Uma rezinha pra vocĂȘ
Embora tenha passado boa parte da infĂąncia e adolescĂȘncia em escola de freira – ou, talvez, justamente por isso -, ainda muito nova, lĂĄ pelos 15, talvez, saquei que o catolicismo nĂŁo era a minha. Tenho atĂ© amigos que sĂŁo, boa parte da minha famĂlia Ă©, mas pra mim nĂŁo rolou, nĂŁo colou, nĂŁo deu liga. E nĂŁo deu com nenhuma outra religiĂŁo, para ser honesta.
Desde entĂŁo acreditava, sem grandes conflitos, que vinha sendo meio Rita Lee das antigas, nessa infindĂĄvel canoa quebrada remando contra a marĂ©: ânĂŁo acredito em nada nĂŁo, atĂ© duvido da fĂ©â. Pode atĂ© ser que ainda seja assim, porque tenho uma teimosia em tender Ă dĂșvida, mas se tem uma coisa que se aprende conforme os anos vĂŁo passando Ă© que a vida sĂł fica mais triste e difĂcil quando a gente insiste em nĂŁo ter qualquer coisa de fĂ©.
AtĂ© porque, volto a dizer: o pessimismo nĂŁo raramente tem um quĂȘ de resmungo privilegiado, abrigado na cabaninha de privilĂ©gios. Longe de mim cair na ditadura da gratidĂŁo, mas a verdade Ă© que pra quem estĂĄ na sarjeta mesmo – ou em vĂĄrias microssarjertinhas, simultaneamente ou por vez-, o que resta senĂŁo ter uma nesga de esperança, ainda que sem muito motivo?
Essa semana meu amigo Peixoto me mandou uma mensagem que me fez sorrir duplamente: âJuju, eu voltei a rezar, tĂŽ sempre aqui rezando por vocĂȘâ. Ri do âvoltei a rezarâ, emblemĂĄtico do Brasil de 2021, e me senti acolhida pela lembrança em oração. Posso atĂ© nĂŁo ter religiĂŁo, mas eu Ă© que nĂŁo sou besta – ou mal-educada – de recusar reza, âvai com Deusâ, passe, energia, vibraçÔes e tudo que vier de coraçÔes e braços abertos. (Ă importante, entretanto, saber a procedĂȘncia sempre. Tudo que veio e vem em nome de quem diz e quem repete âDeus acima de todosâ, por exemplo, se mostrou uma roubada sem precedentes, irreversĂvel. Pode ficar, quero nĂŁo!).
Talvez a maior revelação religiosa que eu vĂĄ ter na vida seja essa, tĂŁo mineiramente linda, de receber e trocar oraçÔezinhas que eu nĂŁo sei se se sĂŁo pra Deus, para santos e santas, para entidades ou quem quer que seja. Uma coisa meio Aretha Franklin, dita no corre depois de acordar, entre um busĂŁo e outro, no fluxo da vida, âI say a little prayer for youâ, fiz aqui uma rezinha pra vocĂȘ.
Possivelmente nĂŁo Ă toa, Rita começou a cantar diferente depois de um tempo. Embora insistindo, como tantas vezes eu tambĂ©m, em um ânĂŁo acredito em nada, nĂŁoâ, passou depois a arrematar, na busca de gozar no final, menos cabreira – e eu tambĂ©m imito: âsĂł nĂŁo duvido da fĂ©â.