Girassóis

Por Nara Vidal

Semana passada, minha filha terminou a escola primária. Um turbilhão de emoções nos acompanha quando momentos marcantes assim acontecem. Isso não é característica minha; todo pai e mãe sente essa mistura de melancolia pelo passado e entusiasmo por um futuro que começa a ser escrito. Há uma inevitável vistoria feita dentro de nós nesse papel memorável que é o de pai ou mãe com acertos, erros, hesitações, certezas, boas intenções, sacrifícios. Somos todos feitos dessas emoções diariamente, mas quando uma etapa tão significativa assim se completa, é normal que haja reminiscência. Aquela foto do primeiro dia usando o uniforme, os olhos brilhantes de desconhecimento, curiosidade em contraste com a foto do último dia que traz uma mocinha de aparelhos nos dentes e que tem em comum com a menina de quatro anos os olhos brilhantes de desconhecimento e a curiosidade.

No último dia, depois de deixá-la no portão da escola, passei numa loja e comprei um buquê de girassóis. Eram para ela, parecem-se com ela. Quando ela chegou, entreguei-lhe as flores e ela se surpreendeu. Disse que era a primeira vez que ganhava flores e por isso estava mesmo virando gente grande. As flores eram para trazer cor e mais vida para casa, mas acima de qualquer coisa, eu queria agradecer a caminhada. Agradecer por ela ter deixado eu segurar a sua mão quando, tantas vezes, era ela quem me guiava. Várias vezes, eu nem sabia para onde estava andando e ela ainda assim, confiou em mim, de mãos firmes a, às vezes, olhos fechados.

Agora, tenho diante de mim uma menina que cresce diante dos nossos olhos, se transforma por dentro e por fora a cada suspiro de saudade das gengivas banguelas que me mordiam o queixo quando tinha meses de vida. Um caminho a ser feito é uma coisa formidável. Como pai e mãe, a gente sonha, imagina, mas é para nunca nos esquecermos que os pés agora são dela, a vontade e os desejos são dela, a vida, enfim, é dela. Cabe a quem olha, a torcida, cabe estar a postos para qualquer eventualidade, cabe esperar que mude de ideia quando nos ignorar por anos e anos, cabe a nós o que não cabe mais a nós.

Para falar a verdade, acho que o que mais quero para ela é conseguir, ao longo do seu futuro, identificar os mesmos olhos cheios de brilho pelo desconhecido e repletos de curiosidade e que não lhe falta vontade de vida e girassóis. Planejar um futuro é um enorme privilégio.

Nara Vidal

Nara Vidal

Nara Vidal é escritora. Nascida em Guarani, Zona da Mata mineira, em 1974, há quase duas décadas vive em Londres. É autora de mais de uma dezena de títulos, a maioria deles publicados em português. Dentre eles, os infanto-juvenis "Dagoberto" (Rona Editora) e "Pindorama de Sucupira" (Penninha Edições), os de contos "Lugar comum" (Passavento) e "A loucura dos outros" (Reformatório), e o romance "Sorte" (Moinhos), premiado com o terceiro lugar no Oceanos de 2019.

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