Sofia Ribeiro de Assis entrou no Instituto de Artes e Design em 2018, com o objetivo de aprender algo de que realmente gostasse. Ela veio de uma família de matemáticos e, por muito tempo, acreditou que também fosse para a área de Ciências Exatas. Não sabia como seria o futuro, ainda mais considerando todas as dificuldades que os artistas enfrentam no Brasil e a falta de conhecimento que tinha sobre como se manter assim. Mas o que durante boa parte da sua vida foi apenas um hobby, já estava invadindo as páginas dos cadernos da escola e os pensamentos dela – até que, por impulso, decidiu colocar essa prática em primeiro lugar. Depois de anos intensos e muitas experimentações, agora sabe responder que, independentemente das condições ou da necessidade de trabalhar com mais de uma coisa, sabe o que é e o que continuará a ser. “Artista visual. Mas interdisciplinar. Tudo que eu faço, trago referências de outras partes, seja dos quadros, desenhos, murais e animações. Não quero me fechar só em uma coisa”, diz.
Apesar de perceber que desde pequena trazia em si algo “lúdico” e de estar fantasiada em quase todas as fotos de criança, Sofia não tinha certeza do que precisava ter para se tornar artista. Foi apenas no segundo ciclo da faculdade, com as turmas menores e um contato mais próximo com os professores, que teve a chance de entender como funcionava a vida daqueles que fizeram a mesma opção que ela. “Comecei a ter contato com professores que fazem exposições e que mostram que isso é possível, sabe? Virou uma coisa mais real. E os professores foram me estimulando a fazer as coisas, a participar dos editais. Foi assim que eu entendi que era isso que eu queria fazer”, conta. Mesmo antes desse momento da faculdade, ela já tinha expandido o interesse que começou no desenho, e agora já pintava, tinha um caderno dedicado somente aos seus desenhos e também ficava atenta às outras formas de arte que apareciam em seu caminho.
Durante a pandemia de Covid-19, ela resolveu fazer um pedido para a sua mãe: pintar a parede do portão de sua casa. Foi então que fez um mural em grandes proporções, trazendo animais e tons azuis para a sua vivência diária, aproveitando um espaço onde a pintura estava desgastada e deixada de lado. “Esse primeiro contato foi na doida. Até usei o spray, que é algo que não costumo usar tanto hoje em dia. E foi, na hora, muito apaixonante pra mim. Já pensei: é isso”, conta. O primeiro contato que teve com os murais e que a fizeram ficar tão conectada com essa arte foi em Belo Horizonte, que tem um trabalho especial desenvolvido nesse setor, tendo murais por toda a cidade e principalmente nas laterais de prédios. “Eu passeava pela cidade, andava de ônibus, ficava parada no trânsito e ficava pensando como aquilo mudava a cidade. Fiquei pensando muito nisso, até pelo efeito que teve em mim, de contemplação mesmo”, relembra.
Foi a partir daí e de seu interesse artístico que percebeu que havia ali um objeto de pesquisa interessante para considerar também no espaço da faculdade. Por isso, procurou a professora Priscilla de Paula e explicou a vontade de se aprofundar sobre o tema, que se tornou assim o objeto de estudo dela. Isso tudo segue perpassando pela interdisciplinaridade entre as artes, e Sofia não deixa de buscar aprendizados sobre quadrinhos, zines e animações. E ainda faz os desenhos em tela, misturados com escritas de Clarice Lispector ou mesmo um caderninho que leva na bolsa e que retrata coisas do cotidiano, como a rede de casas ou lixeiras que vê em seu caminho. Para ela, que estudou em um momento em que o bacharelado ainda levava em conta várias manifestações artísticas, como o cinema e a moda, “cada aprendizado somou” ao que queria fazer. Mas o que a guia, em todos os processos, são os próprios dilemas e um certo lugar de incômodo que vem de dentro, conforme conta.
