A Polícia Federal (PF) deflagrou uma operação que trouxe à tona um sofisticado esquema de fraudes em aposentadorias e pensões do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). A investigação, realizada em conjunto com a Controladoria-Geral da União (CGU), aponta que associações agiam irregularmente para descontar valores indevidos diretamente nos benefícios de segurados, utilizando dados obtidos sem autorização e assinaturas falsificadas.
O rombo estimado chega a R$ 6,3 bilhões, acumulado entre 2019 e 2024. O escândalo resultou na demissão do então presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, e no afastamento de outros servidores de alto escalão.
Esquema envolvia propina, “laranjas” e entidades fantasmas
De acordo com a PF e a CGU, as associações investigadas operavam com estrutura montada para fraudes. Havia pagamento de propina a servidores públicos em troca de informações de beneficiários, uso de assinaturas falsificadas para autorizar descontos e criação de entidades de fachada, muitas delas presididas por idosos, pessoas com baixa renda ou aposentados por invalidez.
Um exemplo do nível de irregularidade é o caso de duas associações com sede no mesmo endereço em Fortaleza (CE), administradas pela mesma dirigente, Cecília Rodrigues Mota, que realizou 33 viagens em menos de um ano, inclusive para destinos internacionais como Paris, Dubai e Lisboa.
Como funcionava a operação fraudulenta
As entidades incluíam aposentados e pensionistas em seus quadros sem qualquer consentimento. A partir disso, passavam a descontar mensalidades diretamente nos contracheques, sem que os beneficiários tivessem conhecimento da filiação.
Há registros de casos em que uma mesma pessoa foi filiada a várias entidades no mesmo dia, com os mesmos erros de grafia nas fichas, evidenciando a repetição de fraudes. Um dos fatores que facilitaram o esquema foi a liberação de descontos “em lote” pelo sistema do INSS, sem necessidade de autorização individual.
Envolvidos no esquema: servidores, dirigentes e lobistas
As investigações identificaram que servidores e dirigentes do INSS recebiam vantagens indevidas para facilitar a inclusão dos descontos nos benefícios. Ao todo, 11 entidades estão sob suspeita de participação direta nas irregularidades.
Seis pessoas ligadas a associações com sede em Sergipe foram presas preventivamente, mas seus nomes não foram divulgados. Além disso, outros seis servidores foram afastados por decisão judicial, incluindo nomes de destaque na estrutura do INSS:
- Alessandro Stefanutto, presidente do INSS (demitido)
- Virgílio Antônio Ribeiro de Oliveira Filho, procurador-geral
- Giovani Batista Fassarella Spiecker, coordenador de atendimento
- Vanderlei Barbosa dos Santos, diretor de benefícios
- Jacimar Fonseca da Silva, coordenador de pagamentos
- Philipe Coutinho, policial federal lotado no Aeroporto de Congonhas
O lobista Antonio Carlos Camilo Antunes, conhecido como “Careca do INSS”, é apontado como figura central no esquema, responsável por articular pagamentos e operar a lavagem de dinheiro por meio de empresas.
A concentração das fraudes
A CGU identificou que o esquema teve maior incidência em cidades do Nordeste, especialmente nos estados do Maranhão e Piauí. Em 19 municípios, mais de 60% dos aposentados sofriam descontos em seus benefícios. Em muitos casos, as associações incluíam moradores de regiões distantes, o que, segundo os investigadores, seria improvável pela idade e condição física dos beneficiários.
O que foi apreendido e a resposta do governo
Na operação “Sem Desconto”, deflagrada na quarta-feira (23), a PF e a CGU apreenderam cerca de R$ 41 milhões em bens de envolvidos no esquema. Após a repercussão, o governo federal determinou a suspensão de todos os descontos associativos nos benefícios e prometeu reembolsar os valores indevidamente retirados.
No entanto, veio à tona que o ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, já havia sido alertado sobre os descontos irregulares ainda em 2023 e demorou quase um ano para agir. Ele admitiu a demora nas ações, mas negou ter se omitido. Alessandro Stefanutto, então presidente do INSS, foi demitido no mesmo dia da operação, sendo o segundo nome a cair do cargo durante a atual gestão.