O governo dos Estados Unidos, sob a presidência de Donald Trump, tem pressionado por uma reclassificação de facções criminosas latino-americanas, como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), como organizações terroristas.
Esses dois grupos tratam-se dos maiores nomes do crime organizado no Brasil. Contudo, essa proposta esbarrou na resistência do governo brasileiro, que busca intensificar o combate à criminalidade, mas resguardando a soberania nacional.
Durante uma reunião realizada nesta segunda-feira (6 de abril), representantes do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) afirmaram a enviados norte-americanos que, segundo a legislação brasileira, essas facções não se enquadram na definição de terrorismo, mas de organizações criminosas.
PCC e CV não devem ser classificados como terroristas pelos EUA
A iniciativa norte-americana não surgiu do nada. Desde o período eleitoral do ano passado, Donald Trump adotou um discurso de endurecimento no combate ao narcotráfico, prometendo ação firme contra os cartéis de drogas da América Latina.
Pouco depois de assumir o novo mandato, em janeiro, Trump assinou uma série de ordens executivas que pavimentam o caminho para tratar essas organizações como ameaças terroristas.
Esses decretos, embora ainda genéricos, já mencionavam grupos como o Tren de Aragua, da Venezuela, e Las Maras Salvatrucha, originária de El Salvador. Agora, a tentativa é de estender esse enquadramento também a grupos brasileiros, como PCC e CV.
O movimento ganhou força após o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), aliado político e ideológico de Trump, entregar a autoridades norte-americanas um dossiê elaborado pelas secretarias de segurança pública de São Paulo e do Rio de Janeiro.
No documento, supostas conexões do PCC e do CV com o grupo libanês Hezbollah são citadas como evidência para justificar o rótulo de organização terrorista.
Vale destacar que o senador é assumidamente um aliado ideológico de Trump, e as pastas estaduais que assinam o dossiê são lideradas por políticos próximos ao bolsonarismo, o que reforça o alinhamento da proposta dos EUA com a linha ideológica do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Governo Lula afirma que PCC e CV são organizações criminosas comuns, e não terroristas
Contudo, apesar da pressão, os representantes do governo Lula foram firmes ao recusar a mudança de classificação.
Segundo os técnicos do Ministério da Justiça, as ações dessas facções não têm motivações ideológicas, religiosas ou políticas — critérios essenciais para a tipificação como terrorismo segundo o ordenamento jurídico brasileiro.
Em vez disso, tratam-se de grupos cujo objetivo principal é o lucro, obtido através do tráfico de drogas e armas.
Ou seja, segundo especialistas do ministério da Justiça, PCC e CV não atacam pessoas por sua nacionalidade ou religião, mas sim para obter ganhos financeiros, e portanto, não são grupos terroristas, mas criminosos comuns, que obviamente também devem ser combatidos.
Classificar PCC e CV como terroristas pode facilitar interferência dos EUA no Brasil, como no Iraque
Além das questões jurídicas, pesa também o risco geopolítico envolvido na proposta americana. Ao serem rotuladas como organizações terroristas, PCC e CV poderiam se tornar alvos de eventuais ações militares por parte dos Estados Unidos.
A história recente mostra que o governo americano não hesita em recorrer a operações armadas fora de seu território sob a justificativa de combate ao terrorismo — como ocorreu no Iraque, após os atentados de 11 de setembro.
Nesse sentido, ao manter o enquadramento atual das facções como grupos criminosos comuns, o governo brasileiro não apenas resguarda sua legislação interna, mas também protege sua soberania frente a possíveis intervenções externas.
PCC e CV seguem sendo combatidos pelo governo federal, inclusive com ajuda internacional
Por fim, a posição do governo Lula não implica em qualquer conivência com a atuação dessas facções.
PCC e CV continuam sendo alvo de investigação e repressão por parte do Estado brasileiro, inclusive com apoio internacional, em acordos de cooperação com os próprios Estados Unidos.
A diferença está em manter o combate no campo jurídico adequado, sem abrir brechas para ações que possam ferir a integridade territorial do Brasil.