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Arte em murais
A partir do contato que teve com a professora produziu o seu primeiro mural no Instituto de Artes e Design, em parceria com ela. Foi também por indicação de Priscila que se inteirou de um edital da Prefeitura de Juiz de Fora que levava pinturas para os pontos de ônibus na cidade. Na ocasião, se juntou com colegas do IAD e criaram o coletivo Alcateia Urbana para participar. Foram 20 croquis feitos em uma semana, levando em conta a ideia de retratar a vida pós-pandemia. “Como o objetivo era algo alegre e vibrante, pensamos em retratar a natureza a partir da fauna e da flora brasileiras. Até por termos passado tanto tempo dentro de casa. Queríamos um contraste com o cenário pós-pandêmico e também levar isso pro urbano”, explica. As pinturas, então, trouxeram animais como o lobo-guará, a preguiça e o tamanduá. Eles foram contemplados pelo edital e fizeram pinturas em 13 pontos de ônibus, sendo que cada um dos três integrantes do grupo pintou três sozinho, e ainda um de forma coletiva.
Todo o processo levou cerca de dois meses, e os murais que Sofia fez estão na Zona Norte, em pontos das avenidas Presidente Juscelino Kubitschek, Coronel Vidal (em dois pontos diferentes) e Rua Henrique Burnier. “Foi o meu primeiro contato com a pintura mural na rua mesmo, porque antes tinha pintado na minha casa e na UFJF, que apesar de espaço público é restrito”, relembra. Para ela, a experiência em transformar um lugar que costuma ter o peso da espera em algo mais leve foi rica. “Como eu estava lá pintando, tinha muita gente que eu via durante o processo, e vinha muita gente falar comigo como aquilo impactava a rotina. Claro que não acaba com todos os problemas, mas dá algo para pensar, para observar. Tinha gente que me agradecia, que ficava curiosa e que até ficava meio desconfiada”, relembra. Para ela, a experiência de ter participado do edital abriu portas e a própria mente para o que podia fazer. A partir daí, entrou também em um projeto de iniciação artística e fez um mural no Instituto de Ciências Exatas, em que retratou um astronauta no espaço lendo livros. No mesmo lugar, fez uma oficina para os alunos e comandou uma segunda pintura de mural, desta vez menor, para os alunos que ensinou.
Transformando o picho
Uma das técnicas que Sofia usa em seu trabalho é de fazer pichos no local em que vai pintar para guiar o trabalho, levando em conta as proporções que vai utilizar. “Os pichos são aqueles símbolos aleatórios, com tags, nomes e riscos. Essas coisas que a galera acha que é suja, sabe? Mas uso de referência para transferir o desenho por cima, e depois pinto. Só que sempre que eu estava fazendo essa primeira fase as pessoas ficavam assustadas, falavam que tava feio, pra parar. E no meio, também tinha gente que falava ‘poxa, que sacanagem, você está aí desenhando e as pessoas vêm pichar’. Foi muito legal até ver o que é considerado bonito e feio”, conta. Para ela, além dessa técnica ajudar no que faz, também é importante para lembrar o lugar da pichação no mundo da arte. “O picho é uma arte marginalizada, e que também chama as pessoas, principalmente nas periferias. Faz com que se interessem por arte e ainda comunica algo”, explica.
Uma das coisas que mais a fascina no mural é justamente o seu potencial democrático e expansivo. “Está fora dos museus, que é um lugar mais elitista, que nem todo mundo tem costume de ir e nos quais, em muitos casos, se tem que pagar pela entrada. E, às vezes, o picho se torna até um primeiro contato com a arte”, diz. Para ela, esse contato pode gerar transformações, como aconteceu em seu caso: “Tanto no lado de apreciar e começar a gostar, mas também de pensar que talvez seja possível você fazer. Em BH, senti isso. Queria passar do lugar de espectadora do mural pra quem proporciona isso, pra quem pensa no que quer falar para as pessoas”.