‘Gaza também é o mundo’, dispara Mírian Freitas

Depois de lançar “Damascos feridos” na Flip, Mírian Freitas lança a obra em Juiz de Fora e em Belo Horizonte. No livro, ela reflete, em 53 poemas, sobre o genocídio em Gaza

Por Marisa Loures

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Depois de lançar “Damascos feridos” na Flip, Mírian Freitas lança a obra em Juiz de Fora e em Belo Horizonte. No livro, ela reflete, em 53 poemas, sobre o genocídio em Gaza (Foto: Diogo Nicolau)

Do outro lado do mundo, desesperada, uma mãe tenta desenterrar, na areia, o túmulo do filho. Outra escreve na perna o nome do filho morto. Crianças gravemente feridas ou mortas são encontradas entre os escombros. Poetas Hiba Abu Nada e Refaat Alareer são assassinados. Palestinos suplicam por um cessar-fogo. Entre outubro de 2023 e janeiro de 2024, enquanto as cenas de horror em Gaza iam se multiplicando e a mídia noticiava os ataques de Israel à Palestina, Mírian Freitas colocava em versos o que sentia.

“Fui despertada por sentimentos como indignação, misericórdia e esperança”, confidencia a poetisa, que reuniu 53 poemas em “Damascos feridos” (96 páginas). O livro será lançado em Juiz de Fora, no anfiteatro do Bloco A do IFSudeste, no dia 23 de outubro, a partir das 13h30, e em Belo Horizonte, no Bar O Boêmio, no dia 19 de outubro, às 19h. Ao público da Festa Literária de Paraty, a obra foi apresentada na última terça-feira.

De volta à coluna Sala de Leitura, a escritora e professora juiz-forana conta como é escrever sobre um assunto tão desolador. De onde tirar palavras diante de tantas perdas? “O  tema da guerra é realmente desolador. Angustia-nos e ao mesmo tempo nos indigna diante de tantas atrocidades. Ver crianças sendo feridas e mortas é algo estarrecedor. Machuca. Comove. E é justamente dessa dor do outro, que também passa a ser a dor da gente, é que surge a necessidade da escrita. De dar o testemunho, de criar um elo de solidariedade com o sofredor: ‘Dá-me sua mão, seja você quem for./ Venha ver de perto este rosto, esta vida/ esta forma de amor que desperta a esperança/ nas trilhas da prece’”, escreve a autora em versos que dialogam com um poema do escritor e jornalista estadunidense Walt Whitman. “Alguma coisa precisava ser feita, pois essa guerra, esse genocídio, tem sido o nosso cotidiano. Não podemos nos alienar diante disso, tampouco banalizar esse crime bárbaro. Gaza não é apenas uma faixa de terra no Oriente Médio. Gaza também é o mundo”, dispara a poetisa.

Marisa Loures – Frutas como o damasco são geralmente associadas à doçura e à vida. No seu livro, eles estão feridos, assim como muitas pessoas que estão sofrendo com as atrocidades da guerra. Qual foi a inspiração para a escolha do título do seu livro?

Mírian Freitas – O cultivo de frutas é muito comum em terras palestinas e inclusive em Israel. E além do figo e da romã, o damasco também é cultivado por aquelas terras. Damasco é um nome bíblico, mencionado muitas vezes nas páginas do livro sagrado. Em algumas passagens bíblicas, damasco representa beleza e amor; em outras, destruição e julgamento divino. Portanto, escolhi esse título justamente por causa dessa ambiguidade semântica que o nome representa, além de compor uma imagem metafórica impactante: a beleza da fruta, sua cor exuberante e a dor que uma ferida irradia. Esses damascos feridos representam, principalmente, as crianças de Gaza, dotadas de uma beleza forte, extrema, mas que estão feridas pelos bombardeios; destruídas pela fúria dos mísseis lançados por Israel: “Enquanto homens de ferro lutam contra homens de barro/ as crianças de Gaza caminham sob nuvens de fogo/ com os rostos machucados como damascos feridos/ (e) acenam aos pássaros da morte/ com suas pequenas mãos de adeus”. Por outro lado, esses damascos, ambiguamente, também representam a esperança: “Mulheres da Faixa de Gaza/ carregam nos potes de barro/ os damascos secos e as peras lisas/ para as refeições noturnas// mas isso é para quando a trombeta tocar/ a canção do cessar fogo”.

