Quando a pandemia começou, em 2020, Marília Toledo cursava Ciências Biológicas. Antes, ela havia estudado Direito por um semestre, e, posteriormente, foi para Ciências Humanas. Vinda de Manhuaçu para Juiz de Fora, justamente para fazer faculdade, nunca tinha passado pela cabeça dela seguir um caminho que fugisse totalmente de um percurso tradicional. Até por isso, ela se sentia frequentemente com dúvidas sobre a área que ia seguir. Foi em julho daquele ano, já em isolamento social, que resolveu aprender a tocar baixo. Logo em seguida, criou uma conta no Tik Tok, rede em que foi registrando, de forma despretensiosa, a sua evolução no instrumento, fazendo testes de equipamentos e postando alguns covers. Mais de dois anos depois, na rede de vídeos, onde é conhecida como ‘Bassrilia’, ela já tem mais de 13 milhões de curtidas e mais de 500 mil seguidores – “A Marília anda mais rápido que notícia ruim”, como diz o seu pai. Se reconhecendo como musicista, enfim, ela aprendeu que pode ir até onde quiser.
O primeiro instrumento que Marília aprendeu foi o violão, com cerca de 15 anos, mas só tocava mesmo em casa. “Quando comprei um baixo e decidi que ia aprender, eu pensei: “Meu Deus, é isso!”. Aprendeu por conta própria, então, dentro de casa, e foi testando da forma que podia, sem levar aquilo como algo mais que um hobby. Ao mesmo tempo, veio a onda do TikTok, e em sua conta começaram a aparecer musicistas que faziam vídeos tocando. “Achei incrível. Fiquei com vontade de fazer também, já que estava de bobeira em casa, né…Aí comecei a gravar, de hobby mesmo. Ia postando, até que foi crescendo, de forma espontânea.”, diz.
Mas faz pouco mais de um ano que, em sua visão, as coisas começaram realmente a se transformar em sua vida por conta da rede. “Eu recebi o primeiro contato de uma marca querendo que eu fosse meio que a ‘garota propaganda’ deles, iam me mandar os produtos, eu ia testar e postar, como publicidade”, conta. Ela descreve que a sensação não poderia ser melhor: na época, estava procurando um emprego e quase tendo que parar de fazer vídeos, porque a pandemia estava começando a dar trégua e a situação impedia que ela tivesse tanto tempo para se dedicar a algo que era apenas um passatempo.
A possibilidade oferecida pela empresa, naquele momento, fez com que ela pudesse se dedicar e ver, pela primeira vez, os vídeos que produzia como um trabalho. “Na época, eu até tinha visualizações, mas que não se convertiam em nada na vida real, eram mais meus amigos brincando que eu ‘estava famosa’ e eu brincando de volta. Não tinha nada que envolvesse trabalho de verdade, por mais que fosse trabalhoso”, diz. A marca em questão não era brasileira, e ela conta que isso foi importante pois, a partir daí, percebeu também que conseguiria encontrar um nicho maior fora do Brasil, e passou a fazer vídeos também falando em inglês. Foi adaptando o conteúdo para ser como os das meninas que ela gostava de seguir, mas de acordo com a realidade dela. “A partir dessa marca, fui recebendo outras propostas. Construí de fato uma imagem nas redes sociais, profissionalizei os conteúdos, fui criando uma página atrativa e me profissionalizando mais enquanto musicista também”, diz.
Processos e evoluções
Quando começou, ela sabia tocar bem menos que hoje, e as produções dos vídeos também eram menos elaboradas. Durante certo tempo, por isso mesmo, olhava para o conteúdo que tinha feito no começo com uma certa vergonha. “Era bem amador mesmo, mas entendi que era a proposta da época. Hoje eu reconheço que é parte do processo, e que já mudou muita coisa”, revela. É por isso que, para quem ainda quer se arriscar na rede, ela recomenda algo simples: “Comece”. Depois, acredita que é possível ir ajustando o conteúdo, a qualidade, e também ir conciliando essa atividade com as outras.
Mesmo assim, Marília enxerga que o TikTok nem sempre funciona de maneira ideal, entregando conteúdos de qualidade para as pessoas interessadas. “Às vezes, eu sinto também que é muito uma coisa daqueles jogos de caça-níquel, sabe? Eu mesma sentia uma frustração antes, quando fazia um vídeo de que gostava muito e ninguém curtia, por exemplo. Então é preciso saber lidar com isso e ter constância”, conta. Para ela, no entanto, uma produtividade excessiva não é necessária. “Eu não tenho essas métricas de vários story/reels por semana, e mesmo assim consigo trabalhar com isso, dentro do meu processo criativo e do meu tempo”, explica. Atualmente, enxerga bem o potencial da rede: “Muita gente critica os impactos do tiktok na indústria musical (…) Mas eu ainda assim acho que a indústria musical sempre foi assim, sempre girou em torno do que dava dinheiro. O ponto positivo é que muita gente pode mostrar o trabalho por conta própria”, explica.
Acompanhando o próprio ritmo
Trabalhar em um meio que não existia há dez anos, em uma profissão que ainda é tão independente, é algo que pode ser assustador. Ainda mais para quem está de fora, acompanhando. “Minha família não entende até hoje, não sabe como é isso, se eu tenho uma carreira, como vai ser no futuro. Apesar de ficarem orgulhosos, eles também ficam com medo”, explica. E acrescenta que, para ela, eles também têm uma visão muito diferente de quem gosta de música ou de rock. “Eles acham que eu vivo em uma loucura, mas eu fico a maior parte do meu tempo no quarto, só gravando”, ri.
Apesar do medo, Marília entende que as redes sociais estão sempre mudando e se reinventando, e que ela pode fazer o mesmo com o seu conteúdo. “Acho que já estabeleci uma relação comigo mesma, com a música e com um público que eu sei que, caso não dê mais certo determinado tipo de conteúdo, eu posso me voltar pra outra coisa e tudo bem, porque existem várias outras possibilidades. Se parar pra pensar, toda área é assim, todo emprego tem o risco de acabar”, explica. E se satisfaz justamente porque, diferente de outros empregos ou áreas que tentou, ela está realmente feliz e satisfeita com o que faz.
Através do TikTok, também teve a possibilidade de conhecer mais pessoas e trocar experiências. Foi assim que, pela primeira vez, tocou em um palco, junto com a banda Irmão Victor, e seguiu em turnê com eles. A experiência foi impactante: “Tocar profissionalmente foi muito agregador, tive que aprender um repertório de umas 15 músicas, e aí fui me acostumando com essa outra dinâmica também. No meu quarto, se eu erro uma música, posso recomeçar, ao vivo não. E eu gostei de como foi, quero tocar mais ao vivo”, conta. Para se expandir na carreira, Marília está se mudando para São Paulo no próximo mês, onde pretende ampliar mais uma vez esses contatos – e deixar o que começou naquele quarto chegar agora até ainda mais gente, mais celulares e todas as redes que sempre podem se formar em torno da música.