Mazarópi, campeão por Vasco e Grêmio, elogia base de JF e defende a disciplina
Ex-arqueiro realçou o nível de competitividade de copa disputada na cidade durante a semana, e aconselhou pais e futuros atletas; atual momento da seleção e dos clubes pelos quais passou também foram analisados
Em meio aos sonhos de dezenas de jovens que disputaram a Copa Alta Malícia em Juiz de Fora, na última semana, estava um profissional que conquistou o Brasil, a América do Sul e o mundo, e que hoje compartilha as tantas experiências de uma vida dedicada ao futebol. Geraldo Pereira de Matos Filho, muito mais conhecido como Mazarópi, ex-goleiro de Vasco, Grêmio, Coritiba e Náutico, entre outros clubes, e da seleção brasileira, viajou com a base do Tricolor Gaúcho para JF, perto de sua terra natal, Além Paraíba (MG). Entre os jogos, foi convidado a passar a semana no Sport Club, onde também distribuiu simpatia e conhecimento. E foi na sede do Verdão da Avenida, na sexta-feira (28), que o ex-goleiro recebeu a Tribuna e não apenas elogiou o nível de competitividade encontrado no torneio como também aconselhou atletas e, principalmente, os pais de esportistas para a caminhada nos campos. Mazarópi ainda comentou os momentos de Grêmio e Vasco, além de diagnosticar uma “involução técnica” no futebol brasileiro.
Aos 69 anos, festejados em Juiz de Fora na quinta (27), Mazarópi é idolatrado por gremistas, onde foi campeão da Libertadores e Mundial, e vascaínos, clube pelo qual levantou o troféu do Brasileiro de 1974, entre outros títulos. O mineiro ainda ostenta o recorde mundial de tempo sem sofrer um único gol – foram 1.816 minutos, entre 1977 e 1978, quando defendia o Cruz-maltino. Hoje, ele trabalha nas divisões de base do Imortal, tendo se mostrado satisfeito com a qualidade dos jovens da cidade, observados durante a semana de competição no Esporte Clube Benfica.
“Essa interação, o intercâmbio são importantes para o crescimento dos jovens também. E o nível técnico da competição, dentro das categorias, está muito bom. Tem dado maturidade e ajudado no desenvolvimento deles”, reforça, antes de elogiar, também, a estrutura disponibilizada. “Fomos acolhidos de uma maneira muito carinhosa. Às vezes nos deixa sem palavras para agradecer a direção do Sport Club Juiz de Fora, aos professores Diego e Ramon, junto com o Alisson e o presidente. Colocaram o clube à nossa disposição, o que dá uma condição melhor aos nossos alunos e atletas. São detalhes importantes. Não queremos luxo, mas sim o básico para poder desenvolver as atividades”, reforça.
Mazarópi não conhecia Juiz de Fora, mas se lembra vagamente de ter atuado pelo Vasco uma vez no município, no próprio campo do Verdão, o Estádio Dr. José Procópio Teixeira. “Não conhecia a cidade, porque na época que jogava, você chegava, ia para o hotel ou direto para o estádio e depois voltava para casa de novo. Não tinha possibilidade. Mas essa estada aqui está me dando a oportunidade porque a gente está podendo se locomover, pude visitar uma prima minha que mora aqui em Juiz de Fora e há muito tempo eu não via. Sou da região, mas saí jovem para o Rio tentar a sorte. E as coisas caminharam, deu tudo certo, Deus nos abençoou com a profissão. Você viaja muito, vai de um lado para outro, mas a minha raiz, origem, eu não perco.”
Disciplina, trabalho, responsabilidade e humildade
Questionado sobre o que entende ser necessário priorizar nas divisões de base, Mazarópi abrange o crescimento humano de cada criança e adolescente, e elenca quatro pilares para isto. “Temos uma preocupação, primeiro, em formar o cidadão, e não só um atleta. Você passa a fazer atividades com eles para desenvolver também a aptidão. No futebol, você precisa treinar os fundamentos necessários e as orientações sobre a parte tática, a técnica. Vai corrigindo, porque essa é a função na base. Mas acho que todo e qualquer segmento na vida, o alicerce para ter sucesso é disciplina, trabalho, responsabilidade e humildade. Se você não tiver disciplina e responsabilidade, dificilmente vai alcançar o sucesso ou atingir o seu sonho. E lidamos com sonhos de crianças, então temos que ter muito cuidado. Precisamos saber até a forma de chamar a atenção de um atleta, de uma maneira que não crie um bloqueio ou um trauma. Mas é a coisa mais gratificante que tem, trabalhar com essa gurizada.”
