Perguntar ofende
Entrevistar alguém é muito mais do que listar perguntas. É encontrar respostas no silêncio, no desconforto corporal do entrevistado, na percepção de gestos corriqueiros, como o balançar de pernas, nas frases entrecortadas por hesitação. Isso revela muito sobre o outro, talvez mais do que tudo que foi dito. Mas para ouvir além da palavra é preciso ter interesse real pelo entrevistado, é fundamental enxergá-lo na sua complexidade.
Na relação jornalista-fonte, o respeito é fundamental, principalmente quando o entrevistado é alguém que será denunciado por qualquer tipo de violação humana ou omissão pública. Mas há pessoas que se julgam acima de qualquer questionamento. E o Brasil está repleto de maus exemplos, de gente que se sente no direito de não prestar contas sobre aquilo que faz ou deixa de fazer, especialmente o homem público.
Esta semana, a Justiça do Distrito Federal condenou o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa a indenizar em R$ 20 mil o jornalista Felipe Recondo, que, em 2013, trabalhava no jornal “O Estado de S. Paulo”. A decisão atende a um recurso do jornalista, que alega ter sido vítima de danos morais naquele ano, quando o então ministro do Supremo o mandou “chafurdar no lixo”.
“Me deixa em paz, rapaz. (…) Vá chafurdar no lixo como você faz sempre. (…) Estou pedindo, me deixe em paz. Já disse várias vezes ao senhor. (…) Eu não tenho nada a lhe dizer. Não quero nem saber do que o senhor está tratando”, disse Joaquim Barbosa. A resposta, ou melhor, a não resposta do ministro, foi gravada em áudio e em vídeo.
O jornalista ainda insistiu:
“Mas eu tenho que fazer pergunta. É o meu trabalho, ministro”, afirmou. O ministro rebateu. “Sim, mas eu não tenho nada a te dizer. Não sei, não quero nem saber do que o senhor está tratando”, insistiu o ministro.
A postura grosseira de Joaquim Barbosa no episódio com o jornalista não constrange apenas o profissional que fez uma pergunta incômoda. Ofende um país inteiro que sofre com o descaso do poder, com mandatários que acham que a lei é para o outro. Ninguém é obrigado a falar sobre aquilo que não tem competência ou que está em sigilo judicial, mas a defesa da transparência é algo fundamental em um Brasil cuja história verdadeira só pode ser lida nas entrelinhas.
Infelizmente, não é só Joaquim Barbosa que tratou com desprezo a mesma imprensa que deu farto espaço para ele no julgamento do mensalão. Apesar de a lei de acesso ter sido sancionada em 2011 – a norma regulamenta o direito constitucional de acesso às informações públicas -, os poderes públicos continuam seletivos ao ignorarem solenemente determinadas demandas jornalísticas.
Enquanto perguntas forem tratadas como ofensas continuaremos sem respostas para inúmeras injustiças.