Waze vicia? Estudo identifica sinais de ‘abstinĂȘncia’ do app de GPS em motoristas
Pesquisa apontou impacto no fluxo e no hĂĄbito de motoristas, que, associados a outros fatores, podem mostrar dependĂȘncia de aplicativos, como o Waze ou similares
A partir da facilidade de acessar um mapa completo na palma da mĂŁo, Ă© difĂcil encontrar alguĂ©m que nunca tenha dirigido em uma cidade grande sem aplicativos de GPS. Com milhĂ”es de usuĂĄrios desse tipo de serviço pelo mundo, os apps ajudam o menos bem localizado de nĂłs a navegar por praticamente qualquer lugar. No entanto, embora possa parecer muito positivo, o uso de aplicativos de localização para dirigir, como Waze, Google Maps e CityMapper, por exemplo, pode deixar de ser uma “mĂŁo na roda” e se tornar uma dependĂȘncia.
Ă o que revela um estudo feito por cientistas da Ariel University e Reichman University, ambas de Israel, e publicada no periĂłdico cientĂfico PLoS ONE. A pesquisa abordou o Waze, uma das plataformas mais populares de apps de GPS no mundo, e concluiu que usuĂĄrios que ficam sem o app relatam traços ligados ao vĂcio, como modificação de humor, conflito, recaĂda e abstinĂȘncia.
A pesquisa define vĂcio em tecnologia da informação como um tipo de situação que ocorre quando o indivĂduo sente perda de controle em relação a um recurso tecnolĂłgico, envolvendo um estado psicolĂłgico de dependĂȘncia inconsciente. Ă um conjunto de sintomas que pode aparecer nos usuĂĄrios do app, de acordo com Leila Bergamasco, professora de ciĂȘncia da computação da FEI.
“Essa dependĂȘncia pode levar a estados emocionais negativos quando os usuĂĄrios nĂŁo conseguem acessar o aplicativo, como frustração, ansiedade, tristeza e irritabilidade”, explica Leila
No estudo, algumas das perguntas feitas aos participantes foram: “quais necessidades o aplicativo satisfaz para vocĂȘ?”, “QuĂŁo seguro vocĂȘ se sente na estrada?”, “QuĂŁo forte Ă© o seu senso de orientação na rua?” ou “Usar o app diminuiu o seu senso de orientação na rua?”.
Como resultado, mais da metade dos entrevistados afirmou sentir ansiedade, estresse e pressão quando o aplicativo deixa de funcionar. Segundo os participantes, a ansiedade vem da incerteza sobre onde estavam ou como proceder para traçar um caminho com seu próprio conhecimento. Além disso, 16 pessoas relataram usar o app para sentir mais segurança enquanto dirigem.
“A dependĂȘncia que vemos no uso de certos aplicativos Ă© resultado de uma sĂ©rie de decisĂ”es de engenharia de software”, pontua Paulo Pirozelli, professor dos cursos de tecnologia da informação no Instituto MauĂĄ de Tecnologia e pĂłs-doutorado em inteligĂȘncia artificial. “No caso do Waze, esse efeito Ă© resultante de elementos como gamificação, recompensas, feedback em tempo real e experiĂȘncia personalizada, estratĂ©gias que ajudam a manter o engajamento do usuĂĄrio.”
Outras pesquisas corroboram com o achado e tambĂ©m envolvem um possĂvel vĂcio em aplicativos de celular. Um estudo realizado pelo HJ Institute of Technology and Management e pela Catholic University of Korea, publicado no periĂłdico cientĂfico BMC Psychology em 2023, afirma que o uso desses apps, quando associado a “diversos fatores que contribuem para o vĂcio, inclusive fluxo, prazer percebido e hĂĄbito”, pode fazer com que a dependĂȘncia se torne uma caracterĂstica em potencial para os usuĂĄrios.
Conforme explicita esse segundo estudo, que se baseou em dados coletados de 320 usuĂĄrios de aplicativos mobile por meio de um questionĂĄrio, o prazer percebido tem um impacto substancial no fluxo e no hĂĄbito.