No mesmo tom, o ex-atleta e atual treinador aconselha aqueles que desejam se tornar goleiros, mas vai além. O comportamento dos pais, em sua visão, é outro ponto que tem influenciado negativamente, em alguns casos, a trajetória dos garotos e meninas. “O jovem precisa de trabalho, foco, disciplina. (Ser goleiro) é uma profissão, para mim, mais difícil e a mais bonita. O goleiro, queira ou não, é 50% do equilíbrio de uma equipe. Se sua equipe confia nele, vai estar tranquila, equilibrada. Mas se você não tem a confiança no goleiro, cria um problema para todo o conjunto”, destaca Mazarópi, antes de se direcionar aos responsáveis pelos jovens. “Aos pais, principalmente, que eles deixem com que as crianças trabalhem e ouçam as orientações dos professores. Que transmitam aos seus filhos aquilo que eles fazem de bom. É importante o apoio dos pais? Sem dúvida. Mas às vezes alguns cobram demais, querem acelerar o processo e acabam prejudicando, criando um bloqueio que não deixa a criança desenvolver. Gosto sempre estar trocando ideia com os pais, mostrando a importância do apoio deles, mas deixar as orientações para os professores. E que mostrem aos filhos as coisas boas que estão realizando, para que se sintam mais motivados, apoiados. Porque já tivemos problemas de pais que agrediam o filho porque errava em um treinamento. Um absurdo. Nós, adultos, erramos, então por que as crianças não podem? É natural e trabalhamos para corrigir. Precisamos dessa consciência. Cada um dentro da sua função.”
‘Você trabalha pro europeu?’
Conforme Mazarópi, o futebol pentacampeão do mundo já não é mais o mesmo, e a formação de atletas também tem sua participação na escassez de novos craques. “Hoje se exige muito intensidade e força. Não se busca qualidade. O futebol brasileiro, tecnicamente, involuiu. Acho que estão tirando do futebol brasileiro aquilo que é a essência e a raiz dele, que é o improviso, a criatividade, irreverência. De modo geral, hoje, em todos os clubes, você vê um guri que vai para dentro do adversário e driblar pra lá e pra cá, é proibido, não deixam. Por isso nos últimos anos não temos ganho nada, tanto nas seleções de base quanto na principal. Na adulta, todos os jogadores estão lá fora, quer dizer, já estão no ritmo deles lá. Você não forma uma seleção com atletas só que jogam no Brasil”, analisa.
Para o técnico, o Brasil parece trabalhar para os europeus, mentalidade já exposta em todos os jovens que, antes mesmo de conquistarem a profissionalização, já sonham em defender clubes do Velho Continente. “Entendo que você deve assimilar as coisas boas, mas procurar introduzir na sua filosofia, desde que você não fira sua característica. Ou vai passar por dificuldades, vai estar fugindo da sua personalidade. Você trabalha pro europeu? Tem que trabalhar pra nós. São escassos os craques surgindo, antes não.”
Ponto importante também tocado por Mazarópi é a diminuição de áreas públicas para a prática esportiva. “Outro detalhe é que, com as edificações, temos perdido espaços em que, em qualquer pedacinho de terreno, fazia um campinho, colocava uma ‘goleirinha’ lá e jogava. São fatores que influenciam. Em contrapartida, temos as escolas de futebol. Na minha época jogávamos na rua, no paralelepípedo, não tinha essas orientações que os garotos já podem receber desde cedo.”
Vasco e Grêmio
Apesar de gigantes do futebol, Vasco e Grêmio, dupla que tem nas ricas histórias o nome de Mazarópi gravado, iniciam uma temporada de reconstrução, com ambos disputando a Série B do Campeonato Brasileiro. Indagado sobre o cenário dos clubes, o ex-arqueiro salientou que “é o momento de você se reestruturar. O futebol brasileiro é imediatista, você trabalha com o sentimento do torcedor. E a fase das equipes precisa de solidificar essa reestruturação para ir recuperando o seu caminho. É preciso ter um planejamento e não precipitar aquilo que você quer lá no final, porque isso acaba complicando ainda mais. Você perde o foco e coloca tudo por água abaixo. O que acontece no futebol brasileiro é que muitos dirigentes não têm a convicção. Se tem dois, três tropeços, muda tudo, e isso prejudica muito também.”
‘Uma semana espetacular’
O ídolo vascaíno e gremista deixará marcas em apenas uma semana na cidade. É o que contou o subdiretor de esportes do Sport Club JF, o treinador Diego Almeida, que salientou estar lisonjeado, em nome da agremiação, pela oportunidade de ter a companhia quase diária do experiente e vitorioso profissional. “Está sendo uma semana espetacular para nós do clube. É muito gratificante receber o Mazarópi aqui, uma referência do futebol mundial e pra nós. Está sendo uma troca de experiências muito grande, quase todos os dias conversamos, compartilhamos conhecimento, ele vem direcionando a gente e também tem sido muito rico para o clube. Acredito que ele está gostando também da questão do povo e do Sport. Tem sido fantástico e viemos conversando que essa semana vai ficar marcada na história. Acredito que nada acontece por acaso e a presença dele potencializou o nosso clube. Creio que vamos conseguir dar passos mais à frente, mais largos”, projetou Diego.
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