A caminho da escola hoje pela manhã, meu filho me lembrou que há seis semanas as aulas voltaram ao normal. Olho num instante para ele que ajeita a máscara no bolso da frente do casaco e penso que nada, absolutamente nada voltou ao normal.
Enquanto espero o sinal verde abrir para mim, penso que não há nada de normal no uso de uma máscara a caminho da escola. Que é estranho, para dizer o mínimo, que os horários de entrada e saída dos alunos de cada ano sejam alternados para evitar o contato social. Que o fato de ele não poder levar uma mochila para a escola porque a área de pendurar os pertences não pode ser usada, é impensável. Que a reunião de pais via Zoom é um pesadelo com o eco dos celulares. Que há meses não recebemos os amigos da escola para dormir aqui em casa. Há tempos não coloco água no feijão porque não tem ninguém chegando. Meu pensamento é cortado com uma gargalhada do meu filho ao ouvir uma piada no rádio que eu perdi, distraída mergulhada no meu próprio confinamento.
Talvez o que esteja acontecendo é que meu filho e eu olhamos o mundo com cores diferentes. Enquanto eu entro e saio de estados de melancolia e esperança, esse menino aqui ao meu lado vive a sua infância. Nem pior e nem melhor que a de ninguém, mas a dele. Esta é a vida que ele vem fazendo. Vida que fica dentro de uma pandemia que afeta o mundo, mas mais que isso, impacta o mundo dele. Cancela a viagem de férias, as festas do pijama que já viraram lembrança, o Natal com a família no Brasil. Dentro da infância dele, ele não deixa escapar o riso, as brigas com a irmã, a chateação para fazer dever de casa, a normalidade. Olho para a minha ansiedade e não vejo nada. Mas, aqui está essa criança me ensinando, enquanto coloca a máscara no bolso do casaco que, esta é a vida. De repente, me lembro que eu cresci dentro de uma ditadura. Ele cresce em meio a uma pandemia. A liberdade nos é cortada em camadas diversas, algumas sutis, mas profundas.
Durante a ditadura, eram os meus pais que lidavam com os perigos da liberdade de opinar, confinados não em espaços, mas em seus pensamentos. Eram eles que entendiam aquela chamada de voz metálica na TV antes de começar um programa onde se lia uma carta liberando o conteúdo da censura. Para mim, a criança da vez, aquilo eram letras que atrasavam ainda mais o início da novela.
Durante a pandemia, sou eu a adulta que se enrola em tristeza quando o mundo desaba, quando o Brasil se definha, quando as valas são abertas e coletivas pelo mundo. Meu filho está dentro daquele estado suspenso de leveza que é a infância.
Pode ser que tenha levado tempo para que eu entendesse que a minha preocupação com este presente esteja reduzindo o meu futuro. Que o passado teve suas belezas e que o futuro não existe porque a gente nunca chega nele. Tenta para você ver. Não adianta, o futuro não nos espera nunca, está sempre adiantado. Talvez por isso eu me preocupe tanto com o Brasil, exatamente o país do futuro.
Pode ser que eu engula minhas próprias palavras a cada tentação de me tornar insensível perto do meu filho e da sua infância. O relógio da cozinha, impiedoso, não marca com ponteiros tristes que estes são tempos de pandemia. O que ele me diz é que o minuto que passou se perdeu e que o que vem pela frente nunca deixou de ser incerto. Tanta gente com saudade do passado e que anseia pelo futuro. Enquanto isso, o presente.
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