Caso 123Milhas e o uso irresponsável da recuperação judicial

Por Estefânia Rossignoli

No dia 18 de agosto deste ano, o site 123Milhas surpreendeu seus consumidores informando que não emitiria mais as passagens que foram compradas com datas flexíveis e faria o reembolso dos valores. Tal informação causou extremo alvoroço e muita preocupação em relação ao direito dos consumidores e credores. Mas a situação ainda iria piorar. No dia 30 de agosto, a empresa protocolou seu pedido de recuperação judicial, requerendo a suspensão de todos os procedimentos (judiciais e extrajudiciais) que estavam correndo contra si.

Em seu pedido, o site alega que a crise é decorrente de fatores alheios a sua vontade e que a estão impedindo de continuar com sua atividade de forma normal. Afirma que: “os resultados previstos mediante estudos preparatórios do Programa Promo 124 acabaram não sendo atingidos, porque, por exemplo, se acreditava que para cada voo vendido, o cliente também adquiriria outros produtos atrelados à viagem (reserva de hospedagem, passeios, etc.), mas isso acabou não ocorrendo na prática”. Não consigo ver algo mais contraditório. Ainda tentam usar (até hoje!) a pandemia como fator causador da crise, alegando que, com o fim da crise sanitária e com o consequente aumento da oferta, acreditavam em uma diminuição dos preços das passagens, o que não ocorreu.

Antes de mais nada é preciso deixar claro que é perfeitamente entendível a questão do risco empresarial, e sempre defendo que não podemos demonizar o empresário que não consegue manter a lucratividade e entra em crise. O direito precisa, sim, proteger as atividades empresárias da crise e buscar manter a fonte produtiva de renda, emprego, etc. Porém, é preciso se preocupar com a irresponsabilidade na condução de uma atividade empresarial. No caso em questão, a empresa alega fatores alheios a sua vontade, mas admite que a crise foi causada por uma estratégia de marketing completamente irresponsável. Não precisa ser nenhum expert em gestão para saber que não é possível basear o lucro da empresa numa hipótese de vendas tão vaga quanto a que foi criada.

O procedimento da recuperação judicial, quando criado em 2005, foi feito com base na ideia da função social da empresa e na necessidade de sua preservação. De extrema importância esses dois objetivos, mas não se pode permitir que a existência da recuperação deixe a gestão empresarial irresponsável. Não se pode criar a cultura de que caso algo dê errado o empresário poderá se valer da recuperação para dirimir seus prejuízos causados pela má gestão. Em um primeiro olhar, esse parece ser o caso da 123Milhas. Houve um erro grave de gestão e de análise de perspectivas, e diante do cenário de grandes perdas econômicas estão recorrendo ao auxílio legal para tentar voltar com sua atividade regular.

Em um primeiro momento houve a decisão favorável à 123Milhas para dar continuidade ao pedido de recuperação, mas após o questionamento de um dos credores, foi determinada a realização de uma perícia para constatar se a atividade empresarial do site se encontra regular. É importante observar que, diferente do que foi noticiado, o Poder Judiciário não vai analisar previamente a possibilidade de soerguimento da empresa, mas apenas se ela cumpre as condições de regularidade. Espera-se que no caso em questão os credores (que são os que têm o poder decisório principal) possam avaliar corretamente o uso da recuperação e que ela não sirva de escapatória para os reflexos negativos de uma má-gestão empresarial.

Estefânia Rossignoli

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