Quando se trata de bebidas, qualquer que seja, meu conhecimento é apenas empírico. Por minha total ausência de conhecimento, adoro quando vou a um supermercado mais descolado procurando um vinhozinho bacana (e acessível, oásis hoje em dia) e tem um sommelier que me indica o melhor para a ocasião, para a temperatura do dia e que comidinhas vão bem com ele. Se conhecimento é poder, saber como comer e beber bem, para mim, é supremacia. Por isso, como não sou boba nem nada, qualquer orientação de quem sabe mais que eu de vinhos é sempre bem-vinda.
Se o sommelier profissional é meu parceiro, na vida, o pretensioso sommelier de vida alheia, como já disse nesta coluna em outro momento, tem passagem: vá com Deus! (ou pro diabo que o carregue). É quem sempre acredita piamente saber mais que nós, sem (ao contrário dos gabaritados para nos ajudar com as bebidas) qualquer sombra de conhecimento sobre o que resenham, seja nossas vidas, nossas viagens, nossos planos ou qualquer assunto possível de ser discutido.
Neste segmento, uma especialização bem específica conquista cada vez mais adeptos: os sommeliers de jornalismo. Como função social que é, o ofício tem mesmo que ser discutido pela sociedade, destinatária da informação, e a quem nossos rabicós sentados diante de computadores e nossos pés no asfalto com bloquinhos rabiscados devem servir. Coisa bem diferente é o piriri de regras visto nas redes sociais, por gente certa de que sabe como fazer o trabalho da imprensa melhor do que ela própria.
Nos dias de hoje, em que os smartphones chegam primeiro a qualquer lugar e qualquer um pode registrar o que acontece por aí, tem muito sommelier indicando informação falsa como vinho de reserva da safra, sem saber que está tomando e fazendo mais gente tomar vinho doce vagabundo. Nada contra, há quem beba, e, além do mais, garrafão de “dez real”, quem nunca? Muitas vezes é com ele que a gente começa a gostar da bebida, e vai apurando o paladar até curtir uns que não sejam Fanta Uva sem gás. O que não pode é bancar o enólogo sem degustar o vinho, sem conhecer a uva ou de onde ela vem, e ter a cara-dura de garantir que o produto é premium.
Mensagem de WhatsApp compartilhada no Facebook não é jornalismo. Áudio vazado e repassado pra meio mundo não é jornalismo. Foto e vídeo mostrando “o tempo real” de um acontecimento, não, não é jornalismo. Como o vinho de garrafão, eles são importantes sim, sobretudo neste mundo em que não é possível estar em todos os lugares ao mesmo tempo. Muitas vezes, é a partir do rastro deles que o jornalismo dá seus primeiros passos, mas sempre checando sua veracidade; apurando a totalidade dos fatos e seus desencadeamentos; questionando quem, de fato, deve ser questionado.
Se o sommelier de uma vinícola clandestina indicar um rótulo “imbebível” de ruim, qual será sua punição? Ser fechada? Ela já não deveria existir. Mas vai a Concha y Toro, ou mesmo um Chapinha da vida, vender gato por lebre pra ver se não toma um processo. O direito à escolha, grazadeus, é libertador, e, no mercado da informação, sempre se pode optar pelo fato vendido no garrafão de dez conto; ou pelo que foi trabalhando, colhido no tempo certo, submetido a processos regidos por padrões de qualidade e responsabilidade, para então chegar a quem consome. A falta de pressa não garante perfeição, na imprensa e na vida. Mas optando pela indicação dos amadoríssimos sommeliers de jornalismo, não me venha reclamar do retrogosto amargo da desinformação. Muito menos de sua ressaca.