Antônio e David Bowie: O Grande Desencontro
Oi, gente.
Eu não sabia na ocasião, mas a história da coluna desta semana teve início em 30 de dezembro, quando este seu ah migo, a Leitora Mais Crítica da Coluna e Antônio, O Primeiro de Seu Nome, nos encontramos no Rio de Janeiro para passar o Réveillon na casa de Simone e Paul, meus cunhados que moram nas quebradas de Machado. Imperador Django, infelizmente, teve que ficar em Gotham City (a.k.a. Volta Redonda). Conversa um pouquinho, para um pouquinho, 560 quilômetros, e Simone coloca na vitrola “The rise and fall of Ziggy Stardust and The Spiders from Mars”. E é então que me dou conta que Antônio nasceu em um mundo em que David Bowie não mais existia.
E a coluna desta semana começou a tomar forma.
Pode parecer meio limão acima do melodrama, mas não é. Trata-se de simples constatação, que nos faz pensar em tanta coisa a respeito da vida e da morte. Bowie morreu em 10 de janeiro de 2016, há exatamente um ano e um dia, e O Primeiro de Seu Nome veio ao mundo pouco mais de cinco meses depois. Antônio pode, no futuro, se interessar pela obra do inglês, descobrir as obras-primas do pop/rock chamadas “Starman”, “Heroes”, “The man who sold the world”, “Lazarus”, mas jamais terá a oportunidade de ver a continuidade da história do Camaleão do Rock. Bowie sendo entrevistado a respeito de seu novo álbum, Bowie com um trabalho inédito nas lojas, Bowie ali na sua frente, no palco, em uma nova turnê. Nada disso será possível, pois Bowie não está mais aqui.
David Robert Jones (seu nome de batismo) é o passado que antecipou o futuro, mas agora também é o artista que saiu da vida para reforçar sua posição na história da música pop, que só pode ser admirado com a distância que a ausência impõe. Até mesmo “No plan”, o EP lançado esta semana com três canções inéditas, faz parte desse espólio artístico que influenciou gente como Morrissey, Suede, Placebo, Pixies, uma turma que pode servir de guia para entender como Bowie conseguiu influenciar tantos por tanto tempo.
Todos nós, afinal, sofremos com essas “ausências”, esses “desencontros”. Este que vos escreve, por exemplo, nasceu quando Jimi Hendrix, Jim Morrison, Albert Camus, Shakespeare, Janis Joplin, Monet, Van Gogh não mais caminhavam entre nós. Não importa se a separação temporal era de semanas, meses, anos, séculos: jamais tive a oportunidade da descoberta in loco, no ato da matrícula, do prazer de acompanhar a trajetória de cada um. Existe apenas a admiração tardia de quem merece ser reverenciado pelas gerações que ainda continuam a chegar. Assim como também existe o “desencontro em vida”, de ser jovem demais quando gente como Elvis Presley morreu. Algo que meu filho poderá sentir daqui a alguns anos, ao saber que Leonard Cohen e George Michael se foram quando ele sequer engatinhava.
Antônio, é claro, terá uma vida inteira pela frente para fazer suas descobertas, que incluem gente que virá e gente que já está por aí. Com sorte ele poderá adquirir no futuro, fresquinho na banca da feira, o mais recente livro de um Neil Gaiman, a nova piração de Grant Morrison nos quadrinhos, um Radiohead ainda mais hermético, um Morrissey gagá mas ainda afiado em seus versos, Tarantino jorrando sangue aos galões. Mas jamais será contemporâneo de Bowie, Orson Welles, Renato Russo, Drummond, Kurt Cobain, Fellini, Ian Curtis, Kieslowski, Prince, Kurosawa; no máximo, ser um moleque curioso com os gostos do pai coroa e fuçar nos meus discos, livros, quadrinho, DVDs, e entender porque eu – assim como o meu pai faz hoje – viverei dizendo que “antigamente que era bom” (hoje eu não faço isso, mas nunca se sabe o amanhã).
Espero, Antônio, que um dia você possa entender a falta que David Bowie faz ao nosso mundo miseravelmente desprovido de popstars dignos do nome. Ouça “Heroes”, “Low”, “Lodger”, “The next day”, “Black Star”, “Earthling”, “Space Oddity”, “Ziggy Stardust…”, “Diamond dogs”, “Alladin Sane”, e não tenha vergonha de sentir saudade daquilo que você nunca viu, ouviu, leu. Alguns camaleões, meu filho, conseguem usar a arte para se camuflarem diante da morte e permanecerem vivos, muito vivos nos corações das pessoas.
Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.