduziram quase 40%
Em resposta à Tribuna sobre as questões apontadas pela matéria, a Defesa Civil da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) informou que o número de ocorrências de resposta aos desastres causados por chuvas na cidade reduziu de 1.224 para 736 no período entre 2021 e 2024, o que representa uma queda de 39,8% dos episódios. O órgão enfatiza que o trabalho preventivo é o responsável por esses resultados. Em quatros anos, a Defesa Civil realizou mais de 3.650 vistorias preventivas. No ano passado, foram realizadas 1.404 e esse total, segundo o órgão, foi o maior volume realizado em um ano desde a criação em 1974.
Dentre os trabalhos realizados para prevenir e mitigar tais desastres, a Defesa Civil destaca intervenções de contenção de encostas e obras de drenagem distribuídas nos bairros Grajaú, Santa Luzia, Borboleta, Benfica e outros.
“O Indicador de Capacidade Municipal em Proteção e Defesa Civil (ICM), parâmetro que avalia a condição do Município em atuar na gestão de riscos e desastres, levando em consideração as características da cidade, Juiz de Fora se encontra na faixa A, isto é, a classificação mais alta, refletindo a resiliência da cidade frente aos eventos adversos.”
Por meio do Planejamento de Risco ou Plano de Recuperação de Desastres, a Defesa Civil trabalha em parceria com o Corpo de Bombeiros, Demlurb, Cemig, entre outros órgãos, em caso de ocorrência de emergência climática. Além disso, segundo o órgão, Juiz de Fora possui a primeira Defesa Civil do Brasil a utilizar inteligência artificial para monitorar o nível d’água em tempo real. O sistema videomonitoramento com mais de 220 câmeras permite o acompanhamento de pontos estratégicos em tempo real, 24 horas por dia. “Graças ao trabalho de prevenção, diferentemente de municípios da região, não há vítima fatal em Juiz de Fora em função de desastres”, reforça o órgão.
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