– Em “Damascos feridos”, sua poesia reflete sobre os conflitos na Palestina e no Líbano, uma emergência humanitária, como você mesma destaca. Sabemos que, infelizmente, a literatura não tem o poder de mudar diretamente esse cenário de guerra, mas que contribuição ela pode oferecer dentro desse contexto tão desafiador?”

A literatura é um veículo de testemunho sobre a história. Ela tem o papel de ser porta-voz de um tempo, de fazer-nos reviver e conhecer acontecimentos de uma época atual ou do passado. O papel dela diante de uma guerra é revelar os fatos, fazê-los transparecer às sociedades, mas a escrita literária também não deixa de ser uma missão de solidariedade ˗ a voz da dor de um outro.

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Capa de “Damascos feridos” – Foto: Divulgação

– No texto de orelha do livro, a jornalista palestino-brasileira Soraya Misleh menciona a adab al mukawama (literatura de resistência), fundada pelo palestino Ghassan Kanafani. Quais são as características dessa literatura e de que forma essa resistência se manifesta nos escritos dos poetas palestinos?

A literatura de resistência (adab al mukawama) foi um instrumento de luta em defesa da libertação da Palestina para resistir à opressão e transformar realidades como as do exílio e dos êxodos. Essa literatura se perpetuou através dos tempos, influenciando leitores e  escritores que beberam de sua fonte e até hoje produzem uma literatura de engajamento político-social, como uma maneira de resistir às  constantes catástrofes e tentativas de extermínio do povo palestino por parte de Israel.

– E como essa literatura se desenvolve em meio a esse cenário de guerra? Existem brechas para que as vozes dos poetas palestinos ecoem nesse contexto?

Toda a literatura escrita na Palestina é um ato de resistência. Essa resistência é movida pelo sentimento de esperança, porque os que resistem acreditam na transformação da realidade. Há o livro “Poetas de Gaza” (Ed. Tabla), com poemas de jovens poetas palestinos que escrevem para resistir à barbárie, ao genocídio praticado por Israel, manifestando-se através do verso, a fim de demonstrar a força da resistência que muito potencializa suas próprias existências naquelas terras, cujos familiares vêm sendo, por décadas, ameaçados, confrontados e até mortos pelo poderio israelense.

– Há alguma relação entre a sua poesia e a que é produzida na Palestina? Como você conheceu essa literatura?

O que escrevo não tem uma ligação ou influência direta com a literatura palestina. Li poetas e escritores palestinos como Mahmoud Darwich, Ahmad Assuq, Fatima Ahmad e outros. Considero a literatura palestina dotada de uma força como se fosse uma garganta aberta ao ar, gritando, impondo-se, doendo-se. É uma literatura que não e rende.

– A quem a sua poesia é dirigida?  

Os poemas de “Damascos feridos” são para todos os leitores que se interessam sobre o assunto e se solidarizam com a causa palestina, como também é para aqueles que, por questões ideológicas, negam a verdade e a história diante dos fatos e da realidade. Este livro é um instrumento para despertar o sentimento de solidariedade e misericórdia em face da barbárie perpetrada por Israel. A leitura desses poemas é como ouvir o pranto de uma mãe palestina, o choro convulso de uma criança, a voz do povo que todos os dias tem morrido aos poucos, em Gaza − terra de amor e paz −, como bem escreveu Mahmoud Darwish.

Lançamento de “Damascos feridos”

19 de outubro, às 19h, no Bar O Boêmio (Ed. Central, na Praça da Estação), em Belo Horizonte.

23 de outubro, às 13h30, no anfiteatro do Bloco A do IF Sudeste, em Juiz de Fora.

 

Marisa Loures

Marisa Loures

Marisa Loures é professora de Português e Literatura, jornalista e atriz. No entrelaço da sala de aula, da redação de jornal e do palco, descobriu o laço de conciliação entre suas carreiras: o amor pela palavra.

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