Número de mamografias em Juiz de Fora tem queda de quase 40%
Especialistas apontam para uma “epidemia de câncer de mama” devido a diagnósticos represados
O tumor de mama é o segundo tipo de câncer mais frequente no Brasil. De acordo com o Instituto Nacional de Câncer (Inca), 66 mil novos casos estão previstos para o triênio 2020-2022. A doença, mesmo que agressiva, tem grandes chances de cura, que, em estágios iniciais, pode chegar a 90%. Mas para que isso seja possível, é preciso detectar o tumor logo no início, e o exame mais indicado é a mamografia, que deve ser feito anualmente. No entanto, nos dois últimos anos de pandemia do Coronavírus, o número de mulheres que procuraram o SUS para realizar o exame caiu significativamente.
Nos primeiros sete meses de 2020, foram realizados 1.046 exames, enquanto que no mesmo período do ano anterior, em 2019, o número era de 1.691 – representando uma queda de 38,1%. Se compararmos os dados de 2019 com 2021, essa queda é ainda maior, de 41%, visto que o número de exames realizados nos sete primeiros meses deste ano foi de 997. A redução em Juiz de Fora está acima da média nacional, que foi de 27% no período de janeiro a julho de 2020 em comparação com o ano anterior. No entanto, ainda em âmbito nacional, em 2021 o número de mamografias aumentou em 21,6% em relação a 2020. Cenário que é oposto ao observado em Juiz de Fora. Na cidade, a taxa permanece em queda, comparando os sete meses de 2020 e 2021, o número de mamografias feitas caiu em 4,68%.
Esses números preocupam especialistas. Segundo a médica mastologista do Hospital da Universidade Federal de Juiz de Fora (HU-UFJF/Ebserh), Estela Laporte, a demanda represada durante a pandemia já vem causando um aumento no número de diagnósticos positivos para o câncer de mama na cidade. “Hoje em dia eu posso dizer que o número de biópsias aumentou em cerca de 30%, e muitas dessas de pacientes com exames atrasados, que eram para ser feitas em 2020 e não aconteceram. Em 2022 vamos ter uma demanda represada, com um aumento expressivo no número de diagnósticos, e o SUS precisa se preparar para isso. A gente ainda não sabe se existe o risco de faltar medicação, porque ainda não temos a dimensão de qual será a proporção dessa demanda.”
De acordo com Estela, a diminuição nos exames foi ocasionada por diversos fatores. Além do receio de se contaminar com o vírus, houve também a diminuição na oferta de transporte e o afastamento de profissionais que, ou foram contaminados com a Covid-19, ou eram do grupo de risco. “Tiveram meses em que as mamografias caíram muito, menos da metade. A gente chegava a fazer 700 por mês, e, durante a pandemia, esse número chegou a 50. Muitas pacientes não saíam de casa com medo da pandemia, principalmente pacientes do grupo de risco, elas que justamente deveriam estar fazendo a mamografia, que são as mulheres acima de 50 anos.”
Aumento de casos em mulheres mais jovens
Segundo a Sociedade Brasileira de Mastologia, é recomendado que mulheres acima de 40 anos realizem, ao menos, uma mamografia por ano. De acordo com a Lei nº 11.664/2008, essa é uma das atribuições do Sistema Único de Saúde (SUS). Mas, com base na portaria nº 61/2015 do Ministério da Saúde, o exame hoje está, na prática, restrito à faixa etária dos 50 aos 69 anos. Para mulheres mais novas, o SUS só realiza o exame mediante justificativa do médico. Algo que preocupa, visto que o aumento da incidência desse tipo de câncer em uma faixa etária ainda mais jovem tem chamado atenção.
Como explica o médico especialista Flávio Vieira Marques, no Brasil, hoje a incidência em mulheres mais jovens, abaixo dos 40 anos, está entre 4% e 5%, faixa etária onde, historicamente, apenas 2% dos casos eram observados. Esse aumento, segundo o médico, pode estar relacionado ao estilo de vida típico da vida moderna. “Dos milhares de casos de câncer de mama, 5% a 10% são por causas genéticas. Os demais decorrem prioritariamente do ambiente e dos hábitos de vida relacionados ao que chamamos de modernidade. Apresentam risco elevado aquelas mulheres que vivem na metrópole, não tem filhos, ou os têm tardiamente, fumam, ingerem bebidas alcoólicas, são sedentárias e fazem uso de hormônios. E isso pode estar influenciando a aparição do câncer em mulheres mais jovens.”
Contudo, para mulheres com menos de 40 anos, o exame de mamografia não é o mais indicado, visto que, nessa idade, elas possuem os seios com muito tecido glandular, dificultando a detecção precoce. Nesses casos é preciso que as mulheres observem as mamas e se toquem para notar qualquer tipo de anormalidade. “Em 90% dos casos, a principal manifestação da doença é através de um nódulo ou caroço fixo, geralmente indolor. Outro sinal de sintoma é a pele da mama avermelhada, retraída, com aspecto de casca de laranja. É preciso ficar atenta também a alterações no bico do peito e a saída anormal de líquido.”
Diagnóstico precoce aumenta em 60% as chances de cura
“Se descobrir um câncer de mama de um centímetro você tem 90% de chances de cura, se descobrir ele já com cinco centímetros, a porcentagem já cai para 30%”, afirma Flávio. A cura, no entanto, não é imediata, é necessário um acompanhamento regular por, no mínimo, cinco anos, para monitorar o risco de possíveis recidivas. E esta é, atualmente, a realidade de Márcia Bicalho, autônoma de 50 anos, que descobriu no final de 2019 um nódulo na mama esquerda.
