Minuto de silĂȘncio
Dezesseis de julho de 1950. Trinta e quatro minutos do segundo tempo. Uma flecha azul celeste invade a ĂĄrea pela direita. Enquanto mais de 200 mil torcedores presentes ao MaracanĂŁ esperam um cruzamento, Ghiggia tem uma epifania. Troca o certo pelo duvidoso. Bate seco, rasteiro e encontra um espaço na histĂłria. Coloca a bola entre a trave e Barbosa, garante a Copa para o Uruguai e decreta um silĂȘncio sepulcral e eterno nas arquibancadas.
IncontĂĄveis foram Ă s vezes que meu pai me contou essa histĂłria em minha infĂąncia. Mesmo nascido no ano fatĂdico de 1950, meu velho passava paixĂŁo no relato. “O Barbosa foi injustiçado”, reforçava, em um esforço para inocentar o goleiro que se tornou maldito para os olhos mais fanĂĄticos.
Cresci lamentando aquela derrota, mais do que a tragédia do Sarriå, em 1982. Ainda era filhote quando Paolo Rossi amaldiçoou Sócrates, Zico e companhia. A dor de Barbosa me parecia mais palpåvel. Sempre isentei o goleiro de culpa, tiranizando Ghiggia e seu gol imponderåvel.
Dezesseis de julho de 2015. Sete horas da noite. A imagem de um senhor com uma camisa celeste invade a tela do meu computador. “Morre Ghiggia”, diz as manchetes dos sites esportivos. Percebo que o Ăłdio pueril havia se tornado respeito. Nem Ghiggia, nem Barbosa. NĂŁo hĂĄ culpados pela derrota, que Ă© algo intrĂnseco ao jogo. Nem rancor que resista aos 7 a 1 de 2014.
O fato Ă© que o carrasco, Ășltimo remanescente dos jogadores de Brasil e Uruguai e que partiu exatos 65 anos apĂłs calar o paĂs, merece um minuto de silĂȘncio do tamanho do MaracanĂŁ.