De acordo com Pirozelli, a experiĂȘncia imersiva de um determinado aplicativo pode levar Ă dependĂȘncia porque captura totalmente a atenção do usuĂĄrio. “As consequĂȘncias sĂŁo conhecidas: dispersĂŁo, dificuldade em realizar outras tarefas, perda de tempo (e, Ă s vezes, de dinheiro), falta de interesse por outras atividades, frustração, mudança de humor, entre outras coisas.”
DependĂȘncia?
Assim como ficar sem o app de GPS foi uma experiĂȘncia tensa para alguns usuĂĄrios, o estudo afirma que hĂĄ uma sensação de alĂvio quando o Waze estĂĄ ligado, e um senso de confiança que a jornada ocorrerĂĄ sem percalços justamente por causa do aplicativo – por consequĂȘncia, gerando emoçÔes negativas quando o app nĂŁo estĂĄ em operação, de acordo com o estudo. Os participantes disseram tambĂ©m ser incapazes de voluntariamente reduzir seu uso do Waze.
Mas, mesmo com sinais que possam aproximar o uso de um vĂcio, Ă© preciso tomar cuidado com a nomenclatura. Segundo Aderbal Vieira Junior, responsĂĄvel pelo AmbulatĂłrio de Tratamento de DependĂȘncias de Comportamentos da Unifesp/Hospital SĂŁo Paulo, nĂŁo fica claro se, no caso do uso do Waze, podemos alegar dependĂȘncia.
“Talvez esteja em algum espectro do vĂcio”, diz o especialista. “Mas nĂŁo hĂĄ uma vontade de usar, uma fissura pelo Waze.”
Para ele, a proposta do estudo Ă© interessante e provocadora. No entanto, afirma, Ă© preciso pensar criticamente. “NĂŁo estamos falando de abstinĂȘncia, mas de uma sensação de insegurança ou âburriceâ sem o uso do Waze; as pessoas ficam desacostumadas, sim, mas nĂŁo chega a ter uma sensação de falta.”
Uso saudĂĄvel do Waze e outros apps
Para Vieira Junior, tambĂ©m pode haver reverberaçÔes fĂsicas no uso frequente de aplicativos de GPS. “Ă medida que contamos com (apps como o) Waze, a parte do cĂ©rebro responsĂĄvel pela localização e navegação vai se atrofiando. Se nĂŁo exercitar, ela vai encolhendo”, comenta. “Provavelmente faria bem Ă s pessoas voltar a pensar a cidade sem o Waze.”
Leila Bergamasco, da FEI, acredita neste Ășltimo conselho – assim como o estudo – e aponta que hĂĄ maneiras de evitar que o uso do app no dia a dia se torne menos prĂĄtico e mais prejudicial.
“O estudo aponta diversos aspectos relevantes e caminhos para mitigar essa dependĂȘncia. Algumas das sugestĂ”es apresentadas no artigo sĂŁo o incentivo da leitura de mapas para que usuĂĄrios nĂŁo se tornem totalmente dependentes do aplicativo, a implementação de funcionalidades que motivem os usuĂĄrios a fazerem pausas no uso do app e o fornecimento de relatĂłrios sobre o tempo de uso para aumentar a conscientização de uma possĂvel dependĂȘncia”, explica Leila.
O estudo tambĂ©m ressalta que um aplicativo por si sĂł dificilmente pode ser rotulado como mau ou bom. Pelo contrĂĄrio: Ă© a parte humana dessa relação entre usuĂĄrio e app que pode apresentar “falhas”.
“Os aplicativos e tecnologias em si nĂŁo sĂŁo ruins para as pessoas. A maioria deles propĂ”e facilitar demandas do dia a dia”, declara Pirozelli. “A maneira como utilizamos essas ferramentas Ă© que precisa de atenção contĂnua, de forma que nĂŁo nos tornemos altamente dependentes dessas soluçÔes.”