Ainda bem que aquela esquina fala!

Por Marisa Loures

Jose Macedo
Dono do antigo Armarinho Amapá, instalado próximo à esquina da Rua Batista de Oliveira com Halfeld, José Macedo reuniu em livro histórias inspiradas em situações vividas em Juiz de Fora e em Leopoldina – Foto Arquivo Pessoal

Tenho certeza de que muitos se lembram do Armarinho Amapá. Durante 30 anos, ele fez parte do cenário da esquina das ruas Halfeld e Batista de Oliveira. Ao lado, também tinha uma tradicional loja de discos. E dizem que, por causa dessa loja, a área ali era bem animada. Sempre tinha uma música tocando e, às vezes, era difícil resistir a ela. Diante disso, construiu-se um ambiente ideal para boas histórias. Eram tantos fatos curiosos que, certamente, dariam um livro. E quem percebeu isso foi o senhor José Macedo. Como proprietário do armarinho, ele ficava ali prestando atenção em tudo.

“Aquele tumulto”, ele me disse, foi a inspiração para os causos que ele passou a contar para os amigos. Aliás, quem o conhece sabe bem que ele tem fama de conversador. E conversou tanto que, um dia, resolveu que aquelas histórias mereciam ser registradas. Em 2018, José Macedo começou a colocar aqueles causos no papel e, agora, ele lança “Contos que eu conto” (132 páginas), o primeiro lançamento do selo Autoria. A noite de autógrafos ocorreu na última quinta-feira, na Autoria Casa de Cultura, e o autor, que está prestes a completar 70 anos de idade, garante que tem muito mais histórias para contar. Na ocasião certa, ele afirma, outras obras ganharão as prateleiras.

Nessa estreia na literatura, JC Macedo, nome que ele adotou para assinar o livro, entrega ao leitor 22 narrativas. O ponto de partida para o projeto foram os flagrantes captados naquela tradicional esquina do centro da cidade. No entanto, ele foi bem mais longe. Voltou à década de 1960, quando ainda era criança e morava em Leopoldina, sua cidade natal, e é por lá que o livro começa. Os contos foram reunidos de acordo com uma ordem cronológica.

“Espero não ser muito pretensioso, mas, na verdade, há tantas coisas boas que passam despercebidas em nossa vida que gostaria que todos os leitores parassem, pelos menos alguns minutos, para vasculharem em suas memórias esses tesouros que todos trazemos e que, às vezes, as preocupações fazem com que eles caiam no esquecimento.”

Marisa Loures – O senhor é engenheiro e não é muito comum encontrar alguém da área de exatas com afinidade com a literatura. Apresente-se. Quando e como o senhor começou a flertar com as palavras?

José Macedo – Meu nome é José Carneiro de Macedo filho. Sim, sou engenheiro civil e, como sempre, olhei com otimismo o que eu via ao meu redor, encontrei muitas cenas engraçadas neste meu dia a dia. Com o hábito de compartilhar estes momentos com meus amigos, um dia, resolvi trocar as palavras ditas pelas escritas, não sei se para fugir do estigma de falador. Não sei.

– Sua estreia na literatura se dá com um livro de contos. São narrativas curtas. E o senhor faz questão de ressaltar o fato de que as histórias contadas ali são breves a fim de não entediar o leitor. Por que essa é uma preocupação do senhor? Por que o leitor se entediaria caso as narrativas fossem mais extensas?

Convivendo num meio onde os grandes textos não são bem-vindos, isto é, com pessoas acostumadas a ir direto ao ponto, sem muitos rodeios, conclui que, com histórias curtas ou encurtadas, conseguiria atingir meu objetivo.

– O senhor confessa que, ao escrever, liberou-se “da rigidez” e que se faz um escritor “sem autojuízo”. O julgamento ficou a cargo do leitor. Essa estratégia lhe deu mais liberdade para criar?  E, mesmo sem fazer um autojuízo na hora da escrita, consegue nos contar se gostou do resultado final?

Olhe, esta sensação de me atirar em outro universo trouxe tanta satisfação que, depois de feito, pensei: se ninguém ler o meu livro, eu o leio e, sem exagero, vejo-o com muita admiração, como um filho recém-nascido.

– Para o livro, o senhor selecionou uma cena aqui, outra ali. Apresentou ao leitor alguns recortes de momentos que viveu ao longo dos anos. Então, precisou entrar no terreno da memória. Fiquei curiosa para saber como esses causos foram parar em um livro. Onde eles estavam guardados? Apenas nas suas memórias?

Posso dizer que estavam guardados em minha memória e eram acionados a cada encontro que tinha com familiares e amigos. Quando resolvi escrever, o processo foi de busca em cada momento vivido.

– E como foi selecionar o que era mais interessante para o livro?  E, depois, como foi o processo de escrita?

Julgo que todos os casos, sendo livres de deboches, críticas ou depressivos, seriam interessantes para essa publicação e, exatamente nessa linha de pensamento, comecei a escrever os inúmeros casos que ocorriam na esquina das ruas Halfeld com a Batista de Oliveira. Daí foi só desarquivar os ocorridos em minha cidade natal e outro em cada fase da minha vida para concluir esta proposta.

– O senhor se recorda, com riqueza de detalhes, de situações vividas lá nos idos da década de 1960, por exemplo. Ao escrever, tem a oportunidade de reviver momentos engraçados e, às vezes, até trágicos. Como fica o coração ao voltar no tempo?

Apertado de tanta saudade daqueles tempos em que tínhamos até mais força para superar os desagrados e vibrar intensamente com os agrados.

– Seu livro é o primeiro a ser publicado pelo selo da Autoria. O senhor poderia ter procurado outra editora, mas optou por essa. O que o fez tomar essa decisão?

Procurando por um revisor, com a intenção de publicar este livro e conhecendo a casa de cultura Autoria, fui apresentado a uma revisora que, durante o processo de revisão, me falou da intenção desta casa criar uma editora própria. Embarquei nessa oportunidade e, com certeza, sinto ser a mais acertada decisão que poderia ter tomado.

 

Marisa Loures

Marisa Loures

Marisa Loures é professora de Português e Literatura, jornalista e atriz. No entrelaço da sala de aula, da redação de jornal e do palco, descobriu o laço de conciliação entre suas carreiras: o amor pela palavra.

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