Durante as madrugadas da Quaresma, moradores do Norte de Minas Gerais são tomados por um misto de respeito e mistério durante a Encomendação das Almas .
Nesses dias, é comum ouvir um aviso passado de geração em geração: mantenha portas e janelas fechadas.
A orientação não é fruto do acaso, mas parte do imaginário e das práticas que cercam um ritual religioso com raízes profundas na tradição católica popular e que ainda é preservado em comunidades quilombolas e ribeirinhas da região.
Mantenha portas e janelas fechadas durante a Encomendação das Almas
Esse rito é realizado durante as madrugadas do período quaresmal, especialmente em comunidades como o Quilombo Justa II, no município de Manga.
Ali, moradores percorrem as ruas em silêncio ou entoando cantos fúnebres, vestidos com túnicas brancas que cobrem o corpo quase por completo.
Com cruzes nas mãos e matracas — instrumentos de madeira que emitem sons secos e penetrantes — eles fazem orações em intenção das almas do purgatório.
São lembradas especialmente as almas de parentes falecidos, dos afogados, dos assassinados e de todos aqueles que, segundo a crença, ainda não encontraram descanso.
A tradição foi trazida ao Brasil por missionários católicos europeus, principalmente os padres capuchinhos, e ao longo do tempo se enraizou entre as populações locais.
Hoje, a Encomendação das Almas é reconhecida oficialmente pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais como parte do acervo cultural da Semana Santa no estado.
Portas e janelas devem ficar fechadas durante Encomendação das Almas
A razão para manter portas e janelas fechadas durante a passagem do cortejo está diretamente ligada às crenças que cercam o ritual. A prática de “Encomendação das Almas” supõe que essas entidades estejam em trânsito, acompanhando o grupo.
Abrir portas ou janelas durante esse momento seria uma forma de permitir a entrada desses espíritos nas residências — algo temido por quem respeita e acredita na força do invisível.
Por precaução ou por fé, a recomendação segue viva: durante a Encomendação, é melhor não espiar.
O ritual também é celebrado em outras cidades mineiras, com variações de nome e forma, como a “Folia das Almas” em Delfinópolis.
Em todas elas, no entanto, permanece o mesmo espírito de reverência às almas e o cuidado com os limites entre o mundo dos vivos e o dos mortos.