Eu, que sempre imaginei que fosse ser professora de inglês, tive um período de grande dúvida alguns meses antes de prestar o vestibular. O conflito nunca foi entre fazer Engenharia ou Letras, ou Direito ou Letras, ou Medicina ou Letras. Eu, do alto do meu posto privilegiado de poder fazer planos para uma vida acadêmica, estive na dúvida entre ser professora de inglês ou jornalista.
Talvez o que me tenha feito, eventualmente, decidir tenha sido a questão linguística e de idiomas. Eu sou uma apaixonada por línguas, suas origens, e possibilidades. Tenho enorme curiosidade em como se expressam as pessoas ao descrever tanto um sentimento de grande complexidade quanto referências prosaicas em comum. (Como será uma mesa pelo mundo?)
Além da inegociável atração por idiomas e a apreciação por narrativas, entendi que um jornalista não é apenas uma pessoa que escreve. No jornalismo, a escrita é cercada por uma responsabilidade e um dever para com os leitores que logo notei que eu não tinha, necessariamente, a intenção de dar. Aí está exatamente uma das diferenças fundamentais de uma matéria de jornal e esta crônica. Aqui, tenho a liberdade quase que eufórica de fazer uso de um espaço democrático de proposta de ideias e pensamentos. Enquanto eu puder, falo do que quiser, faço uso da ironia, das metáforas e símiles que eu desejar. Um jornalista, ao contrário do que faz um ficcionista, tem compromisso com a verdade. São profissionais apaixonados por uma história, mas são também defensores do nosso direito de informação e liberdade de expressão. Imaginem vocês que, entre escritores e artistas em geral, o mais ferrenho ataque do momento pelas chamadas autoridades brasileiras é exatamente ao jornalismo. É natural o incômodo com a verdade para quem tem mentiras a contar. Num país onde notícias falsas circulam noite e dia através de aplicativos amplamente utilizados pela população, nos vemos, de uma hora para a outra, dentro de um cenário onde jornalistas são, mais que nunca, fundamentais porque há um tremendo mau-caratismo na disseminação de inverdades. A perseguição aos jornalistas brasileiros é uma maneira covarde de tentativa de controle da população que não pensa mais, que não pondera mais, que não nota a importância da verificação dos fatos e que, acima de tudo, não escuta mais. O país está preguiçoso, imediatista em relação às notícias e seu povo tem sua inteligência subestimada. Parece uma criança. Aqui em casa é comum meus filhos me contarem uma absoluta verdade que estava num áudio de whatsapp. Mas são crianças, tenhamos a paciência para motivá-los a procurar a fonte. Mas a fonte no Brasil já adulto, ninguém sabe, ninguém viu. O país embrulha o peixe no jornal de ontem, sem nem ler a notícia de hoje.
Artistas, professores e jornalistas são perseguidos e atacados dentro do seu próprio país. Passeiem pelo jornal, este mesmo que vocês leem. Uma notinha minúscula que seja foi escrita através da verificação de fatos. Eu, que escrevo ficção, digo-lhes agora uma verdade: o país sangra, agoniza deitado no chão. Escorre da sua boca a baba produzida por raiva. Artistas, professores, jornalistas oferecem a dignidade da salvação através de arte, Educação e informação. O país recusa e grita entre as bolhas de sangue que se formam entre seus dentes afiados que a própria morte, essa que ele vive, é fake news. Jornalismo é coisa muito séria.q Para os que gostam de inventar coisas, façam como eu: escrevam um livro e contem a impressionante história de golfinhos que, devido ao baixo nível de poluição, chegaram aos canais de Veneza. Ou, melhor: narrem o impressionante conto da cura para um vírus macabro através de um medicamento ineficaz para tal. Para os mais ousados, que tal escrever uma crônica sobre a existência de uma mamadeira de piroca? Eu sei, o nome é feio, a ideia é absurda, mas na ficção o céu é o limite!
Meu profundo respeito e minha admiração aos jornalistas brasileiros que ainda se importam em salvar esse bicho feio, grande, agonizante e ingrato que leva o curioso nome de Brasil.
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