Joana Lourenço tem 70 anos e uma mancha no olho esquerdo que faz com que não consiga focar bem a visão. Na parede de sua casa, há dezenas de peças de artesanato, de diferentes técnicas, feitas por ela ao longo de quatro décadas. Seu trabalho leva tempo, paciência, muitas vezes gera dores no corpo – e é justamente por isso que ela optou por fazer tudo no próprio ritmo. “Se chegarem aqui e me pedirem pra fazer trinta bordados iguais a esse, não vou fazer. Não tenho ambição de ser super conhecida, badalada. Nem quero. Mas não foi fácil, também. Hoje o artesanato é valorizado, mas nem sempre foi assim”, conta. Mesmo com todos os desafios, já são anos de trabalho com a técnica do bordado livre, que permite que ela trabalhe as cores de forma intuitiva e consiga capturar a “simplicidade de Minas”, de que tanto gosta.
Para ela, a produção artesanal precisa mesmo fugir dessa lógica de produção em massa industrial, inclusive para que o artista consiga se expressar da forma que ache melhor e tenha prazer no que faz: “Faço do jeito que eu quero, acho isso ótimo. Se a pessoa gostar do que estou fazendo, que bom”. Cada bordado que ela faz leva no mínimo seis horas, já que são vários detalhes, e muitos deles também demandam a aquarela no fundo e o trabalho com tecidos de diferentes estruturas. “Eu pesquiso muito, olho, vejo, aprendo, vou seguindo. Vou participando de cursos de bordado, de clubes. Vou me aprimorando. Você não pode parar, tem que sempre estar desenvolvendo sua técnica, descobrindo o que gosta. Hoje, estou gostando mais de fazer os bordados de botânico e vou fazendo vários detalhes”, conta. Para ela, o que interessa, principalmente, são as coisas “mínimas, miúdas”.
Já são mais de dez anos desde que ela fez o primeiro curso de bordado para aprimorar uma técnica a respeito da qual sabia um pouco, já que em sua família as mulheres sempre realizavam algum tipo de trabalho artesanal. Mas ela começou ainda nos anos 1980, a partir de pulseiras de macramê, que a fizeram inclusive mudar radicalmente a vida que tinha. “Me formei na década de 70, sou engenheira civil. Fui trabalhar no Rio, fiquei lá uns 5 anos, mas não gostava daquela coisa corporativa, com empresa, e me desencantei bastante”, relembra. Ela ainda reconhece que, na época, o cenário para mulheres nessa área era bastante difícil, por conta de todo o preconceito, o que fazia com que o trabalho fosse ainda mais desvalorizado. Por isso, decidiu parar de vez. “Não é fácil largar o emprego e decidir trabalhar com o artesanato. Exige muito trabalho. Mas coloquei na minha cabeça que, se era minha escolha, eu não podia reclamar. Fiz muita coisa, feiras e exposições, mas não tive vontade nenhuma de voltar pra empresa”, afirma.
Desde então, conta que trabalhou com outras técnicas, como a tecelagem e o origami, e foi sempre se aprofundando no que despertava interesse. Devido ao artesanato, também viajou “de ponta a ponta o Brasil”, tendo se aprofundado no artesanato do Recife, e foi vivendo a sua vida. No momento atual, afirma que gosta do sossego, do seu canto, e de trazer para o artesanato essa delicadeza do cotidiano. “O bordado livre é bem mineiro, traz casinhas e cenários delicados. Gosto dessa coisa intuitiva, só com o esboço. As cores eu não planejo, vou fazendo. Por exemplo, coloco uma cor e vou sentindo o que vai combinando mais”, diz.
Formas geométricas e processos
O origami chegou em sua vida na década de 1980, a partir de uma amiga, que tinha ganhado um livro sobre a técnica e não tinha entendido nada sobre o funcionamento do artesanato japonês feito com papel. “Como eu tinha uma mente bem geométrica, por conta da engenharia, decidi aprender o negócio. No começo, ficava horroroso. Mas hoje em dia aprendi a ler os origamis, tenho muitos livros sobre e vi vários vídeos também”, explica. Um dos seus trabalhos com origami é um brinco, pequeno, e que precisa de 55 dobras para ser feito. Todo trabalho que realiza, como explica, vem de diversas pesquisas e de absorção de inspirações diferentes.
“Eu pesquiso pra entender o que bate comigo, não pra copiar. Vejo o que eu posso transformar a partir do que está ali”, explica. Durante sua vida, já inclusive perdeu algumas madrugadas pensando no que ia fazer, e ainda hoje conta que acorda por volta das 5h, muitas vezes, já pensando no bordado. Depois, se precisar, volta a dormir. “Sou curiosa. Vejo uma coisa que não sei fazer e quero saber como funciona, mesmo que eu nem vá fazer. Gosto de processos, principio, meio e fim. Isso me inspira muito, saber como foi feito e pra quê”, diz. Para ela, cada dia vai se decidindo aos poucos, e vai pensando se irá criar algo novo ou acrescentar detalhes no que já foi feito. O importante sempre é continuar se instigando: “Não pode parar, aí dá certo. Tem que continuar. Tem gente que aprende uma coisa e fica fazendo aquilo durante 30 anos. Deus me livre! Eu sou a fim de conhecimento”.
O próprio teto
Apesar de não se arrepender de mudar o seu destino, naquela época, ela sabe que o ofício exigiu muito trabalho da sua parte durante a vida. “O que mais me encantou no artesanato foi a liberdade que me deu. Ter liberdade pra fazer o que quer, é tudo. É muito bom não estar subjugada a ninguém, a nada, a nenhuma empresa que te pede pra fazer uma produção acelerada”, revela. Ter seu próprio espaço para conseguir viver essa vida, como explica, também foi algo que fez toda a diferença. Atualmente, Joana só vende o artesanato que faz em casa ou na Loja Tiê, em Conceição do Ibitipoca. “É uma loja de arte mesmo, é o artesanato sendo vendido no lugar certo. As pessoas veem, vão lá pra isso”, diz.
Ela conta, inclusive, que está fazendo um bordado de araucárias para a vila. Antes, também fez uma série de pássaros e alguns cenários que revelam a mineiridade. Por vezes, resolve fazer almofadas, trabalhos maiores, mas também continua com o próprio ritmo. Seu espaço reflete a vida que resolveu ter: “Aqui, eu vivo entre as flores. Consigo cultivar, me alimentar bem. Meu ateliê fica na frente da casa, não fica escondido, naquele cantinho bagunçado. Quem chega vê. E aqui tem uma luz natural, que eu preciso muito pra trabalhar”.