A realização da mamografia de rotina, que Márcia já faz desde os 35 anos, foi fundamental para o sucesso do seu tratamento, visto que o nódulo foi descoberto apenas com seis milímetros. “No final de 2019, eu fiz meus exames de rotina e levei a mamografia para que meu médico pudesse ver. E o olhar dele fez toda a diferença. Ele viu uma coisa mínima, que ainda estava muito no início, mas daí, já começamos a monitorar”, conta Márcia.
O diagnóstico foi câncer de mama tipo luminal B, e o procedimento aconselhado pelo médico foi a retirada da mama esquerda, que foi feita em fevereiro de 2020, com a colocação da prótese de silicone logo em seguida. Desde 2013, o SUS garante às mulheres que precisaram passar por uma mastectomia, a reconstrução mamária, com direito à prótese gratuita. “E já em março eu comecei com a quimioterapia. Foram 16 sessões toda semana.” Todo o tratamento, desde o diagnóstica até as sessões de quimioterapia, foi realizado pelo SUS. “Tive minha primeira assistência no HU (Hospital Universitário), e depois fui encaminhada para a Ascomcer, um lugar maravilhoso, onde eu fui muito bem recebida e não me faltou nada.”
O tratamento foi feito durante os primeiros meses da pandemia. A questão médica, de consultas e exames, não foi afetada, visto que, mesmo durante os primeiros meses de pandemia, a Ascomcer não paralisou seus atendimentos. A maior dificuldade foi ficar isolada, sem o apoio presencial dos amigos e da família. “Mas eu levei tudo muito bem, apesar de ter acontecido durante a pandemia e ter ficado sem nenhum tipo de ajuda. Meus amigos deixavam as compras do supermercado na porta. Quando meu cabelo começou a cair, 15 dias depois das primeiras sessões de químio, eu mesma raspei, com a máquina que um amigo tinha me emprestado.”
A doença, como afirma Márcia, não é novidade em seu meio social. “Teve um dia que eu sentei em uma mesa onde tinham sete mulheres, dessas, seis já tiveram, ou estavam em processo de câncer. Amigas até mais novas que eu. Eu descobri com 48, mas tenho amigas de 30 e poucos, 40 anos. E, felizmente, todas estão bem. Acredito que o diferencial mesmo é o diagnóstico precoce.”
A fase difícil passou, “tudo passa, e a gente não pode encarar como um bicho de sete cabeças. Deu câncer, mas podia ter dado outra coisa, temos que seguir em frente, cuidar e tentar arrumar”, conta. O apoio médico e psicológico foram fundamentais. “É importante também que os amigos e a família entendam o momento que o paciente com câncer está vivendo. Nós ficamos muito fragilizados, e esse apoio psicológico é muito importante, além de seguir com atenção e persistência o que os médicos falam. E fé, porque sem ela a gente não chega em lugar nenhum, persistência e resistência, principalmente.”
Avanço no tratamento
De acordo com o médico Flávio Vieira Marques, os tratamentos disponibilizados pelo SUS para o câncer de mama tiveram grandes avanços nos últimos anos. “Antes se fazia cirurgia de mastectomia radical, com retirada da musculatura do tórax, do grande e pequeno peitoral. Hoje em dia já se faz uma mastectomia com a preservação desses músculos, e também há a possibilidade de uma cirurgia conservadora, onde não precisa retirar toda a mama.”
Além do avanço nas cirurgias, o médico aponta que aparelhos mais tecnológicos de radioterapia e medicamentos mais avançados ajudam no tratamento com a quimioterapia e a hormonioterapia . “Hoje também temos testes genéticos para avaliar se será necessário ou não a quimioterapia. O câncer de mama é o mais estudado no mundo e possui um tratamento que chamamos de terapia alvo, que é feito para aquele tipo específico de câncer.”
Ascomcer e conscientização no outubro rosa
Em Juiz de Fora, há mais de 50 anos a Associação Feminina de Prevenção e Combate ao Câncer (Ascomcer) realiza gratuitamente o tratamento e apoio a pacientes oncológicos vindos de 94 cidades. Somente em 2020, a instituição realizou 1.191 exames de mamografia e 261 consultas com mastologistas. As campanhas para prevenção ao câncer de mama ocorrem em diversas frentes. Uma delas é o Ascomóvel, um veículo projetado para realização de exames clínicos nas mamas e o encaminhamento para a realização da mamografia. Em decorrência da pandemia, o serviço foi paralisado, mas de acordo com a instituição, a previsão é que ele retorne às atividades em 2022.
Durante o Outubro Rosa, a Ascomcer irá disponibilizar material informativo para o público externo, além de realizar o agendamento de mamografias para mulheres na faixa etária de 50 e 69 anos durante a primeira semana do mês. Para as pacientes internadas e em tratamento, serão distribuídos kits com garrafinhas e lenços. Camisas e broches para a campanha do Outubro Rosa também estão à venda, e tem como objetivo arrecadar recursos extras para a instituição filantrópica. Mais informações serão divulgadas nas redes sociais da Associação, assim como vídeos de conscientização com profissionais de saúde e pacientes.