Música feita com doação
Brenner Gabriel, 11 anos, diz que gosta de música pop e que quer ser baterista. O caminho começou a ser percorrido há cerca de dois meses, com as aulas de flauta doce. Embora meio sem jeito com o instrumento, vibra ao falar sobre as notas que já domina. Sai de casa toda semana para aprender a nova arte. “A música me deixa mais louco. Começo a dançar no meio da rua como se não tivesse gente me olhando”, diverte-se o menino, um dos alunos, entre 60 crianças e adolescentes de 8 a 16 anos, do Centro Cultural e Artístico Crescendo com Música, projeto em funcionamento toda segunda e terça-feira, das 19h às 20h30, na Casa de Anita.
A iniciativa, totalmente gratuita, surgiu em agosto de 2009, durante conversa entre amigos. Dona Marina Alves Petronilho queria que a arte do marido Antônio Honorato, ex-trombonista da banda da Polícia Militar, fosse repassada sem qualquer custo a jovens talentos. “Eu pensava em ensinar para umas quatro crianças até elas ficarem boazinhas para fazer uma prova para a Banda da Polícia Militar, mas o trabalho foi só crescendo. Eu passava aqui na frente quando o presidente da Casa de Anita disse que nos emprestaria o espaço “, comenta Marina, recordando-se de quando a ideia era levar os pequenos para a sala do próprio apartamento.
Os passos iniciais foram dados com dificuldade. “Não tinha uma carteira. Eu pegava nos lixos por aí, lavava, e assim a gente começou. Colocávamos cavaletes para servir de mesa”, diz ela, feliz por hoje o espaço ser insuficiente. No período de inscrição, que ocorre no início e no meio do ano, é preciso dispensar interessados. O maior orgulho dessa mulher é ter formado candidatos para a prova do Conservatório Estadual de Música Haidée França Americano. “Meu sonho continua sendo preparar os meninos para as bandas militares.”
De acordo com Cleberson Petronilho, administrador do projeto, o foco da atividade são os instrumentos de sopro (saxofone, flauta, trompete e trombone), adquiridos por meio da Lei Murilo Mendes em 2010. Também é dada a oportunidade de tocar violão, bateria e teclado. “É aberto a toda sociedade. Não fazemos distinção por classe social”, afirma o administrador, que é filho de dona Marina. “Temos o cunho recreativo, mas a ideia é transformar o projeto em uma Oscip (Organização da Sociedade Civil) para angariarmos recursos para ampliar o trabalho. Nosso método é totalmente diferenciado, primeiro por causa da disciplina militar e depois porque deixamos os alunos levarem os instrumentos para casa.” Cleberson conta que o “Crescendo com música” é mantido por meio de eventos beneficentes, como o Forró do Mergulhão, puxado por Marola e Chico do Teclado, todos os sábados, às 20h30, na Casa de Anita, e o show de prêmios, realizado no mesmo dia, a partir das 17h.
Arte transformadora
Os adolescentes aguardavam, ansiosos, a equipe da Tribuna para a foto que ilustra esta reportagem. Na terça-feira passada, o local em que, durante o dia, o silêncio só é quebrado pelos ruídos de automóveis que cruzam o Mergulhão, foi invadido pela magia da música. Sons ecoavam na frente e nos fundos da casa. O jovem Thiago Augusto de Oliveira, 17 anos, exibia o trompete com o qual deseja conquistar o passaporte para o grupo musical do exército. “Música é vida. Ela mudou meu jeito de falar e conviver com as pessoas. Antes eu era meio estressado, agora me acalmei e presto mais atenção nas atividades”, diz o menino, que tem, entre seus afazeres diários, um curso preparatório para a carreira militar.
No caso de Áquilla da Silva Petronillo, filha de Cleberson, claro que o gosto pelo saxofone está no sangue. “Desde pequena, via meu avô tocando e já sabia que isso era o que eu queria para mim. Ele pegava em casa comigo sempre”, comenta a menina. Ela se gaba de, com apenas 15 anos, colher os frutos da dedicação integral ao ofício. Para exercitar o que aprendeu em família, não espera os dias e horários do curso. “Sei tocar bastante, até mais do que muitos que fazem aula há mais tempo em outros lugares”, afirma. Se o fim da linha no projeto é 16 anos, a também saxofonista Maria Vitória Corrêa Silva, 16 anos, nem se importa com isso. “Não pretendo sair daqui tão cedo. Eu andava na rua sem fazer nada. Quando vim para cá, peguei o instrumento, comecei a tocar, e tudo mudou”, alegra-se a garota, que tem a música gospel entre suas preferências.
Formando cidadãos
“A música vai fazer com que eles sejam pessoas melhores.” É pensando nisso que a psicopedagoga e musicista Berenice Domiciano da Silva doa parte do seu tempo para o projeto. “Faço acompanhamento, ajudando quem tem dificuldade de aprendizagem”, diz ela, para logo completar: “A música torna as pessoas mais capacitadas, mais intelectualizadas e mais espiritualizadas. É graças a ela que passei num concurso e hoje faço doutorado. Acho que tenho que devolver tudo o que recebi”, comenta. Fazendo coro com a psicopedagoga, o militar reformado da aeronáutica Antônio Evangelista, um dos fundadores do projeto, destaca o potencial musical dos artistas mirins que passam pela Casa de Anita. “Esse exercício emancipa as crianças, dá noção de sociabilidade, psicomotricidade e as alegra”, observa ele, que é responsável pelas aulas de teoria, leitura métrica e trompete. Além de Evangelista, os professores Jorge Rômulo, Serginho, Alex e Ana Curzzi participam da iniciativa voluntariamente.