Muvuka, bloco afro de Juiz de Fora, vai representar regiĆ£o sudeste em feira na Argentina
Evento objetiva o fortalecimento do setor da indĆŗstria cultural e acontece em Buenos Aires, a partir desta quinta-feira
A essas alturas, Rick Guilhem jĆ” estĆ” em terras Argentinas. LĆ” em 2019, quando idealizou o Muvuka, talvez nĆ£o imaginasse os caminhos que o bloco afro juiz-forano fosse percorrer e abrir. Neste ano, o Brasil Ć© o convidado de honra da sĆ©tima ediĆ§Ć£o do Mercados de Industrias Culturales Argentinas (Mica): evento de comercializaĆ§Ć£o e fortalecimento do setor da indĆŗstria cultural, que acontece em Buenos Aires, no Centro Cultural Kirchner, a partir desta quinta-feira (1), atĆ© o domingo (4).
O MinistĆ©rio da Cultura (Minc) abriu um edital para selecionar 90 empreendedores culturais para participar do Mica. Nove setores foram contemplados, sendo eles: audiovisual, circo, danƧa, teatro, design, editorial, hip hop, mĆŗsica e games. E, em cada uma dessas categorias, foi selecionado um projeto representando cada regiĆ£o brasileira. Na mĆŗsica, no sudeste, o Muvuka Ć© que foi selecionado. Agora, Rick parte para o caminho que indica a internacionalizaĆ§Ć£o de um projeto de cultura afro-brasileira que tem os pĆ©s fincados no Brasil, mas se expande tanto na fonte de inspiraĆ§Ć£o quanto no alcance.
Rick explica que o projeto que foi selecionado Ć© o de educaĆ§Ć£o patrimonial. Ele jĆ” foi realizado em alguns municĆpios e, em Juiz de Fora, acontece atravĆ©s das oficinas do Muvuka e de alguns editais municipais. “A gente, com esse projeto, leva tambores, faz uma roda de conversa e explica como surgiu esses instrumentos e o que Ć© um bloco afro. Passa pelos processos de criaĆ§Ć£o desses blocos, conta a histĆ³ria do carnaval e o motivo de a data ser de ressignificaĆ§Ć£o da cultura negra, destacando que ele nĆ£o Ć© simplesmente folia. Depois disso, a gente parte para a prĆ”tica: quem escolhe tocar, toca os tambores; quem escolhe a danƧa, aprende um pouco a danƧa dos orixĆ”s, dos reis e rainhas, o ballet afro. A gente traz essas temĆ”ticas para dentro do processo de educaĆ§Ć£o patrimonial.”
O Muvuka, entĆ£o, vai apresentar esse projeto no Mica que, como resume Rick, Ć© como uma feira de negĆ³cios voltada Ć economia criativa. “Tem um encontro entre as pessoas que vĆ£o apresentar esses produtos com as pessoas que vĆ£o adquiri-los: fechar um contrato, por exemplo. Tem muitos festivais internacionais que estĆ£o procurando novos artistas para poder contratar e novos projetos de musicalizaĆ§Ć£o. AlĆ©m do projeto de educaĆ§Ć£o patrimonial, a gente tem o grupo artĆstico, que Ć© a banda. Existe a possibilidade de a gente sair de lĆ” com um show fechado, por exemplo. A gente, com isso, entra em um processo de internacionalizaĆ§Ć£o. Agrega muito Ć marca e leva o projeto para um outro lugar. E Ć© bacana porque estamos falando de cultura preta. Estamos representando o sudeste com um bloco afro. A gente estĆ” levando essa cultura afro-brasileira para fora, com muito respeito.”
Resgatando e disseminando a histĆ³ria
O interessante Ć© que, entre tantas propostas, a do Muvuka foi escolhida para representar o sudeste com foco na cultura negra. “A gente sai de Minas Gerais, que tem muita coisa relacionada com a cultura negra, como o congado mineiro, que se concentra mais dentro das comunidades quilombolas. Mas, quando vem para os centros urbanos, precisa ser edificado, trazer informaĆ§Ć£o do que Ć©. Porque se isso nĆ£o acontecer a gente tambĆ©m promove esse apagamento. Essa tradiĆ§Ć£o vai se perdendo com o passar do tempo. Porque majoritariamente, a cultura africana e afro-brasileira Ć© oral. A riqueza da tradiĆ§Ć£o oral tem seu lugar. O papel do Muvuka Ć© manter essa tradiĆ§Ć£o oral funcionando. A gente tem a intenĆ§Ć£o de trazer pesquisas, mas quando a gente fala da ideia de passar os saberes, a gente entra no contexto oral. E eu respeito os mestres que trazem isso.”
Para alĆ©m da ideia, a proposta do Muvuka conversa com a prĆ³pria histĆ³ria do sudeste e seu ponto de localizaĆ§Ć£o. Como Rick diz, o Sudeste estĆ” em um ponto de interseĆ§Ć£o, entre o sul majoritariamente branco e o nordeste, com sua maioria de povos negros. A cultura e a formaĆ§Ć£o do sudeste Ć© esse ponto de encontro que o Muvuka dissemina em Juiz de Fora: os blocos afro e soteropolitanos, a inspiraĆ§Ć£o do congado mineiro, a mĆŗsica brasileira popular como um todo que bebe desses encontros.
Para Rick, promover essa educaĆ§Ć£o patrimonial Ć© tambĆ©m uma forma de pensar em como essa cultura vai estar daqui a anos. “Existe um processo de apropriaĆ§Ć£o e apagamento da cultura afro-brasileira. Isso em um paĆs em que os mestres ainda estĆ£o vivos, agora. Mas e daqui a cem anos? SerĆ” que essas tradiƧƵes orais, o valor que deveria ser empregado para a cultura preta, para quem criou ainda vai existir? A gente precisa trazer esse lugar da educaĆ§Ć£o patrimonial para manter esse patrimĆ“nio tanto de Minas Gerais quanto dos blocos afro e soteropolitanos.”
E fazer isso na Argentina tambĆ©m Ć© importante. Eles tambĆ©m bebem da cultura brasileira e se apropriam do que foi construĆdo aqui. “Na Argentina, tem os blocos de batucada. E a maioria das pessoas que estĆ£o fazendo esses blocos sĆ£o brancos. E muitas vezes essas pessoas vĆŖm para o Brasil aprender a tocar e voltam para fazer os blocos. LĆ” eles estĆ£o difundindo entre eles uma coisa dos mestres que estĆ£o aqui. SerĆ” que lĆ” eles sabem de onde veio e como veio? SĆ£o discussƵes que a gente pretende levar para o Mica tambĆ©m, como um alerta: ‘Ć nosso, Ć© afro-brasileiro, precisa ser respeitado’.”
Para o Muvuka, isso representa estar no caminho certo. “Eu ainda estou boquiaberto. Ć um bloco muito recente na cidade. A gente comeƧou em 2019, enfrentou pandemia e agora estĆ” conseguindo tocar nosso trabalho. Eu sempre falei que, na pandemia, a gente resolveu plantar, e agora estĆ” colhendo os frutos desse plantio. Ć importante para continuar nesse processo ascendente no projeto artĆstico, que Ć© nossa vitrine dos nossos projetos sociais”, finaliza.