Corte Interamericana condena Brasil por omissão em assassinato de ativista juiz-forano
Gabriel Pimenta, defensor dos direitos dos trabalhadores rurais, morreu em 1982 baleado em Marabá, no Pará
Após 40 anos de impunidade, a Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) condenou, nesta terça-feira (4), o estado brasileiro por omissão no assassinato do ativista juiz-forano Gabriel Sales Pimenta. A sentença considera que o Brasil violou os direitos à verdade, à proteção e à integridade da família de um defensor dos direitos humanos.
Conforme a decisão da Corte, aconteceu uma “grave falência” do Estado nas investigações sobre a morte violenta de Gabriel Sales Pimenta “pela situação de absoluta impunidade em que se encontra o homicídio na atualidade”. Segundo a sentença, o Brasil “não cumpriu sua obrigação de atuar com a devida diligência reforçada na investigação do homicídio”. O julgamento do caso é histórico e amplia o debate sobre o papel do estado em proteger os defensores dos direitos humanos, incluindo a investigação de casos de violência contra ativistas.
A Corte afirma que a condenação do Estado brasileiro no caso de Pimenta vai além da família da vítima, pois o trabalho das defensoras e defensores de direitos humanos é “fundamental para o fortalecimento da democracia e do Estado de Direito”. Por isso, a sentença evidencia a importância de acabar com a impunidade de atos de violência cometidos contra ativistas, “pois resulta um elemento fundamental para garantir que possam realizar livremente o seu trabalho em um ambiente seguro”.
Justiça brasileira havia determinado a prescrição do crime
Gabriel Pimenta nasceu em novembro de 1954 em Juiz de Fora. Filho de Geraldo e Maria da Glória, já falecidos, tem seis irmãos e faz parte de uma família de membros do Movimento Familiar Cristão. Formou-se em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e desde cedo dedicou-se à política estudantil. Deixou o município para tomar posse no Banco do Brasil, em Brasília, mas logo decidiu trocar o cargo público para advogar para a Comissão Pastoral da Terra (CPT) em Conceição do Araguaia, no Pará. Atuou em defesa dos direitos humanos dos trabalhadores rurais pelo Sindicato de Trabalhadores Rurais de Marabá (“STR”). Tinha 27 anos quando foi assassinado em Marabá, no Pará, às 22h30 do dia 18 de julho de 1982, com três tiros nas costas.
O suspeito de ser o assassino e dois mandantes foram identificados pela polícia e denunciados pelo Ministério Público por homicídio qualificado, mas nunca foram levados a júri popular, nem cumpriram pena. O Ministério Público pediu, em novembro de 1999, a extinção da responsabilidade penal de um dos acusados, em virtude de sua morte, e o juiz em exercício a decretou em agosto de 2000, juntamente com a improcedência da denúncia contra outro suspeito, por falta de provas. Dessa forma, o julgamento, que no final ficou com apenas um único réu, foi marcado para 2002, mas nunca aconteceu, pois o suspeito não havia sido localizado.
Em 2006, a Polícia Federal conseguiu cumprir a ordem de prisão preventiva. No entanto, em 10 de abril de 2006, os advogados do acusado solicitaram ao Tribunal de Justiça do Pará que decretasse a prisão domiciliária ou a extinção da responsabilidade penal com base na prescrição. Por fim, o Ministério Público se manifestou a favor de que fosse decretada a prescrição, que foi atendida pelas Câmaras Criminais Reunidas do Tribunal de Justiça do Pará, e por 40 anos o crime ficou impune.
Ameaças
A família e os advogados do Centro pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil) e da Comissão Pastoral da Terra do Pará entraram com processo para reivindicar que o Estado brasileiro seja condenado a reparar danos materiais e morais, além de pedir que o país estabeleça regras para que não se repita o mesmo modus operandi judicial no Brasil. Em entrevista concedida à Tribuna em março deste ano, o irmão de Gabriel, Rafael Pimenta, afirmou que Gabriel estava sendo ameaçado de morte um ano antes do assassinato.
“Ele esteve em Belém do Pará, na capital do estado, e tentou deixar isso registrado, junto à Secretaria de Segurança Pública do Estado, que não deu a mínima. Então, a gente vê que o Estado brasileiro, ao qual todos nós somos ligados e pagamos impostos, não faz nada em relação à proteção dos defensores de direitos humanos. Ser advogado de segmentos marginalizados da sociedade é sofrer a mesma violência que o grupo sofre. Em qualquer sociedade mais desenvolvida que a nossa, essas pessoas recebem proteção”, pontua Rafael Pimenta.
Após a condenação da Corte Interamericana, Rafael declarou ao portal de notícias UOL: “Passados 40 anos do crime contra o Gabriel, perpetrado por representantes do latifúndio, dos madeireiros e dos mineradores, que até hoje dominam o Brasil, a condenação da Corte Interamericana contra o Estado brasileiro foi um marco muito importante na luta pela defesa dos defensores de direitos humanos. Gabriel era um advogado de direitos humanos, um advogado dos trabalhadores sem-terra e da população desassistida pelo Estado brasileiro. É uma vitória do Gabriel, é uma vitória dos direitos humanos e é uma vitória do povo brasileiro”.
Condenação e medidas de não repetição ordenadas pela Corte
A Corte determinou sete medidas para que o que ocorreu com o homicídio de Gabriel não se repita. São elas: criar um grupo de trabalho com a finalidade de identificar as causas e circunstâncias geradoras da impunidade e elaborar linhas de ação que permitam superá-las; publicar o resumo oficial da sentença no Diário Oficial da União, no Diário Oficial do Estado do Pará e em um jornal de grande circulação nacional, assim como a sentença, na íntegra, no sítio web do Governo federal, do Ministério Público e do Poder Judiciário do Estado do Pará; realizar um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional em relação com os fatos do presente caso; criar um espaço público de memória na cidade de Belo Horizonte, no qual seja valorizado, protegido e resguardado o ativismo das pessoas defensoras de direitos humanos no Brasil, entre eles o de Gabriel Sales Pimenta; criar e implementar um protocolo para a investigação dos delitos cometidos contra pessoas defensoras de direitos humanos; revisar e adequar seus mecanismos existentes, em particular o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas, nos âmbitos federal e estadual, para que seja previsto e regulamentado através de uma lei ordinária e tenha em consideração os riscos inerentes à atividade de defesa dos direitos humanos; pagar as quantias fixadas na sentença a título de dano material, imaterial, custas e gastos.