Em um dos lugares mais frios e inóspitos do planeta, onde a paisagem é dominada por extensões intermináveis de neve branca e gelo sólido, algo inesperado está acontecendo. A Antártica está mudando de cor.
Cada vez mais, manchas rosadas aparecem sobre a neve, criando um contraste surreal contra o branco gélido do continente. Esse fenômeno intrigante, conhecido como “sangue das geleiras” ou “neve melancia”, não é apenas uma curiosidade científica, é um alerta silencioso de que algo maior está em curso.
A ciência por trás da cor incomum
O responsável por esse fenômeno não é um evento geológico nem um derramamento químico, mas sim um organismo microscópico: a microalga Chlamydomonas nivalis. Essas algas se desenvolvem em condições extremas, resistindo a temperaturas abaixo de zero e aproveitando a umidade do gelo derretido para se multiplicar.
Normalmente verdes, essas algas produzem pigmentos carotenoides avermelhados quando expostas à intensa radiação solar. Esse pigmento não apenas protege as células da radiação ultravioleta, mas também permite que absorvam mais calor.
O problema é que, ao escurecer a superfície da neve, essa coloração reduz a capacidade do gelo de refletir a luz solar, intensificando a absorção de calor e acelerando o processo de derretimento.
Quando a natureza se torna um ciclo de retroalimentação
A presença crescente da neve rosa não é um fenômeno isolado. Ela faz parte de um ciclo perigoso de retroalimentação, onde o aumento das temperaturas facilita a proliferação das algas, e essas, por sua vez, aumentam ainda mais a absorção de calor, acelerando o derretimento das geleiras.
Esse efeito se torna ainda mais preocupante quando se observa sua conexão com o albedo, que é a capacidade das superfícies de refletir a luz solar. O gelo e a neve, por serem brancos, refletem a maior parte da radiação solar. Quando essa superfície se torna mais escura, seja por algas, poeira ou poluição, mais calor é absorvido, intensificando o aquecimento global.
Pesquisas indicam que a neve rosa pode reduzir o albedo em até 13% durante a estação de degelo. Isso significa que a área afetada derrete mais rápido, criando um ambiente ainda mais favorável para novas proliferações de algas. O resultado? Um ciclo que se fortalece a cada ano, acelerando o colapso das geleiras e contribuindo para a elevação do nível dos oceanos.
Além da Antártica
O que começou como uma observação pontual na Antártica não está mais restrito ao continente gelado. Relatos de neve colorida têm se tornado comuns no Ártico, nos Alpes europeus e até mesmo na América do Norte.
Um estudo recente da Universidade Simon Fraser, no Canadá, analisou imagens de satélite entre 2019 e 2022 e revelou que aproximadamente 5% das geleiras no noroeste da América do Norte já estão cobertas por essas algas, com algumas áreas chegando a impressionantes 65% de cobertura. Isso sugere que a mudança climática está permitindo que esse fenômeno se espalhe para novas regiões.
Nos Alpes, um fenômeno semelhante foi registrado, mas com uma causa diferente: tempestades de areia vindas do Saara depositaram poeira avermelhada sobre a neve, criando um efeito parecido com o da neve rosa. Em ambos os casos, a consequência foi a mesma – uma redução no albedo e um aumento na taxa de derretimento.
O que isso significa para o futuro?
A proliferação da neve rosa é mais do que um fenômeno visual curioso. Ela é um sintoma de um problema maior e mais profundo. Se a tendência continuar, pode significar um avanço acelerado do derretimento das geleiras, impactando não apenas os polos, mas o equilíbrio climático global.
O degelo polar influencia diretamente o nível dos oceanos, podendo causar inundações costeiras, afetar correntes marítimas e modificar padrões climáticos. O planeta já está passando por eventos climáticos extremos, e qualquer fator que acelere esse processo representa um risco significativo.
A corrida da ciência contra o tempo
Diante dessa nova ameaça, cientistas do mundo todo estão intensificando seus esforços para entender melhor como as algas se comportam e como sua proliferação pode ser controlada.
Projetos como o ALPALGA buscam mapear essas colônias e estudar suas interações com o meio ambiente. A ideia é prever os impactos a longo prazo e encontrar maneiras de reduzir os efeitos dessa proliferação, seja através da modelagem climática ou da criação de políticas ambientais que reduzam o ritmo do aquecimento global.