A descoberta de um fóssil feito por Raymond Dart em 1924 não só impactou a ciência da época, mas também transformou a maneira como entendemos a evolução humana.
Este fóssil, conhecido como o “menino de Taung”, foi uma peça chave para a reinterpretação do berço da humanidade. O fóssil mudou a visão predominante de que os humanos haviam surgido na Ásia ou Europa, demonstrando que a África desempenhou um papel fundamental no processo evolutivo.
Descoberta inesperada
A história da descoberta do menino de Taung começa de forma improvável. Em 1924, Raymond Dart, um anatomista australiano, estava prestes a ser padrinho no casamento de um amigo, quando recebeu dois pacotes com fósseis.
Estes fósseis haviam sido encontrados por mineiros de cal em uma pedreira chamada Taung, na África do Sul. Apesar de ser o dia do casamento, Dart não resistiu e começou a examinar os fósseis. Quando ele encontrou o crânio de uma criança, a excitação foi imediata. Esse crânio, que parecia um “bebê com dentes de leite”, revelou-se uma das descobertas da paleontologia.
Dart, ao observar os fósseis, fez uma dedução surpreendente: o crânio parecia de um ser humano primitivo, mas com características macacas. O formato do crânio, a ausência de uma sobrancelha proeminente, o tamanho dos dentes e o cérebro significativamente maior que o de um chimpanzé eram pistas que apontavam para uma espécie transicional, uma mistura entre humanos e macacos.
Para Dart, isso indicava que esse ser primitivo poderia andar sobre duas pernas, algo nunca visto em fósseis anteriores. Ele batizou a criatura de Australopithecus africanus, um “elo perdido” entre os macacos e os humanos.
Rejeição inicial pela comunidade científica
Quando Dart divulgou sua descoberta, a reação da comunidade científica foi amplamente negativa. Muitos cientistas da época, especialmente os baseados na Europa e nos Estados Unidos, zombaram de sua teoria. Para eles, o fóssil era apenas o crânio deformado de um chimpanzé ou algum macaco.
Além disso, a ideia de que os humanos evoluíram na África foi considerada absurda, uma vez que a maioria das teorias prevalentes acreditava que a evolução humana se originava na Ásia ou na Europa, como sugerido pelas descobertas do Homem de Java e do Homem de Piltdown.
Mudança gradual de perspectiva
Embora as teorias de Dart fossem amplamente rejeitadas durante sua vida, as descobertas subsequentes acabaram confirmando sua hipótese. Nos anos seguintes, mais fósseis de hominídeos foram encontrados na África, apoiando a ideia de que o berço da humanidade estava, de fato, no continente africano.
Em 1946, o anatomista Wilfrid Le Gros Clark examinou o crânio de Taung e confirmou sua relação com os hominídeos. A descoberta do esqueleto de “Lucy” em 1974 e de outras evidências, como as pegadas de 3,5 milhões de anos na Tanzânia, tornou a teoria da evolução humana na África amplamente aceita.
Reconhecimento tardio de Dart
A mudança de opinião sobre a descoberta de Dart não foi rápida, mas ao longo das décadas, os cientistas começaram a perceber a importância do menino de Taung. Dart, que havia sido ignorado e ridicularizado, viu, nos anos finais de sua vida, suas ideias ganharem reconhecimento.
Em 1984, a revista Science reconheceu sua descoberta como uma das 20 mais importantes do século XX. Isso ajudou a consolidar a visão de que a África era o berço da humanidade, conforme predito por Charles Darwin.
O sítio arqueológico onde o crânio foi encontrado faz parte do “Berço da Humanidade”, um Patrimônio Mundial da Humanidade reconhecido pela Unesco desde 2005.
Hoje, o fóssil do menino de Taung é considerado um dos mais importantes achados científicos da história. Ele representa a primeira evidência concreta de uma criatura que combina características humanas e de macaco, e é fundamental para a compreensão do processo evolutivo que nos levou até o Homo sapiens.