Curta aborda relação entre vigias e Museu de Artes e Ofícios de Belo Horizonte
Ariel Bertola e Clara Downey, formadas na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), lançam, no próximo domingo (30), o documentário “Olhar do vigia”
Ariel Bertola, 24 anos, e Clara Downey, 23, conversaram com três vigias do Museu de Artes e Ofícios de Belo Horizonte por três dias. Um terceirizado, os outros dois da Guarda Municipal mesmo. A vigilância é de oito, às vezes 12 horas por dia. Eram muitas perguntas. Mas ambas, em suma, buscaram entender qual a relação dos vigilantes com o Museu de Artes e Ofícios. “Há a preocupação do Museu de que os trabalhadores que não são das áreas de arte, história etc, acessem o acervo? Saibam onde está trabalhando? Como se dá esta troca? Como os guardas lá dentro se sentem?”, explica Clara. “Os vigias trocam com o acervo? Veem? O que pensam sobre os artefatos e o espaço?”, acrescenta Ariel. As respostas estarão no curta documental “Olhar do vigia”, financiado pelos recursos estaduais da Lei Aldir Blanc. A produção será lançada neste domingo (30), no YouTube, por meio do canal do Laboratório Informal de Arte-Educação (Labiarte), projeto conduzido por Ariel e Clara, assim como o documentário.
A princípio, o curta documental envolveria todos os museus de Belo Horizonte. Entretanto, todos estavam fechados devido à pandemia de Covid-19. “Inclusive o Museu de Artes e Ofícios. Estava fechado há mais de um ano quando fizemos contato. Só conseguimos porque reabriria em três dias”, relembra Clara. Então, formularam como se daria a mediação cultural. “De forma geral, queríamos abordar as pessoas que trabalham dentro do museu. Tínhamos inicialmente pensado em fazer com os vigias e com a equipe de limpeza, que normalmente são funcionários de empresas terceirizadas, ou seja, não têm relação direta com a instituição”, explica Ariel. Mas o prazo era curto, assim como o formato audiovisual, que permitiria, no máximo, 15 minutos. O recorte se deu a partir dos vigias. O documentário reúne depoimentos de Filemom Vitorino, José Teixeira e Ronan Peroni.
Embora tenham tempos de casa completamente diferentes entre si, os três vigilantes são encantados pelo Museu de Artes e Ofícios, afirma Clara. “Amam o Museu, amam o acervo”, pontua. O que mais lhes chamou a atenção foi a memória afetiva alimentada pelo acervo. “Um deles já trabalhou em uma fábrica de tecidos. Então, toda vez que vai à parte do Museu sobre os ofícios do fio, associa como o maquinário que tinha na fábrica veio das fiandeiras que faziam o fio, para depois virar o tecido no tear e tudo mais.” É uma relação entre o acervo relacionado ao trabalho e os trabalhadores daquele museu, afirma Ariel. “Um deles falou que há lá uma ferramenta que era feita pelo avô com as próprias mãos. Ele vê aquilo e lembra da história do passado, o trabalho que o avô executava.” Mas há também a relação construída, por vezes em terceira pessoa, entre os vigias e o público. “Todos disseram que, quando entra uma criança no Museu, é um brilho no olhar”, acrescenta Ariel.
A arte incluída no dia a dia
Tanto Ariel quanto Clara são graduadas pelo Instituto de Artes e Design (IAD) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) – Clara é de Juiz de Fora, mas Ariel, de Ipatinga, no Vale do Aço. Boa parte da equipe técnica é contemporânea das diretoras na Universidade, exceto Gustavo Gontijo, responsável pela arte da capa. A captação de imagem e som foi de Luiza de Amorim, e a trilha sonora e a edição de som, de Pedro Baapz. Lara Nonato e Thaíz Freitas fizeram a montagem. Agora, Ariel e Clara estão em vias de encerrar uma pós-graduação em Arte-Educação pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) de São Paulo. A proposta de estudar os mecanismos de arte-educação é inspirada no artigo “Olhares e saberes do encontro com a arte”, assinado pela pesquisadora Gabriela Argolo. “Ela fez justamente isso: entrevistou os guardas do Museu de Belas Artes do Rio de Janeiro para investigar a relação deles com as obras”, afirma Clara. Inclusive, as diretoras do “Olhar do vigia” entrevistaram Gabriela após a gravação do curta. “Como a Gabriela é da área de pedagogia, trouxemos a pesquisa para a arte-educação. Explicamos que fizemos o filme e que ela havia sido uma das principais referências teóricas do nosso trabalho”, detalha Ariel.
O curta documental dialoga com a bibliografia sobre a cultura de museus no Brasil. Quais os receios e anseios do público ao visitar os espaços, explica Clara. A construção desta atividade impõe gargalos simbólicos, rituais pouco afeitos à democratização do acesso. “Os museus, no Brasil, foram feitos para a elite monetária, intelectual etc. O acesso sempre foi muito elitizado. De uns anos para cá, há um movimento no sentido de democratizar o acesso, de abrir os museus e mostrar que são patrimônio e direito de todos”, pondera. “Mas, assim, falar isso apenas agora, após muitas décadas de exclusão, não adianta. Esses espaços já são reconhecidos como inacessíveis.” A cultura, como foi construída, impossibilita trocas entre o público e a arte, acrescenta Ariel. “Sempre é reforçada a ideia de que o museu é um lugar mágico, especial, em que você não pode fazer barulho, tem que ficar em silêncio e olhar fixamente para uma obra de uma distância ‘x’. Você não pode ser curioso, olhar mais de perto.”
Se há um texto ou uma obra que o visitante não entende, complementa Clara, ele questiona por que vai perder tempo naquela exposição. Os questionamentos levaram Clara e Ariel a criarem o Labiarte em busca de levar a arte para o dia a dia das pessoas. “Era lá no começo da pandemia. Todo mundo tinha muito ânimo. Era aquela época em que todos começaram a fazer pão. ‘Ah, vai durar apenas seis meses’”, brinca Ariel. A princípio, era apenas um laboratório. O projeto cresceu e não há como abrir mão. “Passamos horas no Instagram todos os dias. Ficamos pensando em como criar estratégias para inserir os fragmentos de arte no cotidiano das pessoas. Trazemos curiosidades, dinâmicas, interações e tem funcionado muito. Por exemplo, depois que aconteceu aquela situação trágica da Bienal de Veneza em que (o secretário Especial de Cultura) Mário Frias não conhecia a Lina Bo Bardi, fizemos um post mostrando quem é ela. Bombou.”