Admiração

Por Nara Vidal

O amor só consegue crescer se existir admiração.
Essa frase de para-choque de caminhão não deve ser mentira, se você pensar bem. É provável que um amor cresça por outros motivos também, mas sem admiração emperra, empaca e chega ao fim da linha. À medida que o espaço preenchido pelo admirável se esvazia, ele passa a ser preenchido, geralmente, pelo seu oposto. Considerando a complexidade que, inevitavelmente, compõe um relacionamento, essa equação é mais simples e mais nítida a olho nu do que a transição de amor para amizade ou cumplicidade ou hábito.
Mas quando falta ou abunda a admiração é difícil disfarçar: não há muito esconderijo. Ou se admira alguém ou não. Quantas vezes já ouvi de pessoas próximas sobre seus términos de relacionamentos pautados no completo desinteresse do par. Não havia admiração e por consequência, não havia interesse. É bastante simples e inacreditavelmente direta essa relação.
Não falo aqui exclusivamente de relações amorosas, de namoro, casamento. A relação com a família e os amigos também me parece carregar esse peso. Claro, se somos admirados, seria bom poder admirar também e se isso acontece é bem mais fácil manter viva uma relação que não seja fundamentada apenas em histórias e referências passadas. Quando um amigo empaca em pensamentos sombrios, fascistas, cruéis, antiquados e cafonas é bastante difícil cultivar a amizade em tempo real. A amizade se cristaliza. Embalamos aqueles momentos preciosos no melhor corte de seda, colocamos dentro de uma caixa bonita, fechamos, amarramos belos laços e enfiamos no fundo do armário.
Mas quando há admiração é como se aquele sol continuasse a brilhar, apesar de geografias, tempos, trancos e barrancos. As manifestações de admiração podem surgir das mais diferentes frentes, de formas inesperadas. Não faz muito tempo, meu filho fazia um dever de casa onde era ensinado a preencher formulários. – Eu sei… Enfim, os ingleses.
Profissão do pai: trabalha no escritório. Não sei direito o que faz.
Profissão da mãe: escritora. Tem vários livros publicados.
O curioso é que eu não me lembro de jamais ter proclamado na minha casa: “Pessoal, olha só, eu sou escritora, tá bem? Lembrem-se disso quando, no futuro, forem preencher seus formulários.”
Mas lá estava, de surpresa, uma manifestação de amor. Uma manifestação de amor porque no formulário frio e tolo, a observação atenta do meu filho sobre o que tento fazer durante horas e horas, inclusive, e principalmente, quando não falo sobre isso.
Esta semana chegou um pacote aqui endereçado para a minha filha. Quando ela chegou da escola, me entregou o embrulho e me disse que era um presente. Abri e me surpreendi com um par de brincos enormes e no melhor tom de azul possível, aquele azul meia-noite profundo, uma beleza. Mas fiquei pensando que eu não teria comprado aquele brinco pra mim mesma. Fiquei muito agradecida, surpresa e quis mesmo saber a razão daquele mimo fora de hora. Ela me explicou que eram brincos de festa e que ela acredita que eu tenha jeito de festa. Fiquei pensando em como agora eu conseguia entender a razão de, nos trabalhos da escola, ela sempre me desenhar com uma taça colorida de roxo e em como enxergam os outros o que nós nunca vemos em nós. Eu a admiro profundamente por isso.

Nara Vidal

Nara Vidal

Nara Vidal é escritora. Nascida em Guarani, Zona da Mata mineira, em 1974, há quase duas décadas vive em Londres. É autora de mais de uma dezena de títulos, a maioria deles publicados em português. Dentre eles, os infanto-juvenis "Dagoberto" (Rona Editora) e "Pindorama de Sucupira" (Penninha Edições), os de contos "Lugar comum" (Passavento) e "A loucura dos outros" (Reformatório), e o romance "Sorte" (Moinhos), premiado com o terceiro lugar no Oceanos de 2019.

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