Na experiência de Yan Gabriel Guimarães, a fotografia era algo que aparecia nas revistas de carros que ele e o pai, que é mecânico, colecionavam juntos, e eram elas que conseguiam chamar a atenção dos leitores para aquilo que cada veículo tinha de mais atrativo. Yan foi tentando replicar essas fotos por conta própria, com uma câmera cybershot que tinha em casa. Com o tempo, elas foram se tornando uma forma de ele conhecer a cidade para onde se mudou, Petrópolis, e ver além do que estava óbvio. As câmeras, naquele começo, eram quase brinquedos: ele as explorava de forma intuitiva, buscando entender seus mecanismos e significados, como se tateasse cada detalhe em uma tentativa de decifrá-las.
A partir de 2016, no entanto, isso mudou bastante: foi quando começou a enxergar a fotografia como profissão. Trabalhando hoje em shows no Maquinaria, no estúdio Aura ou fazendo fotos para o Meiuca, é um pouco dessa vontade de experimentar e de testar, lá do início, que o artista ainda traz, e que fez com que suas fotos já tenham uma identidade própria reconhecida.
Nascido em Teresópolis, Yan foi para Petrópolis na adolescência e trabalhava com a mãe, que é costureira. Naquele momento, tinha pouco tempo para conhecer pessoas e a cidade – mas conseguiu descobrir uma feira de domingo na qual eram vendidas máquinas analógicas e, mais tarde, uma loja que vendia o mesmo tipo de produto.
A descoberta da analógica, como ele conta, foi fundamental para “o jeito que fotografa” com a digital. Aquele foi o início para ele, e também uma nova forma de experimentar a cidade: “Eu colocava o fone, saía pela rua e ia fotografando. Petrópolis é uma cidade muito bonita. Ia nos pontos turísticos e, com o tempo, fui sacando a cidade e criando apego por detalhes mínimos. Gosto de observar o que está em volta, e os pontos turísticos deixaram de ser [o foco] do meu interesse”, diz.
Tudo que aprendeu sobre fotografia foi com um amigo, Guilherme Oliveira, que lhe deu instruções na hora de comprar a câmera, e com um manual dos anos 1970, que trazia dicas básicas do que seria uma boa foto. Sua vivência, no entanto, foi quase toda autodidata – e num processo de encontrar o que gostava mais.
Quando resolveu se dedicar de forma mais intensa a essa arte, passou a fazer muitas viagens para Juiz de Fora e São Paulo, e foi percebendo nesses espaços novas oportunidades. “Vejo que aqui também tem uma questão urbana, do movimento, tem gente, tem uma cena cultural artística, mas ainda assim é uma cidade que dá pra fazer quase tudo a pé, um lugar onde você vai conhecendo todo mundo. É quase uma miniatura de São Paulo”, compara. Há mais de um ano, ele se mudou para a cidade mineira, onde já estava tendo contato com algumas oportunidades de trabalho.
No primeiro dia em Juiz de Fora, ainda sem ter trazido todo seu equipamento, um dos membros do Varanda, banda com quem já tinha trabalhado, pediu para que ele fosse tirar fotos de um show no Maquinaria. Esse primeiro contato se transformou em uma parceria fixa com o local. “Gosto muito de música. A fotografia de banda supriu uma necessidade minha de ter envolvimento com a música. Eu não tô no palco, mas tô no backstage, tô envolvido de alguma forma”, conta.
Esse envolvimento com o cenário indie juiz-forano fez com que ele trabalhasse em diversas casas de show e, também, chegasse a fotografar Ana Frango Elétrico e Sophia Chablau. Mas a união com o Varanda é, como destaca, o espaço em que alguns dos seus trabalhos mais interessantes têm sido feitos. As fotos do álbum “Beirada” foram feitas com câmera analógica, perto da represa de Chapéu D’uvas. “O Varanda é o meu laboratório. Sempre uso eles de cobaia, eles me dão uma liberdade muito grande pra experimentar também”, brinca.
Gosto pelo orgânico e por processos
Por ter começado no analógico, Yan Gabriel, que tem 25 anos, explica que é algo que se tornou parte do seu olhar como fotógrafo. “A fotografia analógica, pra mim, tem detalhes muito orgânicos e naturais de que gosto muito, e que tento replicar também na fotografia digital. Gosto de grão, sujeira, textura, cor, de não ser uma foto tão limpa”, explica. Para ele, são esses detalhes que trazem uma imperfeição para a foto, e que fazem com que seja possível conservar algo ainda humano e não tão artificial em cada imagem. “Ainda tem vida ali”, destaca.
Além disso, o analógico traz quase um ritual para fazer uma foto, um processo pelo qual ele se encanta bastante. “Você pega o filme, coloca na câmara, passa a alavanca pra começar. Tem todo um processo, e isso é muito do meu agrado. Gosto dessa cautela”, revela. Para ele, uma boa fotografia é aquela que, para além das regras, consegue atingir o conceito estético de quem está por trás das câmeras, olhando para todos os detalhes que compõem um produto maior. “Acho que o que define mesmo é o conceito: uma luz boa, um enquadramento bom, é tudo subjetivo”, opina.
Ritmo autofágico de Yan Gabriel
Os últimos meses de trabalho, como ele conta, foram intensos. Para fotografar como ele gosta, respeitando esses processos e estimulando a sua criatividade, foi preciso de uma espécie de “reset”. Um processo autofágico, como ele chama, em que coloca apenas o seu fone de ouvidos e sai procurando novas referências e possibilidades de criação. Se é pra fazer algo que gosta e que foge dos empregos mais tradicionais, tem que ser trazendo prazer.
Mais uma vez, são as ruas e a arquitetura da cidade que mais o inspiram. E não precisa ser dos lugares mais belos ou óbvios – algumas das fotos que mais gosta, por exemplo, são da passagem próxima ao Hospital Monte Sinai e de prédios no Centro. Em cada lugar por onde passa, observa padrões geométricos e questões de composição em cena, já percebendo o que poderia gerar boas imagens, trazendo também o modernismo e o brutalismo para as paisagens. Também por isso, um dia quer ver suas fotos em uma coleção de fine art, ocupando diferentes lugares da cidade. “O que me prende à fotografia é quando eu vejo o trabalho que eu fiz servindo ao propósito dele, acima da minha vontade como fotógrafo. Isso me faz ver que estou no caminho certo.”