Progresso

Por Nara Vidal

A palavra vem do latim progressus, ir adiante. Também significa melhoria, evolução, desenvolvimento gradual. O seu antônimo seria regresso. Ou seja, retrocesso, andar para trás, regresso. Curiosamente, essa reflexão sobre a etimologia e significado da palavra, me faz pensar que a palavra “progresso” não é um vocábulo de fácil ou rápido entendimento. É caprichoso e o que é progresso para um, é atraso para outro.
Eu não me esqueço do dia em que, falando com a minha mãe ao telefone, ela pediu que eu ligasse mais tarde porque não conseguia me ouvir devido ao barulho lá fora. Que barulho? – eu quis saber.
Ela me contou com naturalidade, mas com pesar, que naquele momento um caminhão da prefeitura jogava o asfalto pela nossa rua cobrindo as pedras, os paralelepípedos que sempre enfeitaram o caminho para os carros, bicicletas e carroças. Fiquei arrasada e muito inconformada. Pois tinham pedido opinião à população sobre cobrir a História com aquele asfalto de qualidade questionável que não demora três meses já está cheio de buraco, preenchendo de feiura o que antes era tão belo? Que a minha mãe parasse de falar comigo para ir fazer política e reivindicasse a permanência das pedras. Mas, ela não podia porque estava fazendo almoço e corria o risco de queimá-lo. Ainda me disse que, em outros tempos, teria ido, sim, tirar satisfações. Afinal, basta um cidadão questionar para que seu direito de ser ouvido seja posto em prática por aqueles que o representam. Nunca me esqueci daquele episódio. Quando visitei minha cidade de novo havia, não só um asfalto velho pela minha rua, como prédios mais altos do que comporta o horizonte interiorano bloqueando a vista para a montanha, a bananeira, a mangueira, a torre da igreja. Deveria existir uma lei que limitasse o número de andares e o tamanho do prédio nas cidadezinhas. Afinal, não é possível que esses municípios ambicionem ser uma selva de pedras, será? Fui informada que, imaginem, as pedrinhas atrapalhavam e danificavam os carros que queriam andar mais rápido. Claro, deve servir o progresso para os carros grandes e não para as bicicletas, porque onde estaria o status nisso, não é mesmo?
Mas saibam que os velhos paralelepípedos têm alta durabilidade e através da manutenção não precisam ser substituídos tão cedo, ajudando no orçamento da cidade. Além disso, aquecem muito menos que o asfalto que utiliza recursos muito menos renováveis.
Fiquei pensando nessas capitais europeias que servem de modelo de beleza para tanta gente. Aqui, as pessoas são incentivadas a andar de bicicleta e deixar o carro em casa. Ônibus e metrô são usados amplamente pela população, também e principalmente pelos políticos que são nossos empregados e devem ser os primeiros a fazer uso dos serviços públicos. Asfalto é coisa de progresso antigo, da época do Odorico Paraguaçu. É uma falsa melhoria porque precisa do dinheiro público para constante manutenção, além de estimular carros a correr nas estreitinhas ruas da cidade. Eu vejo como progresso uma cidade cujo centro e adjacências sejam fechadas a carros. Só entra a pé ou de bicicleta. Já viram carrão andar no centro de Roma? Nem eu. Aí, no centro da cidade, uma vez por semana, os agricultores locais poderiam vender seus produtos frescos, as pessoas poderiam vender bolos, doces, queijos na avenida em barraquinhas diversas. Flores também seriam vendidas e assim, do nada, o progresso teria chegado ao município. Os carrões serviriam para quem quisesse ir a Juiz de Fora comprar roupa e sapato no crediário para passear pelas ruas de pedrinha.
Cada um levaria sua própria bolsa para comprar frutas, legumes e verduras, teria um estacionamento de bicicleta ao longo das ruas todas arborizadas porque o calor é mesmo de castigar. Produtos fresquinhos e da roça, doces feitos ali mesmo, e tudo seria tão delicioso e as pessoas respirariam um ar tão puro que chegariam a achar que, do nada, teria caído na cidade um sentimento de evolução e sustentabilidade nunca notado antes pelos moradores e que se chamava progresso.
Mas simplicidade é um trem difícil, sô.

Nara Vidal

Nara Vidal

Nara Vidal é escritora. Nascida em Guarani, Zona da Mata mineira, em 1974, há quase duas décadas vive em Londres. É autora de mais de uma dezena de títulos, a maioria deles publicados em português. Dentre eles, os infanto-juvenis "Dagoberto" (Rona Editora) e "Pindorama de Sucupira" (Penninha Edições), os de contos "Lugar comum" (Passavento) e "A loucura dos outros" (Reformatório), e o romance "Sorte" (Moinhos), premiado com o terceiro lugar no Oceanos de 2019.

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